USP pode ser laboratório de novas estratégias de segurança comunitária

Para Viviane Cubas, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência, além de garantir segurança no campus, universidade tem dever de propor mudanças para sociedade

Em junho deste ano, uma estudante da FEA foi vítima de estupro na Cidade Universitária. Casos como esse não são raros e trazem à tona a questão da segurança na universidade. O Jornal do Campus vem abordando o assunto nas últimas edições.

O JC conversou com Viviane de Oliveira Cubas, socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP). Ela completou a graduação, mestrado e doutorado na FFLCH, atuando em temas ligados à violência, polícia e segurança.    

Junto a outros pesquisadores do NEV, Viviane contribuiu com um Manual de Policiamento Comunitário e um levantamento de políticas de segurança na USP, comparando-as a universidades de outros países.

Viviane Cubas, pesquisadora do Núcleo e Estudos da Violência (Foto: Matheus Pimentel)
Viviane Cubas, pesquisadora do Núcleo e Estudos da Violência (Foto: Matheus Pimentel)

Em que consiste o Koban, modelo proposto para a USP?
O Koban entra porque a PM de São Paulo tem um convênio com a polícia do Japão, então o modelo de policiamento comunitário adotado aqui é o japonês. “Koban” é a casinha fixa onde os mesmos policiais ficarão. O documento divulgado na semana retrasada é uma proposta de diretrizes de um policiamento comunitário ao estilo japonês. Mas diretriz não significa implementar nada, significa orientação.

O que caracteriza o policiamento comunitário? Quais as diferenças para o modelo tradicional?
O modelo tradicional, que é o nosso, é muito mais reativo. Ou seja, o foco é atender ocorrências, depois que o problema já aconteceu, o que é uma medida muito custosa. Significa que houve vítimas e perdas. O policiamento comunitário está mais voltado à prevenção, justamente por ser uma polícia próxima da comunidade, que conhece as pessoas, é fixa, não tem rotatividade. A partir do momento em que os policiais e as pessoas se conhecem, evitam-se abordagens agressivas, que minam a relação da população com a polícia. Esse relacionamento de proximidade constrói um novo tipo de vínculo e cria um ambiente em que se identificam problemas antes que aconteçam as ocorrências. Às vezes tem-se a ideia de que esse policiamento “leve” não é eficiente.

Como funciona o treinamento?
Não é relacionado a um treinamento específico, mas a uma vivência dentro da instituição, a uma filosofia do modo de perceber o seu papel, o papel do outro, e isso vai se refletir lá na ponta. Pode-se perguntar: “como pensar em uma instituição militar como a nossa com o policiamento comunitário?”. É outra questão. Realmente há elementos da própria polícia que impedem que essas práticas de policiamento comunitário sejam realizadas. Existe uma série de problemas na PM que é de nosso conhecimento e que depois se refletirão na rua. O policiamento comunitário exige que o policial tenha uma vivência democrática. Se ele não vive isso dentro da instituição, como se pode esperar que ele reproduza isso na rua, com o cidadão?

Da sua experiência na criação do Manual de Policiamento Comunitário, o que você percebeu sobre a maneira com que ele tem sido implementado no Brasil?
Posso falar de exemplos aqui de São Paulo, onde acompanhamos mais. Não se trata de uma política efetiva de governo, ainda que haja algumas bases em São Paulo. Eles são muito pontuais. O que nós temos visto é que muitos dos projetos bem-sucedidos são interrompidos pela própria polícia. É muito recorrente um policial que se identifica com o trabalho e está mais próximo da comunidade ser transferido por outro que não compartilha das mesmas diretrizes. Nossa polícia ainda não vê com bons olhos a aproximação dos policiais com a comunidade. Às vezes se pensa que o distanciamento é uma forma de manter a integridade, mas não. Quanto mais próximo da população, mais transparência existe.

O que torna a universidade um território diferente do resto da cidade, quanto ao policiamento?
É preciso tomar cuidado, porque, às vezes, quando se fala de policiamento diferente aqui, parece que o tratamento tem de ser diferente do que é dado aos outros cidadãos fora do espaço da universidade. Não é isso. Aqui existem características específicas que exigem estratégias diferentes de policiamento, como em qualquer lugar. Num campus universitário como o nosso, existem equipamentos caríssimos, laboratórios, um patrimônio público que precisa ser preservado. Ao mesmo tempo, há uma circulação muito grande de pessoas, pessoas que são da comunidade e que são de fora. O perfil é de jovens e estudantes, então se imagina que quase todos carregam tablet, notebook, equipamentos que são caros. Outro aspecto mais complicado que também é frequente: o uso de drogas. Nesse sentido é um espaço diferente para a polícia ou as pessoas encarregadas da segurança atuarem.

Eu acho que a USP poderia ser um grande laboratório em tentar desenvolver um novo tipo de policiamento, que poderia começar aqui e depois se espalhar para o resto da cidade.  A universidade não só tem que trazer segurança a seus alunos e criar um ambiente de qualidade, mas também possui a responsabilidade, enquanto instituição, de promover mudanças.

Você foi uma das pesquisadoras envolvidas em um levantamento sobre a segurança em algumas universidades estrangeiras. Quais foram as principais observações? O que a USP tem a aprender?
Nessas universidades se trabalha muito com a questão preventiva, principalmente no Canadá, que é um lugar onde o policiamento comunitário é uma prática bastante antiga e difundida. A segurança pública não é vista como uma coisa de polícia, lá existe uma participação intensa das pessoas. Um aluno que está chegando hoje na universidade tem lá todas as informações – que cuidados ele tem de tomar, o que precisa fazer com relação à moradia estudantil. Eles têm um sistema com uma caneta de tinta invisível, se o objeto for furtado, é possível identificar. Outra medida que é  importante: eles têm um canal de encaminhamento de queixas. Tudo é muito voltado para o usuário. Ao mesmo tempo, fica claro qual é a responsabilidade que cada um tem de tomar em relação à segurança.

Ninguém aqui sabe qual é o número da Guarda Universitária. Se você estiver aqui e presenciar algum caso, para quem você liga? Não se fala, não se divulga, as pessoas também ficam alheias. A divulgação da informação é importante.

Em 2011, a USP e a Secretaria de Segurança Pública firmaram convênio de atuação da PM dentro do campus. Como o policiamento funcionava antes disso e como a PM e a Guarda convivem hoje?
Na verdade, a PM nunca esteve fora daqui, até porque não é um território em que ela não possa entrar. Talvez ela não estivesse oficialmente instalada, mas havia policiais. Os guardas dizem “nós precisamos [da PM], há ocorrências em que eu não tenho autoridade para atuar”. Eles não podem abordar uma pessoa, não são capacitados para atuarem como polícia, nem têm equipamento para tal. É um poder muito restrito. O que eles fazem não é policiamento, é segurança, garantia do patrimônio e da circulação das pessoas. É uma conduta menos agressiva e muito mais de manutenção da ordem do que prevenção e repressão ao crime mesmo. Porém, acho que a atuação mais ostensiva da polícia tem sido maior com esse convênio.

Na sua opinião, o ideal seria a Polícia Militar com a Guarda?
Com todos. É preciso atuar com todos – funcionários, alunos, PM, a Guarda, talvez até com a Polícia Civil. A política de segurança também tem de cumprir as expectativas das pessoas.

Segundo esse convênio, a PM deveria atuar no campus segundo a filosofia do policiamento comunitário. Isso saiu do papel?
Suspeito dizer que não, pelo que vimos. Não percebi nada relacionado ao que falei aqui.

Por Barbara Monfrinato