Brasil é destino procurado por refugiados

País é latinoamericano que mais dá vistos de asilo, mas refugiados sofrem com burocracia
Refugiados sírios vão à Europa fugindo da guerra em seu país de origem (Foto: Rafaela Carvalho)
Refugiados sírios vão à Europa fugindo da guerra em seu país de origem (Foto: Rafaela Carvalho)

A imagem de um garoto sírio-curdo jazendo morto numa praia da Turquia chocou o mundo há algumas semanas. Aylan Kurdi, de apenas três anos, morreu afogado durante travessia pelo Mar Mediterrâneo, na tentativa de deixar com a família a cidade síria de Kobane, controlada pelo grupo Estado Islâmico (EI). A história de Aylan, contudo, é apenas mais um entre os casos de 19,5 milhões de refugiados que circulam hoje pelo mundo. Fugindo de guerras e perseguições, muitos, como Aylan e a família, nem sequer sobrevivem ao trajeto.

Dentre os que tentam escapar de guerras no Oriente Médio (sobretudo na Síria e no Afeganistão), a Europa é um destino natural. Só neste ano, quase 500 mil refugiados chegaram ao continente, segundo dados da Acnur (Agência da ONU para Refugiados). A princípio, pode parecer aos brasileiros que tais conflitos estão distantes do território nacional. Contudo, residem hoje no Brasil mais de oito mil refugiados, sendo dois mil deles sírios. No ano passado, esse número alçou o país à posição de latinoamericano que mais recebeu solicitações de asilo. São Paulo, por sua vez, é a cidade com maior número de pedidos do tipo (26% do total).

Um dos principais fatores que atrai os refugiados é a facilidade em se conseguir visto no Brasil. Em 2013, o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) implantou uma resolução que facilita a concessão de asilo para cidadãos estrangeiros afetados pela guerra na Síria. Para o pesquisador Alex Vargem, outro ponto importante para que as pessoas decidam se refugiar no Brasil é a existência de comunidades tradicionais. A comunidade sírio-libanesa, por exemplo, é bastante forte no país desde o século passado. “Há grupos que já estavam estabelecidos aqui, e esse é um dos caminhos”, aponta. A maior comunidade de refugiados no Brasil é síria, seguida por angolanos, colombianos, congoleses e libaneses.

Ainda assim, mais de 60% dos vistos de refúgio são rejeitados. “O governo brasileiro alega que muitos dos que apresentam pedido de refúgio não são considerados refugiados, mas imigrantes”, afirma Vargem. É o caso dos 45 mil haitianos que vivem hoje no Brasil: após terem seu país destruído por um terremoto em 2010, quem requisita visto de permanência vindo do Haiti recebe status de residência humanitária, e não de refugiado.

Novas barreiras

Mesmo após superada a etapa de entrada no Brasil, os refugiados ainda sofrem com uma série de obstáculos, como adaptação à língua, burocracia e obtenção de emprego e moradia. Vargem aponta que as ações voltadas a refugiados e imigrantes ainda são muito recentes. “Há uma ausência de politicas públicas. A primeira conferência nacional para se discutir o assunto foi só agora, em 2014”, comenta, citando a Comigrar (1ª Conferência Nacional sobre Migração e Refúgio).

No caso da cidade de São Paulo, a Prefeitura vem organizando algumas iniciativas nesse sentido, como a criação do CRAI (Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes) em agosto do ano passado, além de atendimento com tradutores no Centro de Apoio ao Trabalhador (CAT) da Luz, às quintas-feiras. Os refugiados também podem contar com serviços de saúde e matrícula escolar para as crianças.

Mas apesar de algumas ações governamentais, muito do apoio aos refugiados acaba vindo de organizações independentes, como igrejas ou ONGs. É o caso do Abraço Cultural, que consiste em aulas de idiomas ministradas por refugiados. Por meio das aulas, os estrangeiros têm a oportunidade não só de obter um emprego, como de difundir sua cultura aos alunos. “A gente vê a oportunidade de eles poderem falar sobre seu país, em sala de aula. Você os valoriza e os conecta com o país deles”, conta Luiz Henrique Tecora, coordenador do projeto.

Diante de seu contato com os refugiados, Tecora aponta que o preconceito ainda é muito forte, o que dificulta a integração dos estrangeiros na sociedade brasileira. “Há pessoas com grande formação e larga experiência profissional, mas que não encontram oportunidade principalmente por uma questão de estereótipo”, aponta. “Então, existem os dois lados: o Brasil que é muito aberto e disposto auxiliar essas pessoas, e um Brasil xenófobo, que trata os refugiados como terroristas, traficantes, criminosos, e até coisas mais ingênuas, como dizer que estão vindo aqui para roubar nosso emprego”.

Busca de alternativas

Para Rafaela Carvalho, jornalista que vem trabalhando na cobertura dos refugiados na Hungria, falta aos governos uma política de como integrar de forma efetiva os asilados. “É preciso unir a necessidade do lugar com a capacidade da pessoa”, diz. Ela cita o caso da Europa, continente que sofre com envelhecimento da população. Nesse contexto, a chegada de mão-de-obra jovem poderia ser benéfica. “A Europa tem muito a ganhar com a vinda de refugiados. Mas para isso ela tem de se articular”, afirma. “Por enquanto, o que a gente percebe é que ainda não há um discurso pronto e único. Os refugiados são batata-quente na mão do país onde tem mais”.

Rafaela passou as últimas semanas colhendo depoimentos e histórias de refugiados na estação húngara de Keleti (veja parte de um desses depoimentos na foto ao lado). Atuando de forma free lancer e sem ter ligação com nenhum veículo jornalístico, seu material é postado em redes sociais, como Snapchat e Facebook. A repórter ressalta que, ao contrário do que se pensa, a problemática dos refugiados não é temporária. “Não são questões que são resolvidas em alguns meses ou anos. Às vezes isso leva gerações. Mas essas pessoas nao têm tempo de esperar isso melhorar pra tentar viver uma vida decente”, argumenta.

Ex-aluna da ECA (Escola de Comunicações e Artes), ela critica a forma como a mídia trabalha na cobertura do tema. “A gente gosta muito de números e dados porque isso ilustra a situação, mas não parece que são pessoas, só um amontoado de gente. Você não se sente afetado por aquilo e não desenvolve empatia”, diz.

Por Carolina Oliveira