Pesquisas afetadas por corte de verbas

Apesar de criados com a intenção de conseguir auxílio externo, alguns Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) foram prejudicados pelo congelamento de gastos da Universidade

 

Criados com a intenção de integrar pesquisadores de várias áreas para formar grupos interdisciplinares e reorganizar a pesquisa na Universidade, os Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) têm enfrentado dificuldades e interrompido projetos sem condições financeiras para continuar.

Desde sua criação, era previsto que os NAPs contassem com uma verba da Pró-reitoria de Pesquisa (PRP) que visasse à implementação dos núcleos, mas de forma que tal recurso não seria sua única fonte de vida. Esperava-se que os NAPs conseguissem apoios externos, viabilizando uma existência independente após o período de estruturação.

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“Nossos projetos vêm funcionando basicamente por causa de pessoas voluntárias, mas não sei até quando” – Mário Eduardo Viaro, coordenador do Nehilp (Foto: Isabela Augusto)

Os núcleos, no entanto, tiveram suas verbas cortadas antes do término do período de implementação, prejudicando a estruturação completa do NAP e trazendo consequências negativas. Em algumas situações, os núcleos não conseguem apoio externo suficiente para que suas pesquisas sejam cumpridas e correm risco, inclusive, de interrupção.

É o caso do Nehilp (Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa), coordenado pelo professor Mário Eduardo Viaro. Suas pesquisas, pioneiras no âmbito da Língua Portuguesa, estão sufocadas pelo corte, uma vez que o núcleo não tem auxílio externo.

“Nossos projetos vêm funcionando basicamente por causa de pessoas voluntárias, mas não sei até quando”, diz o coordenador. “Na verdade a gente tinha uma promessa com o Rodas [reitor da última gestão] de receber R$ 300 mil por ano, durante três anos. No primeiro ano, de fato, a gente recebeu. Mas assim que o reitor [Zago] assumiu ele começou a cortar. Inicialmente, ficamos com 10% só”, lamenta.

Para o professor Aldo Luiz Bizzocchi, integrante do Nehilp, o congelamento prematuro das verbas atrapalhou a busca de fontes de fomento externas à universidade. “A gente precisaria primeiro ter o programa pronto, ter alguma coisa para mostrar que os possíveis parceiros possam se interessar pelo projeto. Nós, durante esse tempo, priorizamos a confecção do programa, a implantação de todo o sistema”, diz.

Em contato com o JC, o Pró-Reitor de Pesquisa da USP José Eduardo Krieger explicou o congelamento das verbas. Segundo ele, as decisões foram motivadas pela crise financeira que a universidade enfrenta. Krieger reiterou que essas não foram atitudes baixadas autoritariamente pelo reitor, mas sim assuntos discutidos no Conselho Universitário, órgão máximo da USP.

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(Arte: Paula Lepinski)
Verbas: sem previsão

Quanto à liberação das verbas que foram contingenciadas dos NAPs, o Pró-Reitor declarou que não há previsão de retornar aos núcleos.

Sem o recurso prometido e com o planejamento prejudicado, alguns NAPs não conseguem terminar seus laboratórios. Um coordenador de núcleo, que preferiu não se identificar, revelou que equipamentos conseguidos por meio de apoio externo seguem encaixotados e sem utilização, porque faltou a verba para terminar a estrutura física do laboratório de pesquisa.

Além disso, os cortes prejudicam a carreira dos pesquisadores mais jovens, que não têm currículo suficiente para concorrer a bolsas nas agências de fomento e que viam nos núcleos uma oportunidade. Com a verba congelada, seus projetos ficam muitas vezes interrompidos.

O Pró-Reitor José Eduardo Krieger afirmou que entende o impacto do corte no planejamento, mas disse que acredita na capacidade dos docentes da USP em conseguir financiamentos externos para seguir seus projetos, mesmo com o contingenciamento. Para ele, a universidade possui os melhores pesquisadores do Brasil e tem grande potencial para atrair recursos, sendo muito competitiva na disputa por apoio das agências de fomento.

Docentes reclamam, Krieger responde

A falta de transparência é outra reclamação de alguns coordenadores de NAPs. Segundo uma fonte que preferiu não se identificar, a Pró-reitoria não está disposta a reunir-se com professores ou recebê-los para explicar os cortes ou pensar soluções. Mais de um coordenador denunciou uma pressão da administração contra os professores que contestam as ações do órgão.

Para Krieger, as reclamações vão de encontro ao novo modelo de administração da USP. Em outras gestões, o acesso ao alto escalão da reitoria era mais amplo. Agora, no entanto, recomenda-se que cada docente procure representantes mais próximos, como presidentes de congregações das unidades e assessores da Pró-reitoria. É mais simples que algumas pessoas tenham contato com o alto escalão do que “todos os docentes da USP tenham o número do meu celular”, disse.

Alguns NAPs sobrevivem sem reclamação

Não são todos os Núcleos de Apoio à Pesquisa, porém, que se vêem em situação desesperadora. No Núcleo de Estudos da Violência (NEV), por exemplo, a situação é tranquila. “Não tivemos dificuldades até o momento”, diz o coordenador Sérgio Adorno. O núcleo é, inclusive, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), que recebe apoio da Fapesp.

Em outro caso, apesar de admitir dificuldades financeiras, a coordenadora do Neci (Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais), Janina Onuki, lembra que “desde o início, a lógica dos NAPs era obter financiamento inicial para estruturação de centros de pesquisa para, então, buscar recursos em agências de fomento ou em outros editais externos.Temos combinado os recursos que ainda são disponibilizados pela Pró-Reitoria de Pesquisa com financiamentos obtidos na FAPESP e CNPq”.

Outra forma encontrada pelos NAPs para se manter é utilizar o próprio recurso dos professores, como conta o coordenador Bruno Padovano, do Nutau (Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo).

“A grande maioria de nossa pesquisa está viabilizada com recursos próprios dos pesquisadores. Algumas pesquisas aplicadas, na base de uma ou duas por ano, têm gerado recursos para pesquisadores ligados ao núcleo e tem permitido a compra de equipamentos e material. Isto ocorre quando a pesquisa aplicada em planos e projetos é realizada pelas fundações dirigidas por professores da universidade”, diz.

O Nutau também conta com parcerias para realizar suas atividades. “Temos também conseguido parcerias com empresas privadas que tem patrocinado nossos seminários internacionais”, completa o coordenador.

Por Matheus Sacramento