Quem tem medo da CERT?

Comissão Especial de Regimes de Trabalho causa conflito entre docentes e reitoria

A Comissão Especial de Regimes de Trabalho (Cert) é, segundo a descrição do próprio site, a Comissão supervisora e fiscalizadora dos regimes de trabalho do corpo docente da Universidade de São Paulo. Porém, sua forma de atuação rendeu diversas críticas ao longo do tempo, e até hoje existe reclamações no modo que a entidade exerce essa função, sendo, por exemplo, comentado que as ações que desempenham quando “rebaixam” o regime de trabalho de um docente, são dirigidas pela comissão em contradição ao que assegura a Constituição Federal a respeito da irredutibilidade salarial de um trabalhador.

Localizado no prédio da Antiga Reitoria, comitê que analisa desempenho acadêmico de professores e estipula regimes de dedicação. Foto: Daniel Muñoz
Localizado no prédio da Antiga Reitoria, comitê que analisa desempenho acadêmico de professores e estipula regimes de dedicação. Foto: Daniel Muñoz

Com seu conjunto de membros, 13 ao todo, renovados em quase sua plenitude a cada nova gestão para o cargo de reitor, sendo esses designados pelo novo empossado. A Cert passa a impressão a muitos dos ouvidos pelo jornal, de que a natureza das suas ações e métodos varia ao decorrer da série de sucessivas reestruturações de pessoal que experimenta. Obstante disso, o órgão que acompanha e analisa os casos de mudança de regimes de trabalho pelo corpo docente na USP, como já dito, foi e ainda é alvo de severas críticas por parte de comunidades de dentro da classe docente. Alguns dos entrevistados trazem a opinião de que a comissão passa por períodos em que se torna mais “persecutória”, citando que no final dos anos noventa, sob a presidência do professor que agora é o atual reitor, Marco Antonio Zago, ela teve um dos seus “auges de agressão” ao corpo docente. Seguindo o raciocínio, os ouvidos pela equipe do jornal enxergam uma casualidade entre o atual “pico” nas atividades da Cert e o fato de ser o próprio ex-presidente da comissão que escolheu a mais nova equipe que preenche o órgão.

Para o ex-presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), professor Ciro Teixeira Correia, as práticas de controle da Cert são desvinculadas de qualquer prática acadêmica. Para ele, “visam antes obrigar os docentes a trabalharem para atender à políticas produtivistas que se moldam aos procedimentos das agências de fomento à pesquisa”, em detrimento de projetos acadêmicos das unidades para as quais os docentes foram contratados.

Além disso, Correia enxerga que essas práticas causam certo constrangimento e fazem com que as pessoas atingidas se sintam injustamente desqualificadas. “Desse modo, caracterizam uma situação de assédio moral coletivo”, comenta. Perguntado se acredita em perseguições por parte da omissão, Correia diz que é difícil afirmar que exista, já que “muitas vezes as pessoas não se sentem com o suficiente respaldo para denunciarem o ataque que estão sofrendo”, mas reiterou que “toda situação de autoritarismo dá ensejo à perseguição”, mantendo forte a crítica ao órgão.

Para o atual presidente da Cert, o professor doutor do Instituto de Física de São Carlos, Luiz Nunes de Oliveira, quando questionado acerca de alguns dos pontos levantados acima por Ciro Correia, disse, em linhas gerais, que o intuito da Cert é se certificar de que os professores estão realizando seu trabalho, “A função da Cert é fazer a universidade melhorar”.

Em relação ao fator intimidatório que a comissão tem sobre os docentes, ele comenta que seus pareceres, quando negativos em relação ao conjunto do trabalho registrado pelos próprios professores em seus relatórios bianuais — obrigatórios durante o estágio probatório de seis anos —, a Cert delega ao chefe de departamento da unidade do professor analisado o diálogo sobre seu parecer, para que, segundo Luiz Nunes, não ocorra constrangimento, uma vez que, ainda segundo o presidente da comissão, a presença de um membro da Cert poderia gerar uma certa carga de intimidação.

“Muitas vezes as pessoas não se sentem com o suficiente respaldo para denunciarem o ataque que estão sofrendo”
— Ciro Teixeira Correia, ex-presidente da ADUSP

As críticas à Cert são feitas também no sentido de sua formação, que para Correia “é constituída de 13 membros de escolha exclusiva do reitor e que não presta contas a nenhuma instância da USP”, além de cumprir um papel intimidatório. Para ele, é necessário que seja cumprido o capítulo 4 do Regimento Geral da USP, “que estabelece que aos órgãos centrais da universidade compete fazer a avaliação institucional e não individual”. E mais: Correia cita o artigo 201, que “atribui aos departamentos e unidades toda e qualquer avaliação ou iniciativa sobre o vínculo dos docentes e seus respectivos regimes de trabalho”. Assim, ele diz que a Adusp defende que não haja qualquer comissão com as características da Cert.

Por fim, Correia define que a Cert, no máximo, deveria ser uma comissão de supervisão dos procedimentos administrativos relacionados com o período de experimentação no RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa), RTC (Regime de Turno Completo) e dos afastamentos, podendo opinar ou sugerir, mas nunca decidir. “Não lhe compete qualquer avaliação dos docentes, no entanto, ela tem irregularmente buscado se legitimar como instância decisória dos processos que por ela tramitam”, explica. Com relação aos números, Correia apenas disse que a comissão “está contestando a avaliação das unidades nos casos de algumas dezenas de docentes”.

Para o presidente da Cert, ouvido pelo jornal, as avaliações dos trabalhos e publicações feitas pelos docentes pela comissão é fundamental, já que, pelo ponto de vista da Cert, os pareceristas que inicialmente analisam os registros passados pelos docentes, apenas o fazem em uma dimensão superficial, não levando em conta outras facetas, como por exemplo, o ensino, “Os pareceristas não avaliam o mérito”, diz. Ainda em entrevista, o professor afirma que as ações que deliberam como comissão não possui nenhuma carga persecutória, sendo somente uma resposta ao processo de verificação do trabalho de um professor. Enfim, Luiz diz que a decisão quanto à mudança do regime de trabalho de um docente cabe, no fim, ao chefe de departamento do professor na ocasião em que o parecer é encaminhado da Cert a esse. Indagado se esse sistema não poderia vir a prejudicar docentes processados que não tivessem um bom relacionamento com seu chefe de departamento ou grupo geral de colegas, o presidente da Comissão Especial de Regimes de Trabalho disse que seria necessário existir um “complô”, “Mas é possível”.

Finalmente, para se delinear melhor o cenário que envolve a controvérsia da operação da Cert dentro da USP, é interessante ressaltar que em diversos pontos, a direção argumentativa das duas visões apresentadas acima se encontram em pontos pacíficos. O argumento de que não são levados em conta os aspectos do ensino, didatismo e relação do professor com alunos, é proferido tanto pela Cert quanto pelos docentes entrevistados pelo jornal. De certa maneira, os dois discursos se encontram numa qualidade hermética, na qual os dois parecem não procurar uma base num debate direto.

Por Luiz Viviani e João Cezar Dias