Mãos à horta

Diferentes finalidades marcam cultivos na USP
Pimentões produzidos na horta do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) (foto: Barbara Monfrinato)
Pimentões produzidos na horta do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) (foto: Barbara Monfrinato)

Ao ouvir pássaros sobrevoando o Cepe, seu Marcos saca o celular: 17h43. “Eles estão atrasados. Passam sempre às 17h30”, conta, com o conhecimento de quem passa quase todos os dias ali, cultivando uma horta. O espaço é um retângulo de aproximadamente 800 metros de comprimento, quase escondido entre as quadras de tênis e o córrego Pirajuçara.

Marcos é eletricista no Cepe há 25 anos e se dedica, além do expediente, aos diversos vegetais da horta: alface, espinafre, tomate, rúcula, salsinha, que são fertilizados naturalmente e depois aproveitados por funcionários. Tudo é custeado de seu próprio bolso.

Segundo ele, a horta existe há dez anos e era mantida por outro funcionário, mas acabou abandonada. Há um ano, Marcos passou a cuidar e tomou gosto: “Isso aqui é um mundo particular, é gratificante. Você não pensa nada de ruim”.

 “Isso aqui é meu mundo”, diz seu Marcos, que cuida da horta do Cepe fora do expediente (foto: Barbara Monfrinato)
“Isso aqui é meu mundo”, diz seu Marcos, que cuida da horta do Cepe fora do expediente (foto: Barbara Monfrinato)

 

Crusp

Raul, o livreiro do Crusp, chegou à USP em 1987 e lembra de intervenções que fazia no campus, jogando “bombas de semente” na Praça do Relógio, ou plantando mudas em calçadas da cidade. “A gente era considerado terrorista. Hoje tem um movimento interessante, com mais gente preocupada com o espaço urbano”, observa.

Foi ele, na época, um dos criadores da horta que existe até hoje ao lado do Bloco F. Em 2011, a Horta Agroecológica do Crusp se tornou um projeto do Programa Aprender com Cultura e Extensão, mantido por alunos bolsistas, com apoio da Superintendência de Assistência Social (SAS). O projeto recentemente sofreu corte de bolsas: no último ano, o número foi reduzido de oito para dois.

Horta Agroecológica do Crusp, ao lado do bloco F (foto: Barbara Monfrinato)
Horta Agroecológica do Crusp, ao lado do bloco F (foto: Barbara Monfrinato)

A localização da horta traz alguns problemas: solo pouco fértil, presença de ratos e sombra de árvores, além do acúmulo de lixo e objetos que caem das janelas dos apartamentos. Segundo Níkolas Rodrigues, estudante da FAU e atual bolsista, a horta está trancada para organizar os canteiros e as mudas, assim, crescerem; alguns voluntários têm oferecido ajuda. A previsão é que reabra dentro de um ou dois meses.

O projeto é coordenado pelo Superintendente da SAS, Waldyr Antonio Jorge, e duas assistentes sociais. Níkolas conta que a articulação não é tão forte entre os coordenadores, os bolsistas antigos e os novos, o que compromete a continuidade dos trabalhos. Segundo ele, o sucesso da horta poderia suprir uma carência sentida pelos moradores, especialmente em períodos de greve, quando o bandejão não funciona.

Medicina e Saúde Pública
Horta da Faculdade de Medicina da USP (foto: Dimitria Coutinho)
Horta da Faculdade de Medicina da USP (foto: Dimitria Coutinho)

A horta da Faculdade de Saúde Pública (FSP) também apresenta problemas, como o pouco engajamento da comunidade e sua regularização nas dependências do jardim da Faculdade, que é tombado. Iniciada no ano passado, o projeto de extensão conta com alunas de graduação e pós-graduação, orientadas pelas professoras Cláudia Bógus e Helena Watanabe. O objetivo é didático, enfatizando que é possível produzir hortas urbanas.

Também recente, a horta da Faculdade de Medicina (FMUSP) foi criada em 2013 com o objetivo de ser um local de convivência, introduzindo conceitos de sustentabilidade, alimentação saudável e contato com a natureza. Mantida pela professora Thaís Mauad e mais alguns voluntários, a horta é organizada em vasos sobre um terraço cimentado de aproximadamente 300m². Assim como na FSP, a colheita é aberta a todos.

Educação ambiental
Crianças aprendem Ciências plantando, na Escola de Aplicação da USP (foto: Barbara Monfrinato)
Crianças aprendem Ciências plantando, na Escola de Aplicação da USP (foto: Barbara Monfrinato)

A horta da Escola de Aplicação funciona há mais de 25 anos como o laboratório de Ciências de alunos do Fundamental I, sob supervisão do professor Leonides da Silva. Plantando e colhendo, as crianças aprendem conteúdos didáticos, como a fotossíntese, e percebem a importância da produção de alimentos livres de agrotóxicos.

O espaço com 15 canteiros tem ainda uma composteira, minhocário, herbário e estufa para produção de mudas. As próprias crianças decidem o destino dos alimentos produzidos, que podem ir para a casa de cada um dos pequenos, para venda ou para o chamado “saladão”, realizado na escola.

Novas iniciativas
Agricultura urbana na USP: horta no Instituto de Energia e Ambiente (IEE), onde voluntários cultivam cerca de 40 espécies de plantas (foto: Barbara Monfrinato)
Agricultura urbana na USP: horta no Instituto de Energia e Ambiente (IEE), onde voluntários cultivam cerca de 40 espécies de plantas (foto: Barbara Monfrinato)

Existe na USP uma Rede de Agroecologia, que envolve projetos de hortas e composteiras de alunos de algumas unidades, como o Instituto de Energia e Ambiente (IEE), o Instituto Oceanográfico (IO) e o Instituto de Biociências (IB).

No IEE, a ideia é que a horta se transforme num espaço de extensão, pesquisa e ações interdisciplinares. Com cerca de 40 espécies vegetais, foi retomada em 2013 por alunos da pós-graduação. O projeto Criando Terra, responsável pela horta e pela composteira, foi contemplado pelo edital “Sustentabilidade no Campus”, da Superintendência de Gestão Ambiental.

Segundo Henrique Kefalás, oceanógrafo e mestrando do IEE, a verba do edital ainda está para ser repassada ao grupo. Ele pretende montar uma agenda de atividades para 2016 e firmar parcerias com outros institutos. O desafio está sendo conquistar o engajamento de professores e alunos. “A USP ainda está muito atrás na agricultura urbana. Aqui a maior dificuldade é vencer o discurso e ir para a prática”, observa.

A horta no IO fica no Bloco Didático e é mantida por alunos da graduação há dois anos. Apesar de não receber muita luz solar ou muitos voluntários, possui espécies variadas e duas composteiras.

Recentemente, funcionários do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional (Fofito) fizeram sua primeira colheita na horta da unidade, que existe há três meses: escarola, almeirão, alface e coentro orgânicos. As mudas foram fornecidas pela FMUSP e plantadas num espaço pequeno, próximo ao estacionamento. Segundo Alexandra Carneiro, funcionária responsável pela horta, a intenção é expandir o cultivo e divulgar para maior participação dos alunos.

No Instituto de Psicologia (IP), alunos já montaram uma horta vertical na parede da biblioteca e agora estão preparando o solo para uma criar uma horta comunitária. “A Psicologia tem um movimento dos alunos de apropriação do espaço, e esse é um jeito bem gostoso e diferente de fazer”, comenta Tito Oliveira, estudante do segundo ano, envolvido na iniciativa. O projeto é independente e busca arrecadar dinheiro para os materiais. Os alunos estão recebendo doações de peças para realizar um brechó, no dia 23 de outubro, às 12h, no IP.

Horta vertical na parede da biblioteca, no Instituto de Psicologia (foto: Leonardo Milano)
Horta vertical na parede da biblioteca, no Instituto de Psicologia (foto: Leonardo Milano)

Além dessas experiências, algumas iniciativas agroecológicas de Economia Solidária são apoiadas pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), que já auxiliou projetos externos como o ComerAtivaMente, ligado à revenda de produtos orgânicos, e a criação de uma horta no Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutrição Sustentável do Butantã.

 

Por Barbara Monfrinato e Dimítria Coutinho