PPUSP diminui e PM aumenta: há segurança?

Aumento de crimes e casos recentes de repressão refletem atuação duvidosa dos agentes do estado

Quem frequenta a USP há pelo menos um ano deve ter notado um sensível aumento da presença da Polícia Militar no campus de 2014 pra cá. Há mais viaturas circulando, bases móveis foram instaladas e ocorreram alguns “enquadros” de estudantes e não estudantes dentro da Cidade Universitária. A defasagem da Guarda Universitária – e, consequentemente, da segurança no campus -, constatada já no ano passado pela então Superintendente de Segurança Ana Lúcia Pastore, é apontada pelo diretor do SINTUSP Magno de Carvalho como impulsionador deste processo.

policia

Além disso, os diversos casos de repressão da PM a movimentos políticos dentro da universidade nos últimos anos causa apreensão entre militantes sobre as razões e as consequências da militarização da USP.

Precarização da Guarda

De acordo com Magno, o aumento da PM no campus está diretamente relacionado com a precarização da Guarda Universitária da USP: “Há mais de dez anos começou um processo de terceirização da segurança da USP. A Guarda foi encolhendo mais e mais nos últimos tempos, e hoje ela está acabando”. Ana Lúcia confirma: “o número de agentes que existia há cerca de 10 anos era o dobro do que existe atualmente, e as demandas eram menores”, ela diz. “Os funcionários foram se aposentando, tendo desvio de função, afastamento, e não foram repostos. Não houve uma política de substituição de agentes aposentados/afastados”.

Magno afirma que este processo se intensificou do ano passado para cá, em virtude das medidas do reitor Zago para conter a crise orçamentária. “O Plano de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) atingiu bastante a guarda”, ele diz. “Já não tinha efetivo, com o PIDV ficou pior ainda. A USP demitiu o que pôde, não contratou mais ninguém, e acabou”. As contratações de funcionários estão congeladas na universidade desde o ano passado. A USP negou, em comunicado, que tenha havido redução do número de agentes que fazem ronda no campus desde a implementação do PIDV. Porém nos negou também acesso às informações referentes ao número de funcionários da guarda.

De qualquer forma, dados referentes aos agentes de segurança, elaborados no início do segundo semestre de 2014 e fornecidos por Ana Lúcia, mostram que a condição da guarda já não era adequada mesmo antes do PIDV. Na época, eram 116 funcionários – apenas 55 deles operacionais, ou seja, trabalhando nas ruas.

Estes se dividiam em equipes e se rodiziavam ao longo do dia, sendo que nunca o efetivo total de cada equipe estava presente devido às folgas, férias, etc. “Na prática, em cada período, havia em média de 10 a 12 guardas universitários para cobrir todas as ruas da Cidade Universitária. Nos finais de semana, diminuem ainda mais esses números”, Ana Lúcia diz. Além disso, a guarda se encontrava bastante envelhecida (cerca de metade dos 116 agentes tinham mais de 45 anos; um quarto mais que 50) e, do total de agentes, 14 atendiam ao perfil do PIDV, a maior parte deles operacionais.

Segurança Preventiva

A profª Ana Lúcia foi Superintendente de Segurança da USP de abril de 2014 a janeiro deste ano. Durante sua gestão, ela criou um Grupo de Trabalho (GT) de Segurança com representação de estudantes e trabalhadores, que esteve em atividade de julho a dezembro de 2014, e do qual Magno fez parte. “O propósito desse GT era elaborar um relatório que apontasse para um projeto [de segurança]. Dentro desse projeto tinha a proposta de criar um conselho de segurança na USP, deliberativo”, o trabalhador explica, “e uma proposta de segurança preventiva”.

Antes que o relatório pudesse ser entregue, entretanto, o reitor Zago ordenou a exoneração de Ana Lúcia do cargo, substituindo-a pelo veterinário José Antonio Visintin. A partir daí, o trabalho do GT foi descartado (embora Ana Lúcia tenha publicado, por conta própria, o relatório não-oficial do grupo). “Eu não fui procurada pelo Superintendente [Visintin], não tive nenhum retorno dos atuais responsáveis sobre minhas propostas”, ela relata. “Minha gestão foi absolutamente ignorada”.

Um dos problemas mais graves da segurança discutido pelo GT foi o fim da guarda feminina. Segundo Ana Lúcia, há cerca de 20 anos foi aberto um concurso específico para contratação de agentes mulheres, para compor uma guarda feminina. Magno ressaltou a importância desta guarda, “para atender casos de estupro ou outros tipos de violência que, é claro, as mulheres não se sentem à vontade para relatar a um funcionário homem”.

Mas o efetivo feminino, segundo Ana Lúcia, foi acabando: “muitas das funcionárias da guarda envelheceram, mudaram de função, foram saindo [sem serem substituídas]. Quando eu estava na Superintendência havia uma funcionária no operacional e três no administrativo”. Atualmente não há nenhuma agente na equipe operacional, segundo Magno. O relatório elaborado pela antropóloga sugeria a abertura de transferência interna de funcionárias mulheres para a guarda, e assim que possível a abertura de contratações de novas agentes, visando a reconstruir a guarda feminina.

Ana Lúcia não sabe, no entanto, se isso – ou qualquer outra orientação do Grupo de Trabalho de Segurança – está nos planos da atual administração. “O atual Superintendente disse que algumas das ideias seriam colocadas em prática, mas não especificou quais”, ela relata. “Ele falou que havia vários planos de fazer um esquema de segurança inspirado em um projeto de policiamento comunitário da polícia japonesa, e a Polícia Militar seria treinada para isso”.

Policiamento comunitário?

Nós tentamos conversar com Visintin sobre a situação da Guarda e a presença da PM no campus, mas a entrevista foi negada. Em vez disso, recebi um material pouco esclarecedor sobre o plano de segurança implementado pela Superintendência.

A nota diz que está sendo elaborado para a universidade um modelo “baseado no programa japonês koban de policiamento comunitário, que trabalha, principalmente, com prevenção”. A proposta seria a implantação de uma base policial física no campus, com efetivo sempre igual, e os policiais receberiam treinamento especial. Não há maiores explicações acerca do modelo de segurança. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) também não respondeu meus questionamentos até o fechamento do jornal.

O que foi constatado na prática ao longo do semestre, de qualquer forma, foi a ocorrência de “enquadros” de estudantes e não-estudantes dentro do campus, alguns com relatos de violência policial – o que não vinha acontecendo no ano passado. O mais grave aconteceu na madrugada de 23 de abril, quando, após a realização de uma Quinta i Breja, tradicional festa organizada por estudantes na prainha da ECA, diversas pessoas foram revistadas e agredidas por policiais em um ponto de ônibus dentro do campus.

“Eles chegaram escrachando, apontando a arma pra geral, marcaram um rapaz em específico e falaram que aquele ia dormir na delegacia – não por acaso ele era negro”, relata Guilherme Kranz, estudante de letras e militante do grupo Juventude às Ruas. Ele relata que estava com outros dois amigos e que eles foram revistados e apanharam, mas por serem estudantes da USP foram rapidamente liberados.

“Mas os outros ficaram no escracho e sabe-se lá o que aconteceu”, ele diz. “O lance é que era a QiB de Dub [gênero musical originário da Jamaica], e tinha muito negro e muita gente de fora da USP. Pra PM chegar do jeito que chegou, apontando a arma pra geral, batendo à toa, etc., tinha que ser com gente de fora”. Guilherme conclui: “casos como esses mostram que a PM não entra na USP para garantir nossa segurança, apenas para reprimir (e se “divertir” batendo em pobre)”.

(in)Segurança e repressão

O histórico de repressão da PM a movimentos políticos organizados dentro da universidade em tempos recentes nos obriga a levantar a questão de qual é o real propósito do aumento da presença militar no campus. Segundo Marcela Fleury, militante do grupo Território Livre, “a Polícia Militar não poder atuar dentro do campus foi uma vitória contra a repressão da ditadura”. Durante o período ditatorial, militantes dentro da USP não tinham o direito de se organizar politicamente, e a PM era utilizada para reprimir os que tentassem.

Em 2011, após o assassinato de um estudante da FEA no estacionamento da faculdade, a reitoria assinou um convênio com a Polícia Militar que previa maior atuação da corporação dentro da Cidade Universitária, supostamente para coagir crimes e aumentar a segurança da comunidade. No entanto, em 2012, após um ano de vigência do convênio, o número de crimes registrados, em vez de diminuir, aumentou – ocorreram 46% mais roubos e furtos que no ano anterior, de acordo com matéria publicada na Folha de S.Paulo em outubro de 2014.

Desde então, segundo as estatísticas do jornal, as ocorrências aumentam todos os anos sem cessar, registrando só em 2014, até setembro, mais que o dobro de roubos e furtos que 2011 (último ano antes da vigência do convênio). Para Marcela isto é evidência de que a polícia não está na USP para garantir segurança, mas para reprimir a organização política.

“Usou-se a comoção em torno do assassinato de um estudante para justificar o convênio, mas escondeu-se o fato de que a polícia realizava uma blitz no campus na noite em que ele foi morto”, ela diz. “E logo naquele ano [2011] tivemos a confirmação das reais intenções por trás do acordo: a desocupação da reitoria em novembro [ocupada por estudantes em greve]”.

Magno concorda: “a militarização da universidade é um problema sério. Nós tivemos um exemplo agora, na paralisação do dia 29 [de maio]”. Na data referida, trabalhadores e estudantes da USP que saíram em ato até a rodovia Raposo Tavares foram brutalmente reprimidos pela polícia, com cenas de violência que repercutiram em toda a mídia e foram noticiadas no JC. O estudante Franciel de Souza, também do Território Livre, foi alvejado pelas costas e agredido.

“Quando eu e outros estudantes estávamos fugindo da PM, que vinha de carro, fomos encurralados e perseguidos de maneira covarde, a polícia nos caçou como em um safári”, ele relata. “Eu senti um tiro nas costas, caí, e a partir daí foram várias agressões, chutes, cassetetes, xingamentos. Apenas me liberam quando um comandante chegou e falou ‘se for fazer alguma coisa faça logo porque a imprensa está chegando’”.

Magno afirma que muitos dos policiais que participaram da ação são os mesmos que atualmente fazem o policiamento do campus. A SSP não confirma.

“Eles conhecem a gente [lideranças sindicais] pelo nome”, o trabalhador disse, relatando que foi procurado por um comandante no dia do protesto. “A gente fica preocupado, eles estão de olho na gente, devem conhecer também as lideranças estudantis”. Além disso, ele contou que alguns guardas têm procurado o SINTUSP para reclamar que não estão sendo valorizados, e que percebem que estão colocando a polícia no lugar deles.

Ana Lúcia não acha apropriado que a segurança ostensiva da USP seja feita por policiais militares, conforme vem ocorrendo. “Ao que tudo indica houve, de fato, um chamado da PM para estar no campus, o próprio Superintendente falou que havia mais bases, mais viaturas no campus, mas com proposta de polícia comunitária”, ela explica. “Durante a minha gestão eu me coloquei contrária a que a Polícia Militar fizesse esse papel de rondas, porque eu entendo que esse tem que ser um serviço preventivo. Eu sempre defendi a ideia de que este é o trabalho que compete à Guarda Universitária, que deveria ser capacitada para fazer policiamento comunitário”.

Magno considera a crescente militarização do campus um processo perigoso. “É a pior coisa que pode acontecer na universidade. Isso pra mim que estou aqui desde 1967 é uma volta aos tempos da ditadura militar, a gente via a mesma quantidade de polícia aqui dentro, e toda vez que a gente fazia um movimento, greve, éramos reprimidos”, ele diz.

Franciel também teme a repressão de movimentos políticos na USP. “A universidade está em crise. Crise que não fomos nós que construímos, mas somos nós – estudantes e trabalhadores – que estamos pagando”, ele avalia. “E a única forma que a reitoria responde às reivindicações da comunidade universitária é com repressão. Desde que foi firmado o convênio entre USP e PM, todas as vezes que vi a PM em ‘ação’ foi agredindo estudantes, trabalhadores para impedir que pudessem protestar por seus direitos”. Guilherme completa: “a PM veio pra USP fazer o que faz de melhor – repressão e humilhação”.

“Colocar a PM para fazer a segurança do campus não vai dar certo, isso vai gerar um confronto muito grande”, Magno comenta. “Por enquanto, depois dessa militarização, ainda não houve uma greve, mas eu tenho certeza que quando tiver uma greve de trabalhador com estudante nessa universidade vai ser confronto total com a polícia”. Ele considera urgente a restauração da Guarda Universitária na USP, com formação e efetivo, e ressalta, por fim, a necessidade de lutar contra a militarização do campus: “é uma reivindicação central e eu acho que deve ser uma bandeira levantada pelos três segmentos da universidade: Fora PM!”.

Por Fernando Magarian