Estudante, trabalhadora e mãe no CRUSP

Mulheres contam como é viver no “Bloco das Mães”, e as dificuldades dessa jornada tripla
Janela da cozinha do “Bloco das Mães” (Foto: Daniel Quandt)
Janela da cozinha do “Bloco das Mães” (Foto: Daniel Quandt)

Adentrando um corredor cheio de bicicletas e alguns carrinhos de bebê, por trás de uma das portas com números coloridos, encontra-se Fernanda, uma das doze mães que vivem no “Bloco das Mães” do CRUSP. Com 26 anos, ela é mãe de Alice, de 3.

Fernanda entrou na USP em 2009 no curso de Letras, como aluna de intercâmbio da UNESP. No ano seguinte, prestou o vestibular e passou na licenciatura de Física. Em 2012, teve sua filha. Este ano, voltou a cursar Letras.

Após dois anos esperando o processo seletivo para tentar uma vaga no alojamento das mães, ela conseguiu um apartamento em maio deste ano. Fernanda morou no bloco B e no A1 com sua filha pequena. Para ela, a diferença é gritante, principalmente para a Alice. Antes ela era uma criança muito nervosa, não se sentia confortável no ambiente em que vivia. “Agora ela chega da creche às 18h e às 18h30 os amigos já estão batendo aqui na porta. Ela convive com crianças e isso fez muita diferença em seu comportamento”, conta.

Fernanda morava, antes de se mudar para o “Bloco das Mães”, em um apartamento para deficientes com mais quatro pessoas. Mãe e filha começaram dormindo em uma cama de solteiro, mas, por uma questão de comodidade, Fernanda optou por trocar o móvel por dois colchões no chão. “Dormir no chão deixa sua auto estima muito pra baixo. Usar uma estante como cômoda pro seu filho também. Você ter um guarda-roupa para 2 pessoas, sendo que uma delas ocupa 70% do espaço com fraldas e coisas de bebê enquanto suas coisas ficam espremidas em um canto, mais ainda. Toda essa desorganização reflete em você. Você não consegue se ver no papel de mãe. Você está só sobrevivendo”.

Fernanda, mãe da Alice, e seu namorado (Foto: Daniel Quandt)
Fernanda, mãe da Alice, e seu namorado (Foto: Daniel Quandt)

Os apartamentos do térreo do bloco A contam com quatro cômodos: dois quartos, sala e banheiro. A cozinha, a lavanderia e a área externa são compartilhadas pelos doze apartamentos dessa ala do alojamento. “Esse espaço é muito importante para nós. Você ter sua privacidade, um espaço que é seu, ter um mínimo de autonomia para criar seu filho, é muito importante. Mas, mais que tudo isso, esse espaço pra criança é fundamental. Aqui, ela pode exercer todas as atividades de criança. Imagina que você tem um usuário de qualquer tipo de droga no apartamento, é a saúde do seu filho que está em jogo”, explica Fernanda.

Com o intuito de trazer mais infância para a vida das mais de trinta crianças que vivem no CRUSP – seja no alojamento das mães ou nos apartamentos comuns -, foi criado o projeto Mãe Cruspiana, apoiado pela SAS (Superintendência de Assistência Social) e do qual Fernanda faz parte. “Nós [mães e assistentes sociais] não temos a intenção de resolver os problemas estruturais da moradia estudantil e nem das creches, porque não temos esse poder. A gente trabalha com oficinas para resgatar o que é ser criança, faz as festinhas, aluga piscina de bolinhas, pede bolo no Bandejão. Fazemos um espaço de integração para os nossos filhos”.

Porém, além de ser mãe, Fernanda também é estudante e trabalhadora. De segunda a sábado, ela é professora em uma escola de reforço, frequenta aulas de manhã e à noite e é mãe solteira. Para conseguir conciliar tudo, ela depende da creche, que Alice frequenta desde os 10 meses. “Nunca levei a Alice pra aula comigo. Quando eu estava na Física, aconteceu de eu abandonar o semestre por causa de greve, já que as creches estavam fechadas e a Física não aderiu. E esse foi um dos motivos pelos quais eu larguei o curso: eu ia ser jubilada. E não tinha opção. Eu não levava minha filha pra aula porque ficar com uma criança de 2 anos na sala é impossível. Você não vai fazer a criança sentar e ouvir”.

Andreia tem 28 anos e é mãe de Daniel, de 4. Ela foi uma das únicas a conseguir uma vaga nos apartamentos enquanto ainda estava grávida. “Das que conheço, sou a única. As outras entraram já com o filho”, conta. Ela está no penúltimo ano da licenciatura em Matemática e pretende se formar no ano que vem. “Era pra eu ter me formado agora no final de 2014, mas quando eu engravidei, não consegui vaga nas creches, nem na da prefeitura e nem na da USP. Fiquei praticamente 2 anos cursando só uma disciplina por semestre para não perder as bolsas de auxílio. Se eu trancasse o curso, eu perderia essas bolsas”. E, ainda, Andreia tinha que levar Daniel para a aula consigo, pois não tinha com quem deixá-lo.

Andreia, mãe do Daniel (Foto: Daniel Quandt)
Andreia, mãe do Daniel (Foto: Daniel Quandt)

Ela conta que, na época da greve, foi muito difícil. “Eu estava trabalhando fora e perdi o emprego, porque alguém tinha que ficar com o Daniel. Uma vez ou outra tudo bem deixar com outras mães, mas por um período longo não dá”. Andreia faz iniciação científica atualmente e explica que é uma alternativa que muitas mães buscam para não terem que trabalhar fora da USP e conseguirem ficar com seus filhos.

Jussara é de Guiné-Bissau, tem 31 anos e mora no Brasil há 7. Seu filho, Enzo, é nascido aqui e nunca conheceu seu pai. “Eu voltei pra lá nas férias para fazer um ritual e voltei grávida. Desde então, não fui mais pra Guiné. Ele só vê o Enzo por foto”. Ela se formou em Letras este semestre e vai voltar para sua terra natal.

Jussara conta que no início foi difícil. “Em toda parte do mundo existe racismo, isso faz parte da nossa vida como imigrante. Mas pra mim foi uma experiência de vida muito boa, acabei fazendo bastante amizade, conheci muitas pessoas, recebi ajuda de pessoas que eu nunca pensei que me ajudariam, e assim deu pra levar a vida até eu conseguir fechar o meu curso”.

Fernanda e Andreia contam que sentirão muita falta de Jussara. Enzo é muito amigo de Daniel e Alice e todos sentem que aprenderam muito com a família da Guiné. “Ela me ensinou muito no sentido de ser mãe. A gente sempre conversa”, conta Fernanda.

O que falta no CRUSP

Para Andreia, o que falta no alojamento das mães é um responsável pelo espaço. Ela acha que por ser um ambiente feito para crianças, poderia ter um cuidado e uma organização maiores. “É muito difícil você cobrar os outros. As assistentes sociais não interferem porque algumas mães são contra isso. Não aceitam a intereferência da Universidade. Sinto falta de um auxílio. Queria que tivesse mais conversa, pra chegar num acordo nas coisas, porque tudo afeta todo mundo”.

Mães do CRUSP almoçando no Bandejão (Foto: Daniel Quandt)
Mães do CRUSP almoçando no Bandejão (Foto: Daniel Quandt)

Fernanda diz que não tem do que reclamar, que para ela não falta nada. Mas acredita que todas as mães deveriam ter o direito de viver naquele local e, ainda, que a Universidade deveria cobrar mais responsabilidade dos moradores. Só dar um respaldo para as famílias não é suficiente, é necessário cobrar que elas cuidem bem do espaço e de seus filhos. “A questão é defender a criança, defender a infância dela”.

Jussara conta que a organização e a higiene do alojamento pioraram ao longo dos anos, mas à assistência social, ela só tem elogios a fazer. Sempre que precisou, foi atendida.

O que fica para elas

Jussara volta agora para seu país sem a intenção de voltar para o Brasil. Ao ser questionada sobre o que ela diria para outras mães que morarão no CRUSP, ela diz: “a pessoa tem que ser muito humilde e aprender a deixar o ego de lado em certas ocasiões. Tem que ter em mente que você tem um objetivo pra alcançar e ter um futuro melhor e digno pra sua criança”.

Para Fernanda, a convivência da Alice com esse ambiente universitário e adulto desde muito cedo tem suas vantagens. “Qualquer ser humano precisa aprender a se adaptar. Quando eu cheguei no bloco B, morei com 7 pessoas num apartamento em que cabiam 3. Minha mãe era empregada, ela fazia ‘juju’ pra me sustentar. Depois ela passou num concurso pra trabalhar à noite e eu ia com ela pro serviço. Ela colocava um colchãozinho lá e a gente dormia. E eu me adaptei. Então, eu tento dar o suporte de mãe pra Alice e eu tenho pessoas que me cercam e me ajudam. Eu tento passar isso pra ela. A principal lição que ela vai levar daqui é o poder de adaptação, de viver em comunidade”.

Por Lana Ohtani e Hailton Biri