O JC mudou, mas a USP continua igual

Jornal do Campus completa 450 edições em três décadas de existência

“Crusp, desafio e vergonha”. “Tem estuprador na praça do relógio”. “Greve”.  Se fossem manchetes atuais do Jornal do Campus, pareceria normal. Mas não são; essas manchetes datam do início da produção do jornal, na década de 1980 e 1990. Basta olhar as produções antigas para se assustar com a similaridade das pautas abordadas atualmente; a Universidade de São Paulo está estagnada.

O Jornal do Campus, que tem o costume do cobrar o que não vem sendo feito corretamente na USP, completa agora 450 edições. E, relembrando o passado, é possível perceber que o jornal mudou bastante, mas a Universidade não. As cobranças ainda são as mesmas de décadas passadas, embora as mudanças do JC sejam bastante visíveis.

O jornal é feito pelos alunos de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes. Como a disciplina é semestral, a turma responsável pela condução do JC está sempre mudando, e isso é visível nas edições. Cada grupo tem característica próprias e, por isso, a mutabilidade do jornal é grande.

Jornal do Campus completa 450 edições (Foto: Dimitria Coutinho)
Jornal do Campus completa 450 edições (Foto: Dimitria Coutinho)

José Coelho Sobrinho, que foi um dos professores responsáveis pelo Jornal do Campus durante 32 anos, conta que os valores de notícia do periódico variam também de professor para professor. Isso também garante a constante modificação do jornal. Outro fator é a característica experimental que este apresenta, por ser um jornal laboratório.

Durante os últimos 33 anos, o JC passou por diversas mudanças gráficas e editoriais. A última grande transformação gráfica pela qual o jornal passou ocorreu no segundo de semestre de 2014, trazendo cara nova ao jornal. Desde então, o periódico mudou de formato e passou a carregar esse novo projeto gráfico, feito pelo aluno Thiago Quadros, que conta, por exemplo, com as colunas em branco e com os destaques coloridos nos topos da páginas.

Apesar das mudanças gráficas, o jornal ainda aborda os mesmos assuntos que discutiam nas suas origens. Para Daniela Osvald, atual professora coordenadora do jornal, se ainda um assunto é discutido, é porque é relevante e precisa ser cobrado. “A angulação e a abordagem é que devem mudar ao longo do tempo”, conclui Daniela.

Para Lígia Trigo, pesquisadora e ex-ecana que participou da redação do JC em 1986, aponta que os assuntos permanecem os mesmos não por uma escolha dos alunos, mas porque a universidade não mudou e continua com os mesmos problemas e trazem as mesmas aflições aos alunos nos últimos 30 anos.

Notícias de antigos JCs não são tão diferentes das atuais (Foto: Dimitria Coutinho)
Notícias de antigos JCs não são tão diferentes das atuais (Foto: Dimitria Coutinho)

Outros problemas apresentados pelo professor estão relacionados à própria produção do jornal. O primeiro deles é a visão jornalística dos que fazem o JC; muitas vezes não é enxergado o real problema em determinada situação. “Os conceitos de justiça, direitos e obrigações não têm consistência dependendo de nossas vinculações. Quando condenamos, por exemplo, a privatização do espaço público não enxergamos que a praça de alimentação da ECA é um exemplo dessa irregularidade. Durante dezoito anos tentei emplacar essa pauta e nunca consegui”. O outro problema está na escolha das fontes; o professor acredita que uma escolha preguiçosa de fontes acaba numa cobertura repetitiva.

Um pouco de história

O Jornal do Campus teve sua primeira edição em 1982. Antes disso, porém, o Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA já tinha outros jornais laboratórios. O primeiro jornal do departamento chamava-se O Jornal, e surgiu em 1969. Entre 1970 e 1976, o periódico teve diversos nomes, e só de 1976 a 1982 que este passou a ter caráter laboratorial. E, a partir disso, surgiu o Jornal do Campus, bastante interdisciplinar para os alunos de jornalismo. O professor Coelho conta que já houve momentos em que o JC contava com seis professores responsáveis ao mesmo tempo.

Coelho afirma que produzir jornais laboratórios sempre foi o grande desafio das escolas de jornalismo, porque estas não podiam arcar com os custos e pelo fato dos alunos experimentarem demais. O produto perdia importância por não ter público definido, periodicidade correta e critérios de noticiabilidade. Para ele, porém, o JC tem público e periodicidade, e os valores de notícia variam conforme a época. “Sempre entendi que o jornal impulsionava a maturidade do repórter para que na vida profissional ele pudesse, com essa competência que só a vivência permite, exarar opiniões com argumentos seguros, coesos, claros e concisos como exige o bom jornalismo”.

O professor José Luiz Proença, que também comandou o Jornal do Campus por um curto período de tempo, lembrou da importância do jornal em continuar circulando mesmo durante as greves na USP. Indo contra sindicatos, a resistência que havia no começo deixou de existir. ”O jornal é também uma fonte de informação importante, de forma não-parcializada, apesar da parcialidade do jornalismo que sempre tem”, afirma Proença.

Antigo Jornal do Campus noticia greve (Foto: Dimitria Coutinho)
Antigo Jornal do Campus noticia greve (Foto: Dimitria Coutinho)

Foi só a partir de 1993, porém, que o JC passou a adotar um projeto editorial, que tinha por base a defesa do ensino público e gratuito de qualidade, a defesa do patrimônio físico e intelectual da USP e a defesa da democracia. “Por esses valores se procurava defender as finalidades de criação da USP como ensino de graduação, professores e alunos que sofriam alguma ameaça por estarem cumprindo as respectivas funções na universidade e na sociedade e as ações que colocassem em risco o estado democrático”, explica Coelho.

Durante toda a história do Jornal do Campus, houve momentos de glória momentos de falhas. Coelho, que é maior fonte de história viva desse jornal, lembra de uma das coberturas mais marcantes, em que dois repórteres do JC acompanharam, durante quase três meses, a expedição do navio Professor Besnard à Antártica. Ele se recorda também de coberturas tensas: “Fizemos também a cobertura do assassinato do dono da lanchonete da ECA, morto por menores dentro do prédio. No dia  seguinte o JC estava com uma edição especial falando, inclusive, com os assassinos”.

Por Dimitria Coutinho e Gabriel Margato