Graduandos pouco participam da avaliação do ensino na USP

A avaliação do ensino de graduação nas universidades brasileiras cabe, em grande medida, às próprias instituições. Externamente, o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), vinculado ao Ministério da Educação, é um dos poucos instrumentos que mensuram as graduações do país.  

Como participa experimentalmente do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), a USP não é avaliada pelo Sinaes. No Plano de Metas da Universidade para este ano, consta sua inserção em sistemas externos de avaliação da graduação até dezembro de 2015, ano em que se encerra a participação experimental da USP no Enade. Procurado pelo JC, o Pró-Reitor de Graduação Antonio Hernandes afirmou que essa meta está atrasada e ainda será discutida.

 

Avaliação Institucional A USP participa de avaliações regulares do Conselho Estadual de Educação, com a finalidade principal de recredenciar seus cursos de graduação. Para isso, a cada 5 anos, a Universidade promove, internamente, um Ciclo de Avaliação Institucional (AI). No momento, está em finalização o Ciclo referente ao quinquênio 2010-2014. Há uma Comissão Permanente de Avaliação (CPA) para coordenar esse processo, ligada à Vice-Reitoria da USP.

Como a própria CPA define, a AI é uma autoavaliação que permite, principalmente, analisar e aprimorar o desempenho das unidades/departamentos em ensino, pesquisa e extensão por meio de indicadores de qualidade e gestão. Na primeira etapa, as unidades/departamentos se autoavaliam ao preencherem formulários elaborados pela CPA, que compreendem vários tópicos, como infraestrutura e recursos humanos. Na segunda e última etapa, ocorre a avaliação de assessores externos (docentes não ligados à USP, inclusive estrangeiros), que analisam o relatório gerado a partir dos formulários das unidades/departamentos, além de visitá-las e realizarem entrevistas com alunos, se desejarem, para emitir o parecer final.

Segundo a CPA, os alunos podem participar das duas etapas: na primeira, por meio da participação dos representantes discentes nos órgãos colegiados (Conselhos Departamentais e Congregações), que discutem as respostas aos formulários de autoavaliação, e na segunda etapa, se os assessores externos desejarem entrevistá-los. Quando as entrevistas ocorrem, geralmente contam com poucos representantes dos estudantes. Ao longo da Avaliação Institucional, os alunos não respondem a nenhum formulário e nem participam de maneira massiva do processo.  

Quando questionada se o atual modelo de participação dos alunos era considerado adequado para a AI, a CPA respondeu que os mesmos procedimentos são adotados para a participação de docentes e funcionários e que “a participação da comunidade USP está sendo respeitada”. A CPA também informou que está em debate uma fase posterior na qual haverá discussão ampla e crítica dos resultados da AI 2010-2014, com participação da comunidade USP.   

O JC teve acesso a alguns relatórios finais de AI. Os relatórios mostram, a partir dos comentários dos assessores externos, informações expressivas sobre as unidades/departamentos, além de apontar fragilidades e problemas. No caso do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), que faz parte da Escola de Comunicações e Artes (ECA), é apontada, por exemplo, a “necessidade de aprimoramento/atualização nos laboratórios, equipamentos e estúdios”, considerados precários em geral. Dennis de Oliveira, chefe desse departamento, afirma que no ciclo anterior de Avaliação Institucional, em 2009, os problemas de infraestrutura já haviam sido relatados, mas praticamente nada foi feito. “Avaliação funciona se trouxer mudanças efetivas, inclusive na gestão”, diz ele. O relatório também mostra que os assessores não encontraram alunos para entrevistas no CJE. Segundo Dennis, isso ocorreu porque a visita dos assessores foi pouco divulgada e ocorreu numa tarde, período em que não há aulas no Departamento.

 

Iniciativas da PRG Em 2012, a Pró-Reitoria de Graduação (PRG) lançou um site com a Plataforma SIGA, na qual alunos e docentes avaliavam, voluntariamente, disciplinas e outros aspectos dos cursos de graduação. Atualmente, o SIGA não está em operação. Segundo o Pró-Reitor Antonio Hernandes, a baixa adesão dos estudantes, que não eram obrigados a participar, e também das unidades, motivou a desativação.

Um funcionário da ECA, que conhece aspectos burocráticos da graduação e prefere não se identificar, aponta que a falta de divulgação da Plataforma foi o grande problema. Para ele, o maior entrave para a realização desse tipo de avaliação na USP é a falta de vontade de certos setores, já que a Universidade tem capacidade técnica para isso. “Por que não atrelar esse processo à matrícula semestral no Jupiterweb, de maneira obrigatória?”, diz ele.

Nas propostas de campanha do atual reitor Marco Antonio Zago, consta que “a USP não tem conduzido avaliação sistematizada sobre a eficiência de seu ensino de graduação”, mencionando-se a necessidade de metodologias permanentes e sistemáticas para tal, com participação dos alunos. Sobre o andamento dessa proposta, o Pró-Reitor informou que uma plataforma para avaliação de disciplinas será lançada no 1º semestre de 2016. Ela funcionará via Jupiterweb, terá formato simplificado e os resultados serão enviados aos docentes.

 

Iniciativas das unidades Apesar da ausência de avaliações sistemáticas, centralizadas e generalizadas do ensino de graduação na USP, algumas unidades e departamentos fazem isso de maneira própria. O educador Giuliano Olguin é um dos responsáveis pela avaliação da Escola Politécnica (Poli), que realiza o processo com as disciplinas do ciclo básico.

Ele explica que os alunos se autoavaliam e também avaliam professores e material didático, num modelo quantitativo que é adaptado a cada ano, conforme o perfil da turma. Com os resultados em mãos, são feitas reuniões entre representantes de classes, professores e coordenadores para discutir e contextualizar os resultados, assim estabelecendo estratégias de melhoria. Os primeiros anos de avaliação são difíceis porque é necessário criar uma ambiente de coletividade, “já que a discussão sobre o que acontece na sala de aula, com alunos e professores frente a frente, não é fácil num primeiro momento”, afirma o educador.

A partir da experiência na Poli, Olguin foi convidado a realizar a avaliação em outras unidades, de maneira colaborativa e sem remuneração, como o Instituto de Matemática e Estatística, o Instituto de Física, o Instituto de Oceanografia, a Faculdade de Direito e os Departamentos de Jornalismo e Editoração e de Relações Públicas, Propaganda e Turismo, ambos da ECA. Tanto no Direito quanto na ECA, Olguin destaca que o esforço para realizar a avaliação partiu sobretudo dos alunos. “Houve professores que ficaram chocados ao saber que os alunos tinham dificuldade em acompanhar certas disciplinas, pois imaginavam que eles vinham com uma ótima base teórica do ensino médio”, conta Olguin.

A Poli mantém o processo, contudo a maioria das outras unidades interrompeu a consulta devido ao afastamento de Olguin após o nascimento de seu filho. Entre as medidas de impacto a partir das avaliações, o educador destaca que a mudança de estrutura curricular no curso de Ciências da Computação foi influenciada pelos resultados do processo.

Olguin explica que com o passar do tempo assumiu a função de orientador pedagógico, buscando soluções educativas para os professores a partir das avaliações. Esse cargo não existe no quadro funcional da USP, além de ser incomum encontrar processos de avaliação da graduação estabelecidos nas universidades brasileiras. Ele conta que é recorrente nas universidades do Estados Unidos, por exemplo, a existência de centros com equipes de educadores que fazem levantamentos do ensino de graduação. Para Olguin, esses levantamentos devem gerar consequências que não sejam punição, classificação nem desprestígio, mas que ajudem o professor a melhorar sua atividade de ensino.

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Já o curso de Geologia realiza avaliações da graduação desde 2005, em parceria com a Fuvest. A participação dos alunos não é obrigatória, mas por ser aplicada em sala, a adesão é expressiva. Os alunos avaliam a si mesmos, as disciplinas e os docentes, num questionário quantitativo.

O professor Paulo Giannini, do Instituto de Geociências, aponta problemas que surgiram com a avaliação no curso de Geologia, como docentes que não consultam os resultados, além de alguns alunos e professores não acreditarem na eficiência do processo. Olguin também levantou esses pontos negativos a partir de sua experiência em diferentes unidades. Ainda segundo Giannini, “os resultados da avaliação nem sempre refletiram os problemas nas disciplinas relatados por alunos na Comissão de Graduação ou na Coordenação do Curso”.  A maturidade dos estudantes para realizar tal avaliação é outro ponto controverso, segundo os entrevistados.

Outras unidades da USP também realizam avaliações de disciplinas e docentes de distintas maneiras, como a Faculdade de Economia e Administração e o Instituto de Química. Unidades com número expressivo de alunos e disciplinas, como a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a Faculdade de Direito e Escola de Comunicações e Artes não realizam esse tipo de avaliação de maneira institucionalizada e sistemática.

Por Guilherme Fernandes