Grupo promove diálogo em penitenciárias

Iniciativa fundada na Faculdade de Direito promove interação de alunos com detentos

Igualdade. Acolhimento. Diálogo. Esses são alguns dos princípios com os quais trabalha o GDUCC — Grupo de Diálogo Universidade-Cárcere-Comunidade, associação fundada na Faculdade de Direito da USP que tenta estabelecer uma relação de confiança com presos.

Por meio de visitas a prisões, o grupo não tenta ensinar nada aos detentos, tampouco praticar ações de ressocialização. A ideia é apenas dialogar francamente com aqueles que são isolados da sociedade, permitindo que se reconheçam como cidadãos — promovendo também aos integrantes do GDUCC um sentimento humanizado em relação ao cárcere.

O grupo, que foi fundado em 2006 pelo professor da Faculdade de Direito da USP Alvino Augusto de Sá, hoje é composto por mais de dez coordenadores e recebe alunos de diversas faculdades a cada semestre. Até mesmo não universitários e ex-detentos já participaram.

“A gente não visita o cárcere para ensinar nada. Tentamos acabar com essa hierarquia. Vamos numa situação de igual para igual. Um diálogo autêntico e sincero”, conta Thalita Tozi, ex-participante e hoje coordenadora do grupo.

A partir do diálogo franco e sem um objetivo definido, ótimos resultados costumam surgir da relação entre preso e visitantes. A ideia é estabelecer relacionamentos pessoais, de onde muitas coisas podem frutificar. “A gente não tem controle do que vai acontecer a partir desse diálogo”, explica Thalita. “No fundo, é uma janela que a gente cria”.

Bom exemplo é um velho detento não identificado que resistia fortemente ao grupo no início dos encontros. Fechado, mantinha o discurso de que alguns jovens não mudariam nada, que era pura perda de tempo. Após as reuniões, conversas e verdadeiros diálogos, no entanto, o preso mudou de ideia.

Espontaneamente, fez um discurso no último encontro do GDUCC, dizendo “Uma andorinha não faz verão, mas acho que vocês farão”.

Sensibilização do direito

Além da importância para os detentos, o GDUCC também é benéfico aos participantes externos. A sensibilização dos visitantes em relação aos presos é de extrema importância para aqueles que pode trabalhar com o sistema prisional no futuro. É o caso dos alunos da Faculdade de Direito e também dos integrantes do grupo oriundos do Instituto de Psicologia.

“Aquelas pessoas que estão fazendo a Faculdade de Direito podem vir a mexer com sistema prisional. Podem ser juízes, promotores. Essa sensibilização de quem você está mandando para a prisão e para onde está mandando [é muito importante]”, opina Thalita Tozi.

Para ela, é fundamental que os profissionais do direito não se sintam superiores na hora de sentenciar alguém. “Se reconhecer como iguais. Acabar com essa ideia de que é um criminoso, um monstro que tem de ficar preso para sempre. Você reconhece aquela pessoa com milhões de coisas que parecem com você”, conta a coordenadora. “Mesmo a própria pessoa [o detento], se reconhecer como um igual a quem está fora”, finaliza.

Edital é aberto no início do semestre

Após alguns encontros na Faculdade de Direito com todos os inscritos para participar do GDUCC no semestre, são selecionados aqueles que irão visitar as penitenciárias. Como há mais interesse do que vagas, os coordenadores procuram excluir aqueles que querem ensinar, pesquisar ou apenas solucionar uma curiosidade em relação aos presos.

De todos os inscritos, são escolhidos 20 participantes por turma, que podem ser uspianos, de outras faculdades ou mesmo não universitários. Além de um certificado que é conferido aos integrantes, os alunos da Faculade de Direito ganham créditos como atividade de extensão.

Os encontros vão de seis a oito por semestre, realizados em penitenciárias que variam de acordo com a disponibilidade das instituições. O grupo completo do GDUCC só é formado, de verdade, quando se juntam os 40 integrantes: 20 externos e 20 detentos.

Além de relatórios, os externos entregam um trabalho final em qualquer formato: música, texto, desenho, entre outros. Aos detentos nada é cobrado, mas eventualmente alguns produzem trabalhos por espontânea vontade.

Aos interessados, o GDUCC abre um edital em todo começo de semestre, disponível para que qualquer um participe. A concorrência, no entanto, promete ser grande, uma vez que o grupo vem se expandindo, tendo inclusive viajado para ser parte de congressos e encontros, inspirando a criação de projetos parecidos em muitos outros estados do Brasil.

O reconhecimento do projeto pela USP, no entanto, não é grande. Segundo Thalita, a Faculdade de Direito ajuda com a verba para o transporte até as penitenciárias, mas não apoia financeiramente as viagens com finalidade de divulgação do projeto.

Arte: Arthur Aleixo
Arte: Arthur Aleixo

Por Matheus Sacramento

Não encarcerar o máximo, mas o mínimo

Mesmo antes de ingressar na faculdade de direito, já possuía uma especial paixão pelo direito penal. Mas não pela dogmática criminal, e sim aquela ânsia em fazer justiça; eu buscava um meio de obter poderes suficientes para colocar os criminosos na cadeia pelo máximo de tempo possível.

O que me fez buscar a faculdade de direito para seguir na área de direito penal, com foco principal na carreira de juíza criminal, foi o assassinato do meu pai.

Minha mãe engravidou de mim com quinze anos; me deu a luz com dezesseis. Com seus dezoito anos, e uma filha de dois, perdeu seu marido. Sem rumo, sem condições de sustentar uma casa, voltou para a casa dos meus avós.

Encontrei o GDUCC. Dentre as várias extensões possíveis de se participar na São Francisco, eu vi que essa era a que eu precisava no momento.

E então, a visão: o cárcere. Muito difícil colocar em palavras o que senti nessa visita. Acho que o principal foi a angústia. Misturada com ela, um sentimento de não saber como agir ou lidar com os encarcerados. Eu queria tentar mostrar que aquilo não era uma espécie de visita ao zoológico, mas que estávamos lá para conversar com eles em pé de igualdade.

Consegui ter em mente o quanto o cárcere fazia com uma pessoa – a perda da liberdade, da personalidade; não entendendo isso de modo superficial, porém compreendendo todos os fatores que levam a essa mortificação do eu.

Conseguíamos discutir temas que, de certa forma, todos haviam vivenciado, mesmo que em situações diferentes. Aprendemos que não era objetivo do GDUCC transformar a realidade prisional, mas tão somente construir o diálogo.

Hoje vejo que muito mudou dentro de mim por causa do que vivenciei no GDUCC, difícil até mesmo de explicar a profundidade dessas mudanças. Acredito ter feito amigos de verdade lá dentro, como o alemão e o Rodrigo. Mas acredito também ter me sentido muito mais impotente. Não consigo enxergar meios de mudar o que acreditamos estar errado. É um jogo de influências e de política muito sujo que permeia o direito penal. Mas não acredito ser motivo para desistir. Meu sonho de ser juíza criminal continua de pé, mas com outro foco.

Não mais encarcerar o máximo possível, mas o mínimo. Tentar, mesmo que em uma pequena dimensão, amenizar os efeitos perversos do nosso sistema penal. Precisamos começar, mesmo que com atitudes aparentemente pequenas.

Depoimento de Daniele Naves, ex-participante do GDUCC