Coleção que contaminava biblioteca da FFLCH é movida para subsolo

Após quase seis meses interditado, segundo piso da Biblioteca da FFLCH se livra dos sinais de contaminação

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Fachada da Biblioteca da FFLCH (Foto: Matheus Sacramento)

O segundo andar da Biblioteca Florestan Fernandes, da FFLCH, finalmente reabriu. Quase seis meses após sua interdição pela Covisa (Coordenação de Vigilância em Saúde da Prefeitura de São Paulo), no dia 25 de fevereiro, o piso superior pôde ser acessado e utilizado por alunos de toda a comunidade uspiana no dia 10 de agosto. No entanto, a coleção contaminada João Cruz Costa, que impedia a entrada na localidade, se encontra fechada no subsolo do prédio, sem acesso permitido aos alunos.

A coleção especial João Cruz Costa tem cerca de 9.200 exemplares. Cinco deles se encontravam contaminados com um pó branco. A substância foi posteriormente reconhecida como um pesticida moderno, o DDT, que pode causar câncer em seres humanos.

O DDT (diclorodifeniltricloroetano) é o primeiro dos pesticidas modernos. Foi proibido no Brasil em 2009, mas já estava banido em alguns países europeus desde a década de 70. Nessa época, o pesticida era comum em bibliotecas para combater as pragas que comem papel, os chamados insetos bibliófagos.

Segundo um laudo técnico ao qual o Jornal do Campus teve acesso, não existem mais sinais de contaminação por pesticida em toda a biblioteca. Nele, afirma-se que os livros da coleção João Cruz Costa estão armazenados na zeladoria, que fica no subsolo do edifício. As fotos presentes no laudo mostram os livros do acervo fechados em sacos pretos. O relatório foi produzido pela AgroSafety.

O laboratório fez testes em doze pontos da biblioteca, sendo nove deles no segundo andar ‒ incluindo o corredor no qual o acervo contaminado estava armazenado e a sala de estudos. Os outros três pontos ficaram por conta do primeiro andar, do térreo e do subsolo.

Suspeita vem desde 2012

Desde o ano de 2012 já se suspeitava que havia obras contaminadas no segundo piso da Biblioteca Florestan Fernandes. Os funcionários foram os primeiros a denunciar o caso, pois estavam em contato mais frequente com o acervo. Quatro de oito funcionários que trabalhavam no Setor de Aquisição (SAI) ficaram doentes, com vômitos, alergia e dor de cabeça.

O acervo, acolhido em 2009, passou por um processo de higienização em 2013. Contudo, um ano depois, em abril de 2014, um laudo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) confirmou que cinco livros da coleção João Cruz Costa ainda estavam contaminados com um pó branco, que era o pesticida DDT e seus metabólitos DDD e DDE. Além disso, o ar da biblioteca poderia estar contaminado pela dispersão das substâncias.

Quando o pó branco foi descoberto, a biblioteca tentou isolar a coleção com paredes de drywall, que permitiam passagem de ar. Embora o isolamento parcial pudesse levar o pesticida para outros ambientes do prédio, a vedação completa da coleção poderia causar danos ao material.

A biblioteca providenciou ainda que 12 funcionários fizessem consulta médica no Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) da USP. Segundo os testes, não foi possível confirmar a relação dos sintomas dos trabalhadores com o pesticida DDT.

Funcionários paralisaram em protesto

Passaram-se três anos da descoberta do pó branco, chegou o ano de 2015 e a coleção continuava no segundo andar do edifício. Insatisfeitos com a demora, funcionários da biblioteca decidiram paralisar suas atividades no dia 23 de fevereiro e fechar o prédio por inteiro.

No dia 25, os funcionários chamaram a Covisa para que uma inspeção fosse feita na Florestan Fernandes, especialmente, no segundo andar. A vigilância em saúde determinou, então, a interdição de todo o segundo piso até que um novo laudo comprovasse a limpeza completa do local.

Os funcionários entraram em acordo com a diretoria da Florestan Fernandes no dia 2 de março, encerrando a paralisação e reabrindo o prédio. O segundo andar, por outro lado, continuou fechado desde então.

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(Foto: Matheus Sacramento)

Alunos prejudicados

A demora para que o problema fosse resolvido prejudicou os estudos e até mesmo a pesquisa de diversos alunos. Nos quase seis meses de acesso restrito, inúmeros graduandos e pós-graduandos tiveram de se virar.

Foi o caso do calouro Bruno Galindo, do curso de Letras da FFLCH. Mal chegou na Universidade, já teve de lidar com a interdição. O aluno conta que precisava entregar um trabalho final para a disciplina Introdução aos Estudos Literários sobre um poema de Cruz e Sousa. “Como referência bibliográfica, o professor passou dois livros. Fui buscar e estavam no andar fechado. Tive que buscar em PDF [arquivo de computador] ou xerox”, disse.

Galindo afirmou que foi difícil dar coesão ao seu trabalho sem acesso às obras que se encontravam no segundo andar. “O problema é que ambos [PDF e Xerox] são recortes, longe de livros completos. Tentar fazer qualquer coisa usando recortes como referência deixa tudo superficial. Terminei o trabalho, mas ficou um retalho”, conta. “A produção acadêmica e a própria relação de aprendizado com ela  [fica superficial]”.

Além de demorar para solucionar o problema, a biblioteca não quis dar muitas explicações aos estudantes. Segundo o Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários (CAELL), nenhum centro acadêmico da FFLCH obteve respostas sobre a interdição do segundo andar durante o processo.

O Jornal do Campus procurou a diretora da Biblioteca Florestan Fernandes, Maria Aparecida Laet, que não quis dar declarações. Ela concedeu acesso, entretanto, ao laudo técnico que permitiu a reabertura do andar.

Por Matheus Sacramento