“Ranking” acende discussão na ESALQ

Reação a “brincadeira” ofensiva demonstra avanços no debate de gênero da faculdade

Bastante presente na mídia durante o começo desse ano, quando aconteceu a CPI dos trotes, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP) voltou a chamar atenção de grandes veículos ainda no final do primeiro semestre. No dia 18 de junho, o portal de notícias G1 indicou a presença, no centro de vivência da unidade, de um “ranking” que expunha a intimidade sexual de diversas alunas. Em uma foto, era possível ler as categorias sob as quais nomes estavam listados: “buceta fedida”, “teta preta” e “sociedade do anel”. Essa volta da ESALQ aos jornais se deu a partir da repercussão do texto de uma aluna, Élice Botelho, nas redes sociais. Apesar de considerar, mais tarde, “sensacionalista” a cobertura midiática do episódio, ela acredita que isso foi também essencial para que a discussão se tornasse mais séria dentro da faculdade.

Foto: Élice Botelho
Foto: Élice Botelho

Segundo relatos de alunos, as tradições são parte fundamental da cultura ESALQueana. A instituição, afinal, é mais antiga do que a própria USP: tem 114 anos. “É tudo sempre numa boa, nunca para ofender ou humilhar ninguém”, garante Isabella Pontes, aluna de engenharia agronômica. Já para Ana* (nome fictício para estudante que não quis se identificar), as coisas não foram tão simples. Ao longo do tempo, ela diz que aprendeu a lidar com quem estimula a prática dos trotes considerados mais violentos, por exemplo, chamados por lá de “ralos”. No entanto, ao ser introduzida aos costumes locais, passou por situações bastante desagradáveis. “Como me foi indicado, fui me apresentar de joelhos para um cara do segundo ano”, relata. “Ele cuspiu na minha cara”. Apesar do tratamento agressivo aos calouros como um todo,o episódio parece se relacionar também com outra tradição: o discurso machista. “Algumas coisas melhoraram por aqui, mas os meninos ainda não levam as meninas muito a sério”, lamenta Isabella. Ana ainda vai além, indicando que o machismo também está presente entre as próprias alunas, conformadas com esse tipo de tratamento.

A lista exibida no centro de vivência, chamada de “ranking” pelo G1, também parece se enquadrar nesse âmbito de tradições. Todos os alunos entrevistados pelo JC relataram já ter presenciado ou ouvido falar de casos semelhantes em outros anos. Segundo eles, porém, o cartaz não se trata de um ranking. “É como se eles fizessem uma pesquisa: ‘quem você acha que é assim, quem você acha que é aquilo’”, esclarece Isabella. Fora isso, contrariamente ao que noticiou o portal, os risquinhos que acompanham os nomes não indicam com quantas pessoas se manteve relações, e sim o número de entrevistados que acreditam que aquele nome se enquadra em uma ou outra categoria. Em um texto publicado no Facebook, a aluna Paula Vitelli procurou justificar o ocorrido. “Trata-se de uma brincadeira”, escreve. “Dou a minha palavra que se conversar com elas [meninas listadas], nenhuma vai dizer que está ofendida”. Já nos comentários, há quem discorde.

Alguns alunos questionam o motivo de só se ter reagido agora a esse tipo de cartaz. Existe, antes de tudo, o fato de ele só chegar a ser exposto publicamente neste ano. No entanto, há outras motivações, mais profundas. “A discussão sobre opressões de modo geral está mais acesa na sociedade como um todo, o que faz com que atitudes como essa não sejam mais tão aceitas”, especula Élice Botelho, que chamou a atenção da mídia ao caso. Depois da repercussão, uma comissão foi formada por professores da unidade, que ouviram relatos de meninas ofendidas com a lista. “Eu duvido que se punam os culpados”, desabafa Ana. Por enquanto, parece que a maior parte da comunidade ESALQueana — inclusive professores, segundo algumas alunas — ainda reverbera as tradições sem muito questionamento. “Vai demorar para as coisas mudarem de fato por aqui”, opina a estudante. “Mas já estão começando. Só espero que não demorem mais 114 anos”.

Por Giovana Feix