Entrar na USP não garante moradia no Crusp

Poucas vagas e burocracia no Crusp impedem que alunos de baixa renda garantam suas moradias

Jean, estudante do primeiro ano do curso de Física, tentou uma vaga no Crusp quando soube que se mudaria para São Paulo. De Itupeva, interior do estado, foi aprovado para o mesmo curso na Unicamp e já tinha seu quarto garantido na moradia estudantil da universidade. O aluno conta que recebeu em poucos dias sua vaga na moradia em Campinas, após reunir os documentos necessários – o que levou cerca de duas semanas. Ao tentar uma vaga no conjunto residencial da USP, porém, não teve a mesma facilidade que na Unicamp. Conseguiu um quarto fixo somente algum meses depois, em setembro.

Após fazer a inscrição no Crusp, no início de março, Jean fazia viagens todos os dias de ônibus da sua cidade para assistir às aulas. Chegou a se hospedar na casa de sua tia, na Zona Leste da capital e requisitou uma vaga no alojamento do conjunto enquanto aguardava um quarto. Esperou um mês para conseguir espaço no alojamento do Bloco C — quartos improvisados que abrigam até 16 pessoas. “O processo aqui atrasou muito a minha vida, eu já estava quase desistindo, acordava 4 horas da manhã mas chegava aqui 8:30, ainda assim, atrasado”.

Falta de vagas, moradores irregulares, aprovação por afinidade: a procura por um quarto no Crusp pode durar meses (Foto: Roberta Vassallo)
Falta de vagas, moradores irregulares, aprovação por afinidade: a procura por um quarto no Crusp pode durar meses (Foto: Roberta Vassallo)

O estudante foi sorteado para um quarto no início de julho, na última chamada. “Ao contrário da Unicamp, que você é direcionado para uma casa e um quarto, aqui você está sozinho, você tem que sair batendo de porta em porta procurando”. Mesmo quando há quartos disponíveis, a entrada do aluno depende da aprovação dos que já moram no apartamento. Jean foi sorteado três vezes para apartamentos diferentes. Da primeira vez, os moradores fizeram entrevistas com o candidato e o recusaram pelo fato de ele estudar na área de exatas – os dois moradores preferiam um aluno da área de humanas. Da segunda, os residentes não atenderam a porta. Da terceira, se mudou com mais dois alunos que também aguardavam para um apartamento completamente vago. Quando ele entrou, encontrou móveis velhos e quebrados, baratas e mau cheiro.

O processo seletivo para garantir a moradia no Crusp leva em conta a renda per capita do estudante de graduação ou pós graduação, que não deve passar de três salários mínimos. As inscrições são abertas entre janeiro e março de todos os anos e os alunos que requisitarem, podem permanecer no alojamento até a disponibilidade de uma vaga em apartamento. Cada apartamento conta com três quartos.

Para garantirem uma vaga, porém, os alunos aprovados no processo precisam, em uma fase inicial, procurarem vagas em apartamentos “por afinidade”. Os alunos que não conseguirem dessa forma, são sorteados para quartos ainda vagos no conjunto, mas ainda dependem da aprovação dos já moradores do apartamento.

Quem fica de fora do Crusp? (Foto: Roberta Vassall)
Quem fica de fora do Crusp? (Foto: Roberta Vassallo)

Sara, aluna da pós graduação, vive em um quarto do alojamento do Crusp, que abriga oito beliches e outras 15 mulheres. Chegou de seu país natal, Moçambique, em abril. Requisitou uma vaga no alojamento do Crusp e, após morar por um mês na Vila Indiana, localizada nos arredores da USP, conseguiu a vaga e aguarda pelo próximo processo seletivo.

Erika, graduada em História, entrou em 2010 na USP, quando morava no Grajaú, bairro da Zona Sul de São Paulo. Se inscreveu para o processo do Crusp em 2011 e durante a etapa da procura de vagas “por afinidade”, foi recusada por um morador que alegou que seu signo não era compatível. Morou por um mês em um apartamento no Bloco F e saiu, pois a moradora com quem dividia o apartamento não a aceitava. Morou por mais um ano no 506 do mesmo prédio que vive hoje e se mudou no final de 2013 para seu apartamento atual.

A aluna de doutorado em Geografia Física e membro do Coletivo Independente e de Luta, atuante no Crusp, e da gestão da Associação de Pós-Graduandos (APG), Aline Franco afirma que a principal pauta quanto à distribuição de vagas do coletivo é pela transparência no processo de seleção. “A gente luta para ter um aluno, representante discente no processo de seleção da SAS”. Os principais ofícios contidos no dossiê relacionado a vagas enviados pelo coletivo ao órgão questionam a distribuição e disponibilidade de vagas nos apartamentos.

Corredores de um bloco do Crusp (Foto: Roberta Vassallo)
Corredores de um bloco do Crusp (Foto: Roberta Vassallo)
Irregular no Crusp

Amanda*, soteropolitana, veio ao Crusp em 2008 convidada por amigos que estudavam na USP. Desde então mora na sala de apartamentos do conjunto de forma irregular. A estudante assistiu ao cursinho oferecido pela Aeusp (Associação de Educadores da USP), que acontece no próprio conjunto residencial e prestou Fuvest ao final do ano. Foi aprovada na quarta lista, quando já tinha sido contemplada pelo ProUni e estava estudando em uma universidade particular, optou por não fazer o curso na USP. Hoje, já graduada, ainda não estuda na Universidade e passa pelo processo de matrícula para fazer seu curso de mestrado na USP.

A situação de Amanda* é comum nos apartamentos do Crusp: a moradia irregular. Diversas pessoas que não estudam na USP, mas frequentam a Universidade residem no conjunto sem passar pelo processo de seleção – que reserva vagas somente aos alunos.

Insuficiência de vagas

O conjunto oferece 1187 vagas para alunos de graduação e 378 para alunos de pós-graduação, segundo dado disponível no site da SAS. Para o professor João Meyer, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o número não é suficiente para a demanda “principalmente à medida que a faculdade está fazendo um esforço de absorver pessoas que não tiveram oportunidade no passado, pelos programas de cotas e, por exemplo, o Enem, [a USP] começa a receber mais gente com dificuldades econômicas”, argumenta. Segundo o superintendente da SAS, Prof. Waldyr Antonio Jorge, não há projetos para a ampliação de vagas no Crusp.

Moradores se manifestam com faixa no bicicletário do Crusp (Foto: Roberta Vassallo)
Moradores se manifestam com faixa no bicicletário do Crusp (Foto: Roberta Vassallo)
Plano diretor e o que está sendo feito

O plano diretor do Crusp, feito em 2009 pela Superintendência do Espaço Físico (SEF) da USP, prevê a curto prazo a liberação do piso térreo de todos os blocos do conjunto. A liberação será feita com transferência da biblioteca do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), localizada no Bloco D, para a sua sede junto à Biblioteca Brasiliana, a transferência do Sisusp odontológico do bloco G e reforma do Bloco B — que aconteceria após a conclusão da construção do Bloco A1. O bloco foi finalizado em 2011.

Segundo o superintendente da SAS, não há previsão para a liberação do piso térreo dos prédios e o órgão não foi informado sobre os procedimentos para a implantação do projeto. A SAS respondeu que não há obra de reforma estrutural em andamento no Bloco B, e que a SEF contratou a elaboração de um projeto de reforma do sistema de combate a incêndios em todo o conjunto residencial para atender às normas de segurança necessárias. Entramos em contato com a SAS sobre as denúncias sobre as vagas e não obtivemos respostas.

*Nome fictício

por Roberta Vassallo