Novo projeto de policiamento enfrentará desafio de conquistar confiança de alunos

Em parceria com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Universidade estuda adoção do modelo japonês Koban, que propõe maior interação da polícia com a comunidade

Nas últimas semanas, notícias acerca do novo plano de policiamento da Cidade Universitária da USP vêm circulando por diversos veículos. Mas, o que não ficou ainda muito claro é como essa nova estratégia de segurança funcionará na prática.

O modelo que deverá ser implementado começou a ser discutido em janeiro desse ano e, em maio, foi formulado um documento final com as diretrizes do projeto. Esse documento foi levado à discussão no último dia 7 pela Comissão de Direitos Humanos da USP, que apontou alguns aperfeiçoamentos, discutiu detalhes e somou ideias. O próximo passo, segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP, José Gregori, é apresentar a proposta ao Reitor que deve, junto ao Conselho Universitário, decidir o que fazer. Segundo a assessoria da Universidade, o plano ainda passará por consulta à comunidade antes de ser aprovado.

Como funcionará o plano

Baseado no modelo japonês Koban, a proposta da Secretaria de Segurança Pública, chamada USP Segura, é executar um projeto de policiamento comunitário dentro da Cidade Universitária.

No plano, é proposto que a Polícia Militar e a Guarda Universitária atuem em conjunto. Isso significa que cada membro de segurança deve ter sua função muito bem definida. “A equipe será treinada para evitar crimes praticados contra os alunos, professores e funcionários. Qualquer caso externo, como a necessidade de uma reintegração de posse aqui de uma unidade invadida, não é esse grupo [de PMs fixos], é um outro grupo da polícia”, explica Moraes. O policial militar fixo deve prezar pelo combate a criminalidade, a guarda universitária se responsabiliza por problemas disciplinares e pela guarda patrimonial, e a polícia externa se incumbe de problemas atípicos e de ordem externa. Se houver uma manifestação no campus, por exemplo, a polícia fixa não deve interferir. “É um protocolo estabelecido para que haja uma relação de confiança importante entre os habitantes da Cidade Universitária e a polícia”.

Outra característica importante para que o USP Segura funcione de forma eficaz é a voluntariedade. Os policiais militares que trabalharão no campus devem se dispor a fazê-lo, e não serem designados para a função. Outro fator que envolve a escolha dos policiais é que suas características devem ser similares às das pessoas que circulam pelo campus. Os PMs que se fixarão na Cidade Universitária devem ter aproximadamente 25 ou 26 anos, além de terem nível universitário ou estarem cursando a universidade. Alexandre de Moraes acredita que essa estratégia pode aproximar os policiais da comunidade e, dessa forma, melhorar a segurança na Cidade Universitária. Para ele, colocar uma equipe diferenciada nada tem a ver com privilégios. “A USP é uma cidade diferenciada. Não há nenhuma cidade, nos 645 municípios de São Paulo, que tenha majoritariamente pessoas entre 17 e 25, 26 anos, todos fazendo universidade, todos com características muito próximas”, aponta Moraes. “Então, não se trata de nenhum privilégio, mas sim, de uma estratégia específica para um problema específico”.

Depois da escolha, a equipe passa por um treinamento realizado pela polícia militar, que deve abordar sobretudo relações pessoais. A ideia é que o policial esteja apto a se tornar parte da comunidade, como se fosse um amigo dos habitantes do campus. “Num contato mais pessoal, [o policial] visita todos os diretórios acadêmicos, passa a conhecer cada um dos diretores da unidade, diretor do diretório, passa a conhecer visualmente as pessoas, sempre o mesmo grupo”, diz o secretário. “Um dos pilares do policiamento comunitário é não trocar, não haver uma rotatividade de policiamento”.

Mesmo o projeto ainda não tendo sido oficialmente aceito, algumas medidas já foram tomadas. O grupo de policiais está em fase de treinamento e o sistema de monitoramento passa por mudanças.

Equipe de PMs será fixa e dividirá funções com a Guarda Universitária e demais agentes de segurança.  Foto: Carolina Oliveira
Equipe de PMs será fixa e dividirá funções com a Guarda Universitária e demais agentes de segurança.
Foto: Carolina Oliveira
Opiniões sobre o modelo

Para o professor Leandro Piquet, especialista em segurança e docente do Instituto de Relações Internacionais (IRI), é preciso lembrar que o Koban vem de um contexto japonês, bastante diferente do que vivemos aqui. “O Japão tem comunidades muito articuladas, ciosas das regras de convivência, muito intolerantes com relação a desvios. Não acho que é um modelo de fácil tradução para o Brasil”.  

Embora a experiência do policiamento comunitário venha sendo usada em alguns lugares de São Paulo, Piquet reitera que o modelo tende a funcionar melhor em comunidades mais organizadas. “Está dando certo nos bairros mais estabilizados, onde há um padrão residencial mais fixo, gente morando há mais tempo” afirma. “Não existe modelo Koban de relação com a comunidade funcionando em áreas de grande circulação de pessoas”. Assim, no contexto da USP, na qual há uma grande diversidade de ideias, o professor acredita que haverá mais dificuldade na implantação desse formato. “Eu diria que não é ‘balela’, a polícia está oferecendo alguma coisa que existe. A minha dúvida é se ela está oferecendo a coisa certa para o lugar certo”, argumenta.

Além dos questionamentos sobre o Koban, Piquet avalia que a USP ainda carece de regras mais claras quanto ao uso do espaço público, e que isso pode dificultar a implantação de quaisquer projetos de segurança. “O espaço da USP não tem quase regra nenhuma com relação ao que pode ou o que não pode”, aponta. Dessa forma, o professor afirma que os agentes de segurança, muitas vezes, não sabem como lidar com ocorrências na USP. “É como se a comunidade tivesse dezenas de micro-regras, e aí você tem dezenas de agentes de segurança que deveriam zelar pela segurança e pelas regras, mas que são incapazes de fazê-lo”, diz. “Por isso a USP é tão insegura, porque justamente não existe essa visão convergente, consensual sobre o que fazer. Sempre que a comunidade é muito dividida em relação a segurança, o lugar tende a ser inseguro”, completa.

Vitor Blotta, professor do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), também avalia que é preciso, antes de tudo, lidar com as particularidades que envolvem a USP e seus entornos, além da realização de um levantamento sobre as áreas com maior ocorrência de crimes. “É necessário um diagnóstico dessa complexidade para que se possa propor um plano de policiamento comunitário adequado”, diz.

Sobre a atuação da PM no campus, Blotta acredita que, se respeitados os valores que envolvem o policiamento comunitário, a polícia pode agregar aos esforços de segurança. “É muito difícil um plano de segurança abrangente e de caráter comunitário sem a Polícia Militar, tanto na prática como politicamente”, aponta. “Soa como privilégio ou mesmo negligência impedir ao menos algum tipo de cooperação da polícia militar”. Contudo, o pesquisador a reitera que a implementação dos valores do policiamento comunitário é uma tarefa desafiadora. “A experiência tem mostrado que isso é extremamente difícil”, diz. “Tanto porque, em última análise, esses princípios confrontam as estruturas e dinâmicas da Polícia Militar, e os espaços comunitários de gestão da segurança acabam reproduzindo forças locais e ideias gerais das instituições envolvidas”.

Policiamento
Foto: Carolina Oliveira
Divergências

No dia 7 de agosto, durante a reunião do secretário de segurança pública de São Paulo com a Comissão de Direitos Humanos da USP, membros do Sintusp e do DCE se manifestaram em frente à reitoria contra o novo modelo de segurança. Para eles, permitir a entrada da Polícia Militar significa militarizar a Universidade. A solução, segundo os manifestantes, seria aumentar o contingente da Guarda Universitária, e não da PM.

Para a estudante Martina Flores, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), a presença da PM, desde 2012, não tornou o campus mais seguro. “Se a PM realmente resolvesse alguma coisa, já teria resolvido antes, e não haveria tanta resistência”, diz. A jovem acredita que o diálogo pregado pelo plano de policiamento comunitário não será implementado de fato. “É claro que eles [a reitoria] não estão interessados em construir uma coisa conjunta. O que eles querem é uma polícia autoritária, fascista, para oprimir ainda mais as minorias que já são constantemente oprimidas”, aponta.

O secretário de segurança, por sua vez, afirma que a presença da Polícia Militar no campus não representa nenhum viés ideológico da época da ditadura. “No tempo da ditadura, a polícia entrava [em Universidades] pra coibir livre manifestação de expressão, para prender eventualmente pessoas contrárias ao regime militar, para evitar que as pessoas pudessem se manifestar. Hoje, a polícia vai entrar aqui para realizar a segurança dos alunos, dos funcionários, dos professores e daqueles que transitam no campus”, justifica Moraes.

“Acho que, de certo modo, essa crítica à PM tem seu valor. Porém, a nova proposta do plano Koban parece querer mudar essa postura um tanto quanto repelida pelos estudantes”, afirma uma aluna da Escola de Comunicações e Artes (ECA), que não quis se identificar. A estudante confia na eficácia do novo modelo, por buscar uma maior interação com a comunidade. “Acho que seria válido os estudantes darem uma chance ao plano e apostarem que esse diálogo pode dar certo na prática”, analisa.

Já Alexandre Aragão, aluno da Escola Politécnica, acredita que a implantação do Koban é incompatível com a USP. “O plano Koban aqui soa ridículo”, avalia o estudante, que viveu por mais de dez anos no Japão. “Lá, a polícia não é militarizada, ao contrário daqui. Por mais que se tente adequar ao espectro universitário, isso não deve ocorrer. O policial tem uma educação hierárquica, de maneira que esta irá conflitar com a ampla gama de ideologias na Universidade”. Aragão diz não ser a favor nem contra a PM, mas sim, em prol de um campus mais seguro. “O que o aluno precisa não é nem fora PM, nem uma condição de estado de sítio com toque de recolher, como sugerem ambas as alas radicais fanáticas. O que o aluno precisa é de mais segurança”, diz.

Como funciona nas demais estaduais?

A imprensa anunciou que o modelo implementado na USP deve ser levado futuramente para Unicamp e Unesp. As assessorias, porém, afirmaram que ambas as universidades não foram ainda informadas oficialmente sobre essa possível execução do programa.

Desde dezembro de 2013, a segurança da Unicamp funciona com o programa Campus Tranquilo. Estruturado no tripé prevenção, informação e convívio, o modelo consiste em elaborar e discutir propostas junto à comunidade. Desses encontros, uma das soluções já implementadas é usar o espaço do campus com eventos e atividades físicas noturnas. No aspecto preventivo, as medidas tomadas incluem o aumento dos postos fixos de vigilantes, a melhora na iluminação, nas câmeras e nas podas de árvores, bem como a atualização de profissionais de segurança.

Já na Unesp, cada um dos campus apresenta características de segurança diferenciadas, embora exista um programa geral, que consiste em adquirir e manter equipamentos de monitoramento, além de estabelecer uma boa relação com as polícias das cidades.

Por Carolina Oliveira e Dimítria Coutinho