Unidades podem oferecer aulas apenas em língua estrangeira a partir do 2º semestre

Para pró-reitor de Graduação, medida contribui para internacionalização da universidade; professores e alunos criticam efeitos e falta de cursos gratuitos de idiomas

As unidades da Universidade de São Paulo poderão oferecer disciplinas optativas livres exclusivamente em língua estrangeira em seus cursos de graduação a partir do segundo semestre de 2015. A resolução foi aprovada em 27 de maio pelo Conselho de Graduação da universidade.

Anteriormente, matérias em outras línguas só poderiam ser disponibilizadas se também houvesse uma versão delas em português, algo exigido pelo Ministério da Educação para universidades públicas. No entanto, isso acabava inviabilizando a prática, afirmou ao Jornal do Campus o pró-reitor de Graduação, Antonio Carlos Hernandes.

Segundo ele, o objetivo dessa medida é melhorar a formação dos estudantes brasileiros, facilitar a experiência dos estrangeiros, e atrair professores e pesquisadores de outros países. “Isso contribui para a internacionalização da USP, e a coloca no mesmo patamar das faculdades de primeira linha do mundo”, declarou.

Foto: Sérgio de Oliveira
Foto: Sérgio de Oliveira

Mas Hernandes – que também é professor do Instituto de Física de São Carlos – ressaltou que essa mudança não foi feita com o intuito de fazer a USP subir posições nos rankings que avaliam a qualidade das universidades. Em 2014, a universidade perdeu postos nas avaliações de duas importantes instituições internacionais. Na Times Higher Education, a USP caiu da faixa entre o 61º ao 70º lugar para a entre o 81º ao 90º. Já no QS World University Ranking, a entidade foi rebaixada da 127ª colocação para a 132ª.

Para o pró-reitor de Graduação, a alteração poderá aprofundar a interação de professores e pesquisadores estrangeiros com alunos da USP. “Antes, se um docente ou pós-graduando de fora do país viesse passar seis meses estudando aqui, o que poderíamos oferecer a ele é que fizesse um seminário para os estudantes. A partir de agora, temos a chance de propor que ele ministre uma disciplina, algo mais longo e complexo”, explicou.

O período em que intercambistas passam na universidade também poderá ser melhor aproveitado, destacou o professor. Isso porque eles terão acesso a mais opções de disciplinas, e não precisarão cursar matérias que não compreendam direito devido a baixo nível de português.

Estudantes da USP que já fizeram intercâmbio aprovaram as optativas livres em língua estrangeira. A aluna de jornalismo da ECA Marina Castro, que passou um período na Universitàdi Roma La Sapienza, na capital da Itália, contou que as disciplinas em inglês que cursou na instituição lhe ajudaram a conhecer pessoas de diversas partes do mundo. “Muitos dos quais, aliás, não falavam nada ou quase nada de italiano e mesmo assim puderam estudar na Itália por conta do oferecimento dessas aulas”, apontou Marina.

Embora só tenha atendido a aulas em espanhol – língua oficial da Universidad de Murcia, na Espanha, onde fez intercâmbio –, o estudante de publicidade e propaganda da ECA Christian Chinem avaliou que se a faculdade oferecesse matérias em outros idiomas, os alunos internacionais teriam a chance de aprender melhor, e a situação que vivenciou lá não se repetiria na USP: “Tive contato com outros intercambistas que não dominavam quase nada do idioma local e, no final das contas, eu tinha que traduzir e explicar as aulas e os trabalhos para eles falando em inglês”.

Unidades engatinham

A reportagem do JC perguntou a todas as unidades da USP se, com a mudança, iam oferecer disciplinas exclusivamente em língua estrangeira no segundo semestre. A grande maioria informou que não, e algumas não responderam.

Apenas três faculdades confirmaram que irão disponibilizar aulas outro idioma – no caso, o inglês. São elas a FEA (Regulação Contábil e Instituições; Sistemas de Controle Contábil; e Gestão Internacional e Negócios no Brasil), o IB (História da Biologia e Ensino), e o IRI (Governança Global; Regiões e Regionalismo na Política Mundial; e A União Europeia vista por dentro).

O trabalho da pró-reitoria de Graduação, a partir de agora, será incentivar as unidades da USP a criarem mais optativas livres em línguas estrangeiras, relata Hernandes. Se elas forem bem-sucedidas, o Conselho de Graduação pode vir a discutir a implementação de optativas eletivas em outros idiomas.

Porém, o professor de Física não vê a criação de um curso de graduação totalmente em outra língua – como feito pela FGV, que oferecerá turmas de administração em inglês a partir de agosto –, uma vez que isso exigiria uma reforma na legislação.

Outro lado

Contudo, as optativas livres em língua estrangeira também foram criticadas por professores e estudantes. Na opinião do presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) até o dia 26 de junho, Ciro Correia, as aulas devem ser exclusivamente em português, e a medida não passa de marketing institucional.

“Esse tipo de medida vem na esteira do modismo de internacionalização da universidade, o que está acoplado na obsessão pelos rankings. Sabemos que a maioria das unidades da USP tem falta de docentes para ministrar as disciplinas normais em português, o que provoca o aparecimento de turmas com números excessivos de estudantes nos primeiros anos. Esse é mais um elemento a mostrar que a medida não visa atender a nenhum problema efetivo dentre os que a USP está a enfrentar”, analisou Correia, que também é professor do Instituto de Geociências.

A seu ver, a universidade deveria concentrar seus esforços na solução de problemas mais urgentes, como o ensino efetivo da língua portuguesa, o qual “anda ameaçado justamente por falta de investimento no ensino fundamental”, e a criação de mais postos em universidades públicas, já que “mais de 90% das vagas no ensino superior se encontram em escolas privadas”.

Por sua vez, a diretora do Diretório Central dos Estudantes da USP (DCE) e estudante da Faculdade de Direito, Sabrina Marcelino, fez a ressalva que se houver matérias em outras línguas, é preciso que a USP assegure a todos os alunos o acesso a cursos de idiomas sem custos. “Hoje a universidade não oferece cursos de línguas gratuitos, acessíveis e de qualidade a todos os institutos, o que pode prejudicar o aproveitamento dessas optativas, além de prejudicar o desempenho acadêmico em geral”, afirmou.

Por Sérgio de Oliveira