“Como somos poucos e como somos brancos”

Programa Nascente traz à tona predominância racial e social do público em eventos da USP
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(Foto: Lana Ohtani)

Para a noite de 15 de setembro, estava programada uma cerimônia especial na USP. A cada ano o evento se repete, mas trazendo nomes diferentes. Em 2015 foi a vez da Biblioteca Brasiliana hospedar a premiação do Programa Nascente, o maior concurso artístico da Universidade, que é promovido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU).

A primeira parte da noite reuniu entusiastas da língua portuguesa. O sarau literário, marcado para as 18h, teve início com atraso e certo constrangimento. O auditório da Brasiliana, que comporta mais de 200 pessoas sentadas, estava longe da lotação. Com um jeito caricato e teatral, o apresentador pegou todos de surpresa e encontrou resistência para que os textos começassem a ser apresentados pela plateia, mesmo que algumas pessoas tivessem se inscrito previamente para ler. No entanto, após a primeira declamação, o silêncio indesejado cessou.

Foram quase duas horas de leituras, de dezenas de textos. Em seguida, a organização do evento solicitou que a plateia se retirasse por uns instantes, para a preparação do palco. Afinal, estava por vir a apresentação dos finalistas de Música Popular e o anúncio dos vencedores de todo o concurso.

Pouco tempo depois, com a entrada liberada, cada vez mais pessoas começaram a chegar. O auditório lotou, e muitos acompanharam o evento de pé, em cenário contrastante com o do sarau. A apresentadora, bem-humorada, logo conquistou a atenção do público, ao dar um ar descontraído à cerimônia.

A organização intercalou as apresentações de música com a entrega dos prêmios, o que, segundo Abílio Tavares, assessor para projetos especiais da PRCEU, é uma maneira de tornar o evento mais interessante. “As pessoas vão assistir aos candidatos se apresentando e isso cria uma atualização e um interesse para além do público restrito. Ele também vai assistir a uma boa apresentação de música popular“, disse ele. Esse formato é adotado há dois anos.

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(Foto: Lana Ohtani)

O primeiro som da noite ficou por conta de Guilherme Kafé, que cantou uma composição própria, “Cafuné”. Antes da apresentação, enquanto afinava o violão, ele abriu o sorriso e comentou: “Tem um professor meu aqui na primeira fila, surpreso em me ver. Sou eu mesmo! É que ano passado eu fui um dos finalistas em pintura”. Também com uma música própria, mas sem subir ao palco, Luiza Romão concorreu com “Ácido etanoico ou do zelo ao azedo”, na voz de sua parceira Gabriela Bonillo.

Em seguida, vieram as finalistas que interpretaram músicas já conhecidas. Larissa da Costa Batista cantou “Maria do Socorro”, composição de Eduardo Krieger, famosa na voz de Maria Rita. Já Giulia Faria interpretou “Meu guri”, de Chico Buarque. Ao assumir o microfone, Giulia, que mais tarde se sagrou a vencedora em Música Popular, deu o recado: “não vamos falar não, né? Vamos cantar”.

Eduardo Hiroshi, quinto e último finalista, concorreu como intérprete instrumental com seu violão. Com improviso no início, ele tocou o choro “Lamentos do morro”, composto por Garoto.

Poucos e brancos

Durante o sarau literário, um dos participantes pediu a fala e registrou: “antes eu gostaria de dizer: como somos poucos, e como somos brancos”. Ele afirmou que enquanto a USP não resolver a questão racial, eventos como esse continuarão a reunir o mesmo estrato da sociedade.

Em certa altura da premiação, a mestra de cerimônia, Lucélia Sérgio, fez uma intervenção semelhante. “Eu tenho um sonho de que um dia mais negros possam estar nesse espaço”, disse ela, referindo-se ao famoso discurso de Martin Luther King, ativista norte-americano dos direitos civis dos negros na década de 60. Lucélia desceu do palco e perguntou: “quem quer dividir um sonho comigo?”. Ela transitou pela plateia carregando uma bandeja de sonhos. Quem compartilhasse um anseio pessoal ganharia um doce.

Temas como a inclusão de minorias em espaços privilegiados – tais quais o Programa Nascente e a Universidade – e a democratização da arte foram recorrentes nas falas do público. O direito de negros, pobres e do público LGBTT frequentarem e serem respeitados nesses lugares deu o tom desse momento.

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(Foto: Leonardo Dáglio)
23a edição

O concurso é a joia da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, que aposta suas fichas no Nascente com o maior fomento às pretensões artísticas de seu corpo discente. São sete áreas no Programa: Artes Cênicas, Artes Visuais, Audiovisual, Design, Texto, Músicas Popular e Erudita. O prêmio para o vencedor de cada uma delas é de R$ 4 mil. Neste ano, foram 470 trabalhos inscritos.

O Nascente surgiu do intuito de premiar a produção artística da USP, como contraponto aos altos investimentos em pesquisas científicas. A sua primeira edição data de 1990. “Nós temos ótimos artistas que não necessariamente estão cursando graduação na área em que se inscrevem e isso também é uma parte bacana do concurso. Um geógrafo pode ganhar em Texto, um cientista social pode ganhar Design, essas coisas já aconteceram”, declarou Rodrigo Monteiro, supervisor de eventos da PRCEU.

Para Lucas Vieira, que recebeu menção honrosa em Música Erudita, o interesse dos estudantes em participar do Nascente vem crescendo. “Pelo que eu tenho visto nessas últimas duas edições, o nível é cada vez mais alto”, disse ele.

Em boa parte dos casos, o prêmio é dado a mais de um trabalho e o valor é dividido entre os vencedores. Foi o que ocorreu na disputa de Música Erudita, em que Milena Lopes (com a peça para piano “Danças argentinas”, de Alberto Ginastera) e Camila Rabelo (que cantou “Ei parte… per pietá”, de Mozart). A apresentação aconteceu na manhã do dia 14, véspera da premiação, e contou com um número escasso de espectadores – algo em torno de 20 pessoas. Apesar da alta qualidade das obras, a falta de público demonstra o distanciamento entre a maioria da população e esse estilo musical, o que reforça a exclusão social em espaços onde se faz arte.

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(Foto: Leonardo Dáglio)

Alguns dos vencedores mencionaram o valor do prêmio como estímulo para a carreira. Júlia Contreiras, campeã em Design, inscreveu o livro ilustrado que produziu para o TCC e disse que o prêmio é uma excelente forma de terminar a graduação. Milena Lopes, que antes cursava Direito e escolheu se dedicar ao piano desde 2014, comentou que ter vencido é um sinal de que a mudança de carreira foi acertada.

Após o término de uma edição do Nascente, muitos dos vencedores são chamados para mostrarem mais uma vez seu trabalho na Universidade, inclusive nos campi do interior. “É o que a gente vem chamando de Circuito Nascente. Essa relação dos premiados é divulgada para todas as unidades e, de forma voluntária, elas convidam um ou outro aluno para expor seus trabalhos de artes visuais, para fazer uma apresentação musical e por aí vai”, conta Juliana Maria Costa, chefe da Divisão de Ação Cultural da PRCEU.

Os trabalhos finalistas de Artes Visuais, Design e Audiovisual ficarão expostos no Centro Universitário Maria Antonia, em Higienópolis, até o dia 18 de outubro.

Por Lana Ohtani e Matheus Pimentel