Agora, o Brasil também é minha terra

Jean Katumba vive como refugiado no Brasil após ser perseguido por seu ativismo no Congo
Jean Katumba fala sobre sua experiência de viver no Brasil como refugiado (Foto: Juliana Fontoura)
Jean Katumba fala sobre sua experiência de viver no Brasil como refugiado (Foto: Juliana Fontoura)

O congolês Jean Katumba vive como refugiado no Brasil há dois anos. A julgar pelo seu português quase perfeito, parece morar no país há muito mais tempo. Jean teve de fugir de sua terra natal, a República Democrática do Congo, após ser vítima de perseguição política. Hoje, já conseguiu organizar sua vida no Brasil, onde mora com a esposa e os filhos – um deles brasileiro – e fundou uma ONG, chamada “África do Coração”, que ajuda outros refugiados. “Agora, o Brasil também é minha terra”, diz.


Jean nasceu e cresceu na capital do Congo, Kinshasa. Formado em engenharia civil, atuava também em uma ONG, com o objetivo de ajudar e instruir jovens abandonados. “Como eu sou da área de construção, eles estavam aprendendo a ser pedreiros, carpinteiros, fazer obra”, explica.

 

Em 2011, durante as eleições à presidência da república, seu ativismo voltou-se para a política. Na época, segundo ele, o presidente que realmente havia vencido a eleição, Étienne Tshisekedi, não foi proclamado eleito. Quem foi anunciado como vencedor foi Joseph Kabila, que já estava há 10 anos no poder. Jean e seus colegas da ONG passaram a contestar o resultado. “Foi aí que a perseguição começou”, lembra.


Após receber ameaças e ter alguns amigos mortos, Jean fugiu para outra cidade, onde, em pouco tempo, viu pessoas pegarem em armas para lutar contra o então presidente. Por ser um ativista conhecido, foi preso de maneira injusta. Quando finalmente foi solto, encontrou acolhimento numa igreja católica. Um dos padres o ajudou a conseguir refúgio no Brasil, depois de tentar, sem sucesso, visto em países de língua francesa – um dos idiomas falados no Congo e um dos onze que Jean domina.


O congolês saiu de sua terra com o equivalente a 200 reais e deixou para trás a família e uma vida estruturada. Foi depois de muita luta e a ajuda de amigos que conseguiu trazer a esposa e os filhos para São Paulo, há dez meses. Os dez irmãos e a mãe, no entanto, seguem vivendo no Congo, e passam por dificuldades. “Eles não têm ninguém para pagar as contas deles.”


Recomeço 

Jean chegou ao Brasil sem conhecer nada sobre o país. “Era como um bebezinho que acabou de nascer, que precisa de ajuda para tudo”, compara. No entanto, por parte do governo brasileiro, essa ajuda nunca veio. Teve de recorrer a instituições independentes, como a Cáritas, instituição humanitária da Igreja Católica que o ajudou com a documentação, e a ONG Missão Paz, que o encaminhou para a Casa do Migrante, onde morou por cinco meses. “A Missão Paz me ajudou muito”, afirma.

 

Para aprender o português, Jean tentou se inscrever em um curso oferecido pelo Cáritas. No entanto, foi informado que a próxima turma só seria formada dali a dois meses. Sem poder esperar, o congolês só viu uma saída: aprender o idioma por conta própria. “Eu fui me forçando, conversando com as pessoas”, conta.


Ele, então, foi atrás de uma maneira de atuar em sua área de formação no novo país. Acabou descobrindo que o processo de revalidação do diploma era muito longo e burocrático, além de ter custos com os quais ele não podia arcar. “Estavam me cobrando algo como R$ 2.300 só para traduzir o diploma, que está em francês”, explica. “Aqui, você tem que limpar chão, pegar seu diploma e jogar no lixo.”

 

Sem conseguir emprego, Jean contou com a ajuda de um amigo haitiano que tinha o capital necessário para abrir um pequeno negócio. Juntos, abriram uma lan house no centro velho de São Paulo.


Mesmo tendo superado os problemas iniciais, outros são enfrentados diariamente, como o racismo e a xenofobia. “A gente fugiu de perseguição moral e física, e aqui está sofrendo outra perseguição”, diz Jean. “A América foi construída com os povos africanos, essa é a base do Brasil. Mas até agora no Brasil existe a discriminação.”

Ele relata que não é raro ouvir pessoas dizendo que os estrangeiros vêm para o país para “roubar o emprego” dos brasileiros. Além disso, acreditam que o refugiado fugiu de seu país de origem porque matou alguém, cometeu algum crime. Para ele, o maior problema é a falta de informação.

A gente tem que divulgar quem é o refugiado. Não é uma pessoa perigosa, que matou uma pessoa. Refugiado é uma pessoa que fugiu porque foi perseguido, fugiu para salvar a vida.”

Jean, no entanto, diz gostar de morar no Brasil e defende a ideia de um cidadão universal. “Eu tenho filho brasileiro também. Ele é da mesma nacionalidade que você”, conta. “Isso só prova que a gente tem que ser cidadão do mundo. Tem várias coisas que nos unem, mas poucas que nos separam.”

Ainda assim, o congolês pode deixar o país no ano que vem. Não para buscar refúgio em outro lugar, mas para voltar para o Congo e continuar lutando por seus ideais e seguir sua vida de ativismo. Ele já enviou os documentos para se lançar como candidato a deputado estadual da província de Kasai, onde seu pai nasceu.

“O governo está falando que não tem dinheiro para fazer a eleição. Mas, se as eleições acontecerem, vou participar.”

Por Juliana Fontoura