O último pilar do tripé da Universidade

Com menos apoio do que ensino e pesquisa, extensão convive com problemas estruturais

Sede da Incubadeira Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), na Cidade Universitária. Foto: Paula Mesquita
Sede da Incubadeira Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), na Cidade Universitária. Foto: Paula Mesquita

No último dia 2 de outubro, a diretoria da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP) gerou comoção ao declarar que o cursinho da faculdade não poderia mais realizar suas atividades no local a partir do ano que vem. A justificativa usada é a de que o projeto estaria irregular, uma vez que seria uma entidade com fins privados utilizando o espaço de uma universidade pública.

O comunicado causou descontentamento pois, num contexto em que os espaços estudantis na universidade são cada vez mais reduzidos, a decisão representa uma restrição ainda maior do acesso à universidade por parte daqueles que não fazem parte da comunidade USP. Além disso, o Cursinho da FEA é um projeto de extensão da universidade, cujo objetivo é retornar à sociedade os recursos nela investidos por pessoas que não podem usufruir de toda a sua infraestrutura. Com isso, vem à tona a discussão: até que ponto a extensão é priorizada dentro da USP?

Afinal, o que é extensão?
De acordo com a Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU), Maria Arminda do Nascimento Arruda, cabe à cultura e extensão, essencialmente, estabelecer um canal aberto de interlocução entre a USP e a sociedade, de modo a contribuir para a formação de seus cidadãos.

“O tripé da universidade é pesquisa, ensino e extensão. Tudo que não é pesquisa ou ensino a USP joga na caixinha da extensão universitária, só que a gente não entende todas essas coisas como extensão”, diz Joana Darc Leal, estudante de Jornalismo e membro do Redigir, projeto da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Ela cita os cursos pagos, como aqueles oferecidos pelo Centro Maria Antônia, como exemplo. “Isso que é pago a gente não entende como extensão de nenhum jeito, é outra coisa, precisaria estar em outra categoria”.

Bruno Lescher, integrante do Núcleo de Direito à Cidade, projeto de extensão da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, concorda: “Se vai contra o caráter público da universidade, não dá pra chamar isso de extensão. A extensão em que a gente acredita está comprometida com as demandas da população, as dos movimentos sociais e as das pessoas que não têm acesso à universidade por enquanto, e que a gente espera que vão ter em um futuro próximo”.

Tripé
O Núcleo de Direito à Cidade (NDC) surgiu em 2003, a partir de uma parceria firmada entre a Prefeitura de São Paulo e os cursos de Direito da USP, da PUC e do Mackenzie para desenvolver um projeto de regularização fundiária de usucapião coletivo em uma área de Paraisópolis. Quando o financiamento da Prefeitura foi cortado, o projeto foi abandonado pela PUC e pelo Mackenzie. Atualmente, os alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco dão continuidade ao processo inicial, que continua tramitando na Justiça, além de participarem, em Paraisópolis, da construção de movimentos sociais.

Quando o NDC parou de receber dinheiro do governo, o Centro Acadêmico XI de Agosto passou a ceder, de seu fundo, um valor mensal igual ao anterior para que o projeto conseguisse manter suas atividades. “Era um projeto de Cultura e Extensão, a gente ganhava dez bolsas de 400 reais da Pró-Reitoria. Agora, em 2015, o projeto Aprender com Cultura e Extensão teve aproximadamente 80% das suas bolsas cortadas e reduziram o tempo de abertura do edital, pra dificultar o acesso”, explica Bruno. “Ao mesmo tempo em que houve cortes, abriram um Programa Unificado de Bolsas, e nós conseguimos se inscrever através do sistema e manter as bolsas que tínhamos”. Dessa forma, o projeto recebe verba para auxiliar os militantes, enquanto o dinheiro recebido pelo CA vai para o fundo do NDC.

A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares surgiu em 1998, com o objetivo de ajudar a criar e gerir atividades dentro da proposta da economia solidária – ou seja, organizadas sob autogestão, ao invés da lógica capitalista em que predomina o poder do padrão sobre o empregado. Por não se encaixarem no conceito de empresa, a esses grupos é dado o nome de cooperativas.

A ITCP auxilia cooperativas novas ou já existentes nas mais diversas áreas, incluindo agroecologia, artesanato e alimentação. Apesar da importância e do tempo de existência do projeto, suas condições de funcionamento são precárias: as instalações, em um barracão próximo à FEA, apresentam inúmeras goteiras e rachaduras; as bolsas dos estudantes são sustentadas por meio de editais externos; os recursos dados pela Pró-Reitoria se resumem a elementos básicos como café, água, papel e internet, salvo algumas exceções.

Buracos, rachaduras e goteiras são comuns em todo o prédio do ITCP. Foto: Paula Mesquita
Buracos, rachaduras e goteiras são comuns em todo o prédio do ITCP. Foto: Paula Mesquita

Segundo Paulo Diaz, único funcionário da ITCP, o cerne do problema está na quase invisiblidade da extensão universitária, especialmente se comparada à pesquisa e ensino. “Não faz parte do estudante que entra e fica quatro, cinco anos, trabalhar com extensão; isso é um grande problema. Que tripé é esse que a pesquisa recebe muito dinheiro, o ensino deve receber algum e a extensão, praticamente nada?” A PRCEU contesta: de acordo com dados oficiais, por meio do Comitê de Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão, foi repassado, em 2015, o valor de R$ 1.051.915, 01 a projetos de extensão da USP.

O Projeto Redigir, do qual participa Joana, existe na ECA desde 1999, com a proposta de melhorar a comunicação dos cidadãos ao oferecer aulas de língua portuguesa gratuitas. A iniciativa ainda consegue receber algum suporte institucional, mas está longe de ser o bastante. “Dos projetos que estão na Frente de Extensão hoje, o Redigir é o único que recebe apoio financeiro da USP e, de qualquer maneira, não é suficiente. A gente vai ter que procurar vários orçamentos e economizar o máximo possível”. Na prática, isso significa reduzir o conteúdo do material didático fornecido aos educandos, cuja impressão é o único gasto substancial do projeto.

Crise
Segundo a Pró-Reitora Maria Arminda, a PRCEU, assim como os demais órgãos, unidades e institutos, sofreu restrições orçamentárias devido ao cenário de crise econômica que atinge tanto a USP quanto o país como um todo, mas tem encontrado saídas para esta situação. “A Virada Científica, por exemplo, contou com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Já o programa de residências, lançado este ano, possui o apoio de bolsas de financiamento.”

Para Joana, a famigerada crise pode ter complicado a obtenção de verbas por parte dos projetos de extensão universitária, mas os efeitos práticos são poucos. Antes da atual gestão anunciar oficialmente o déficit orçamentário e os cortes, a extensão também não recebia todos os recursos de que precisava; com a crise, isso apenas piorou. “Não é como se a gente recebesse apoio e ele fosse acabar, sabe? Mas, com certeza, se o dinheiro tiver que ser cortado de algum lugar, vai ser dos projetos de extensão, porque a gente não dá um retorno pra universidade num sentido que a pesquisa, por exemplo, dá.”

Bruno vai além: para ele, o problema da universidade não se resume à crise. “Corte nas verbas de creche, no bandejão, na permanência, nas bolsas emergenciais, PIDV (Programa de Incentivo à Demissão Voluntária) – tudo isso é reflexo da crise da USP, mas se refere também a um projeto de universidade que está em disputa. Qual é a questão de cortar bolsa de permanência ou de bolsa de creche, por exemplo? Você está limitando o direito das pessoas que não têm condição pra se sustentar só estudando, restringindo essas pessoas na universidade. A universidade é pública, tudo bem, mas ela é pública pra quem? No caso de quem tem filho, é pra quem pode pagar uma creche privada; se a pessoa não é de São Paulo, se ela pode pagar um aluguel… Você vai restringindo o caráter público da universidade e ela vai ficando cada vez menos pública.”