Quando a ciência abre a Universidade

Virada Científica convida público externo para conhecer a USP e sua produção científica
Enquanto palestras sobre o espaço urbano registram pouco público...
Enquanto palestras sobre o espaço urbano registram pouco público…
...famílias participam de atividades interativas
…famílias participam de atividades interativas

Qual problema a ciência pode ajudar a resolver? Repetida em diferentes cantos da Universidade, tal pergunta serviu para que a USP abrisse seus campi para receber o público da 2ª edição da Virada Científica, realizada no último fim de semana (dias 17 e 18). Com uma programação quase três vezes maior que a do ano passado, o evento contou com mais de 300 atividades, envolvendo simultaneamente diversas faculdades e institutos da USP. Palestras, oficinas, apresentações, filmes, jogos e visitas guiadas, serviram para que o público pudesse ter contato próximo com o conhecimento científico e com a própria Universidade.

Ao invés de levar para fora dos muros da Universidade o que é produzido dentro dela, a Virada Científica, promovida pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação, buscou o relacionamento com a comunidade pelo caminho inverso, ao convidar o público a vir até a USP. “Primeiramente se abre espaço para as pessoas conhecerem o local, um pouco da estrutura, para depois se aprofundar e conhecer um laboratório, por exemplo. É uma divulgação da Universidade como um todo, além dos aspectos da ciência”, explica Eduardo Colli, coordenador geral do evento.

Recebendo o público

Para envolver todas as unidades interessadas no projeto, a PRCEU começou a organização do evento com maior antecedência, o que possibilitou uma adesão muito maior das unidades do que no ano passado. Isso ocorreu principalmente com as atividades de ciências humanas, que tiveram participação pouco expressiva na primeira edição. “Ano passado foi um projeto piloto. O que nós queremos agora é gerar tradição, para que as pessoas de fora venham e as de dentro se sintam mais motivadas a participar”, explica Colli. Além disso, a programação foi ampliada do campus Butantã para outros espaços pertencentes ou vinculados à Universidade, como a USP leste, o Centro Universitário Maria Antônia ou o Instituto Butantã, além da participação dos campi do interior do estado, situados em Bauru, São Carlos, Pirassununga, Lorena, Piracicaba e Ribeirão Preto.

Na Cidade Universitária, os visitantes tiveram livre acesso ao campus durante todo o período do evento, diferente do que acontece normalmente aos fins de semana, quando a entrada de veículos e pedestres é restrita à comunidade USP após às 14h. Segundo o coordenador, foi negociado um reforço das linhas de ônibus circulares que saem do metrô Butantã. Além disso, os ônibus do Giro Cultural circularam pelo campus com a monitoria de alunos, responsáveis por orientar o público sobre a localização das atividades.

Ainda para auxiliar os visitantes, a programação no site do evento contava com um mapa interativo da Cidade Universitária, indicando as unidades participantes dentro do campus, além do tipo de atividade e horários em que seriam oferecidas. Também foi disponibilizado um aplicativo criado pelo Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Escola Politécnica: “Um dos recursos que é a grande vantagem [do aplicativo] em relação à versão web, é a sincronização da programação, para acesso offline posterior. Assim o usuário conta com a programação sem a necessidade de uma rede de dados”, explica Erich Lotto, desenvolvedor do recurso.

A estrutura do evento contou também com food trucks, concentrados na Praça do Relógio, que atuou como ponto de referência por ser palco da realização de atividades centrais. O local tinha sua temática voltada ao uso do espaço urbano, contando com palestras relacionadas ao tema, oficina de circo, pista de skate e apresentação de baterias universitárias. Segundo Colli, a ideia era envolver os alunos nas atividades da “Vila da Virada”, e as baterias das atléticas representam bem o uso do espaço urbano da Cidade Universitária. Para os alunos, iniciativas desse tipo são vistas como uma forma de incentivo: “É legal incluírem as baterias universitárias no evento, já que até hoje não temos muita visibilidade na universidade, o que se vê pelo fato de não termos espaços adequados no campus para ensaiar”, explica Ana Luiza Vaz, mestre da bateria do Instituto de Relações Internacionais, que se apresentou no evento.

Contudo, tanto a apresentação das baterias como as demais palestras organizadas no palco tiveram baixa média de público. Durante a palestra da arquiteta Meli Malatesta, por exemplo, menos de cinco participantes acompanharam a discussão sobre mobilidade não motorizada. O fato do público não estar familiarizado com o ambiente da Cidade Universitária somado à descentralização do evento, que possuía atividades em unidades razoavelmente distantes umas das outras, foram fatores que contribuíram para esse esvaziamento da Praça, na opinião da estudante Renata Costa da Silva, expositora do painel sobre doenças tropicais.

A organização concordou que a grande oferta de atividades espalhadas pelo campus dispersou os visitantes, porém considerou a questão como incompatibilidade de público. Embora uma das preocupações dos organizadores fosse não delimitar modelos de visitantes, grande parte das palestras do Palco Ciencidade era destinada a adultos, enquanto a maior presença no local era de famílias, que acabaram buscando atividades mais interativas como a oficina de circo.

Oportunidade

Mesmo que grande parte das atividades tenha sido desenvolvida por professores, a ideia, segundo o comitê organizador, era que o evento fosse uma oportunidade também para alunos e funcionários. Uma dessas propostas desenvolvidas pelos estudantes foi a adaptação do espetáculo “Química das Sensações” para o público bastante heterogêneo que participou da Virada. Normalmente apresentado para alunos do ensino médio, o show é feito pelo “Química em Ação”, grupo de teatro formado há 30 anos por alunos do Instituto de Química (IQ).

A Virada estava aberta para receber tanto exposições de trabalhos já consolidados quanto novas propostas, como foi o caso da atividade “Metereologista por um dia” oferecida no Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG). Segundo Lucas Paiva, aluno de mestrado e um dos organizadores da atividade, a ideia partiu de um grupo de pessoas que se interessava pelo tema e decidiu oferecer uma visão interativa do assunto: “A gente busca passar o quanto a meteorologia é um trabalho mais extenso do que uma simples apresentação da previsão do tempo. A ideia é que ao passar pela experiência, a pessoa perceba que não é tão fácil como parece e que existe todo um trabalho por trás disso”, explica. A iniciativa faz parte de uma rota de 1h30 idealizada especialmente para a Virada, chamada de Circuito Ciência da Terra e do Universo, na qual os participantes puderam ter contato com as diferentes áreas e linhas de pesquisa desenvolvidas no IAG.

Na Astronomia, paineis explicavam o surgimento das galáxias e suas formas de extinção, o processo de observação astronômica do Instituto era detalhado e trabalhos dos alunos tiveram seu espaço. Um deles foi a iniciativa promovida por estudantes da graduação para economia de luz elétrica. Natalia Crepaldi, do projeto Luz em Foco, contou como conseguiram a economia de cerca de 30% da energia utilizada para a iluminação do Instituto. Somente a instalação de bandas metálicas refletoras no entorno dos postes foi responsável pela considerável melhora no aproveitamento, evitando o desperdício.

Recepção

O laboratório de paleomagnetismo, parada seguinte, foi o que mais chamou a atenção da família de Armando Santil, que percorreu todo o trajeto proposto. Na companhia de seus dois filhos, Henrique, 11, e Eduardo, 8, o analista de projetos disse ter gostado de conhecer os bastidores das atividades de pesquisa lá desenvolvidas, desde a grande reforma conseguida mediante o financiamento feito pela Petrobrás, até os equipamentos utilizados nas medições e estudos do campo magnético terrestre. Eduardo aproveitou para destacar também a atividade que propunha que os visitantes tivessem a experiência de vivenciar um terremoto, explicando com propriedade o funcionamento de um sismógrafo, equipamento utilizado nas medições de atividades sísmicas.

Conhecendo as instalações

A Virada Científica foi espaço também para que o público tivesse contato com a estrutura dos projetos desenvolvidos na Universidade. A sala que contém o acelerador de elétrons pôde ser acessada sob monitoria de Alexandre Malafronte, funcionário do IF, responsável por explicar o funcionamento do projeto. Para o pesquisador, atividades de extensão deveriam ter destaque ainda maior no calendário de programações da Universidade. “A gente tem que levar para a sociedade o que fazemos nos laboratórios por ela mantidos. A população tem que saber onde está colocando seu dinheiro”. Malaforte defende que as atividades podem propiciar o interesse pelo conhecimento científico, eventualmente restrito demais aos muros da academia.

A participação mais efetiva na Poli aconteceu nas visitas monitoradas à Caverna Digital. Inspirada na alegoria proposta por Platão no século 5 a.C e localizada no prédio administrativo da Poli, a sala de simulação de realidade virtual é o resultado de um trabalho de pesquisa de 15 anos, ainda em desenvolvimento.

O grupo, vinculado ao Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas e composto por estudantes nas áreas de engenharia, tecnologia e psicologia, visa recriar um ambiente totalmente imersivo. Para tal, o projeto dispõe de uma estrutura totalmente automatizada, composta por diversos projetores associados e trinta computadores. Os grupos que participaram puderam entrar na Caverna, interagindo com o ambiente e tendo contato com a tecnologia que envolve a criação e reprodução de ambientes de realidade virtual.

Ciência é chata?

Dentre as atividades promovidas pelo Instituto de Oceanografia (IO), a fauna marinha possuiu grande destaque e atraiu grande número de visitantes. Dispostas em dois laboratórios, coleções didáticas de vertebrados e invertebrados puderam ser manuseadas e observadas no microscópio. No chão, linhas traçavam os ramos de uma árvore filogenética, que buscava estabelecer graus de parentesco entre as espécies expostas e discutir o processo evolutivo dos ambientes aquáticos.

Tito Monteiro da Cruz Lotufo, professor do Departamento de Oceania Biológica, explica que acervo foi disponibilizado para que as pessoas pudessem de fato manipular e interagir com o que era exposto. Para o professor, foi a chance, especialmente para os mais novos, de conhecer a diversidade marinha e a ciência de maneira mais próxima da realidade. “O principal retorno fica sendo a curiosidade. Isso é o que as pessoas tendem a perder. A ciência e o conhecimento são vistos como chatos, por serem passados de forma que não procura aguçar essa vontade de aprender”, defende.

A tradicional Matemateca, projeto em vigor há mais de 10 anos que promove a confecção de objetos interativos, foi exposta no IME e permaneceu bastante movimentada desde cedo. A ideia de trazer a matemática e o raciocínio lógico em aplicações didáticas e dinâmicas permitiu a participação de diferentes faixas etárias. A repetição de probabilidades de ocorrência de eventos como a altura de populações ou pirâmides etárias pôde ser observada por meio da medição das mãos dos visitantes, que indicavam o mesmo padrão observado por Gauss. Ana Paula, aluna de graduação em matemática aplicada convidada a monitorar o “Canto da Estatística”, destacou o caráter bastante prático dos experimentos. “Propiciam que as pessoas vejam a matemática presente no cotidiano”, pontuou.

Os problemas que a Virada pode resolver

A segunda edição da Virada Científica é ocasião anual para que a Universidade reflita sobre sua postura ante a sociedade em que se insere, responsável pelo seu sustento e funcionamento. Além da participação e do interesse em torno da ciência, o que se observou durante o evento foi a ocupação do espaço público, que inspira a necessidade de expansão dos projetos de extensão e integração da comunidade à USP. Sempre aberta, a Universidade pode ser mais do que local para a prática de atividades físicas e esportivas e estudo de uma parcela pequena da população paulistana. O saldo das atividades, então, vem com o retorno do público, e a consolidação do evento no calendário da Universidade como momento de aprendizado e integração.