A Universidade sob a confiança de Zago

Os afazeres de José Antonio Visintin como chefe de segurança, prefeito do campus e diretor da FMVZ
José Antonio Visintin
(Foto: Jessica Bernardo)

Após estender-se por quase uma hora em uma reunião com os funcionários das bibliotecas da Universidade de São Paulo, José Antonio Visintin entra em sua sala apressado, risonho e pedindo desculpas pelo atraso decorrente de seu compromisso anterior à entrevista ao Jornal do Campus.  Além de superintendente de Prevenção e Proteção Universitária da USP, Visintin ocupa, atualmente, os cargos de prefeito do Campus e de diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), onde também foi aluno e docente.

“No começo era mais difícil [organizar as tarefas], mas agora eu consigo equacionar isso”, admite o professor, de estatura mediana e cabelo ralo, que conta com seis secretárias para auxiliá-lo na estruturação de sua agenda, sempre cheia de compromissos. Seu dia na universidade – a qual frequenta há 42 anos – começa às 7 horas da manhã, quando estaciona seu carro pessoal na Superintendência. O chefe de segurança faz questão de não utilizar os carros cedidos pela USP e os deixa à disposição para os departamentos. Até o fim do dia, ele percorrerá as três unidades onde trabalha, comandando reuniões, elaborando projetos e passando de um lugar para o outro.

Visintin assumiu seu mais recente cargo, a diretoria da FMVZ, há uma semana. Na ocasião, alunos da universidade, estudantes secundaristas e alguns militantes protestaram em frente ao anfiteatro onde ocorria a cerimônia. A manifestação, convocada pelo DCE Livre da USP por meio das redes sociais, tinha como intuito “recepcionar” o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, que foi convidado para o evento. O protesto, contudo, também direcionou críticas ao veterinário, descrevendo-o como uma pessoa que “vem buscando restringir cada vez mais o direito de estudantes se divertirem no local onde passam boa parte de sua vida”.

Dos três postos, Visintin foi eleito somente para a posição de diretor de sua Faculdade, quando ganhou o pleito com uma larga vantagem em relação ao segundo colocado, graças principalmente aos votos de professores e funcionários. Nos outros dois cargos, ele foi uma indicação de confiança do Marco Antonio Zago, por tempo indeterminado dentro de sua gestão.

Segurança

A amizade com Zago começou durante a Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio), onde se encontraram pela primeira vez. “A gente tinha contato direto na época das pesquisas”, comenta o professor, ao relembrar o período em que o reitor era presidente na CNPq e, depois, pró-reitor de Pesquisa da USP. Surpreso com o pedido do reitor para a ocupar a superintendência de segurança, sua primeira reação foi: “Professor, mas eu não sou especialista em segurança, hein!”.

O chefe de segurança garante que tenta ouvir todos os funcionários do departamento: “Vou lá no chão de fábrica. Porque as pessoas que fazem as coisas são as que sabem”. O guarda universitário Weliano Pires, no entanto, contradiz a informação e diz ele costuma conversar “no máximo com o chefe”. Uma das principais críticas de Weliano em relação à superintendente anterior, Ana Lúcia Pastore, era a falta de tempo que a antropóloga tinha para se dedicar ao trabalho. “Ela era muito ausente, porque estava em um ano letivo. Ela mesma confessou isso em uma reunião”, conta o funcionário. Com o acúmulo de cargos, Visintin também tem problemas em acompanhar de perto o dia-a-dia da Guarda. “Ele não estava dando conta nem da guarda universitária, que já era muito pra ele, vai acabar não dando conta de nenhum dos três, finaliza o guarda.

Mariano Ferreira, outro funcionário do efetivo, reclama da falta de atenção dada à guarda. Quando o plano Koban de segurança entrou em vigor, houve a promessa de um diálogo com a comunidade, a partir de policiais que atuariam junto à Guarda. Porém, Ferreira disse nunca ter sido apresentado ao grupo. Com o efetivo menor que o necessário – há cinco anos a USP não realiza contratações para o grupo – a Guarda se sente esquecida.

Desde que o novo projeto de policiamento foi instalado na USP, o número de ocorrências diminuiu em mais de 30%, segundo dados oficiais da Polícia Militar (veja o box). Atuando dentro da universidade há décadas, os guardas dizem terem conhecimento de como lidar com os alunos em situações em que a presença policial não é, necessariamente, justificada – como brigas entre alunos e acompanhamento de manifestações.

Campus

“É lamentável”, declara Visintin, quando questionado sobre a festa realizada no estacionamento da FMVZ em protesto contra a proibição de bebidas alcóolicas. Decidido em assembleia pelos alunos da faculdade e sem responsáveis diretos, o evento aconteceu na semana anterior à posse do diretor. Cada aluno, na ocasião, trouxe sua própria bebida de casa. O professor conta o que chegou aos seus ouvidos: “Parece até que o conteúdo das latas de cerveja, na verdade, era água”.

A festa foi encarada como um dos principais movimentos políticos na faculdade em anos. Segundo integrantes do Centro Acadêmico Moacyr Rossi Nilsson (CAMRN), a proibição uniu os primeiranistas, que compareceram em massa ao local. “Ele falou que a gente podia fazer o que a gente quisesse, mas que não tivesse álcool. Se tivesse álcool, a PPUSP apareceria e abriria sindicância”, conta Anoã Machado, vice-presidente do Centro Acadêmico. A conversa entre o CAMRN e o diretor é constante. Debatendo sobre as festas, Visintin costuma, segundo Anoã, dizer que “alguém tem que pagar”.

“Na minha época de estudante, a gente gostava de fazer festas e churrascos”, relembra o professor. Visintin mantém um apreço pelos alunos e pelo movimento estudantil de sua unidade, fruto das boas lembranças de sua turma e da interação proporcionada pelo CAMRN, mas acredita que as festividades devem acontecer sem a presença de álcool. “Os melhores momentos são esses de Centro Acadêmico e vivência”, comenta.

Em setembro, Visintin apoiou uma semana de debate sobre álcool e drogas na FMVZ. Para o diretor e superintende de segurança, o evento foi “fantástico”. Na opinião dos alunos, a distribuição de materiais destinados à adolescentes de Ensino Fundamental e Médio fugiu da realidade dos universitários. O diretor diz se mostrar preocupado com as questões e acredita que o usuário deve ser tratado como “caso de saúde pública”.

Para a vice-presidente, ao ocupar três cargos, Visintin entra em conflito de interesses. Recentemente, mesmo com 80% do corpo discente da USP formado por mulheres, o diretor deixou de fora da pauta da Congregação o posicionamento da faculdade em relação às creches da universidade, sugerindo um abaixo-assinado como alternativa ao pedido pela pauta.

Em nenhum momento da conversa, a fala acelerada de Visintin faz questão de esconder suas raízes: nascido na cidade de Floreal, no interior de São Paulo, ele e sua família se mudaram para Santa Fé do Sul quando o recém-nascido tinha somente 50 dias de vida, de acordo com os cálculos de sua mãe. Há 30 anos, a maior parte de seus familiares se mudou para o estado do Mato Grosso. De vez em quando, ele encontra um tempo para ir visitá-los, embora a rotina seja tão puxada que ele é constantemente questionado por seus dois filhos: “Pai, você só trabalha?”.

Para Visintin, a Universidade é “tudo”. O chefe de segurança confessa, sem titubear, que não tem a intenção de se candidatar a reitor no futuro: “Estou me planejando para ser vagabundo: não quero fazer nada”. O santista pensa em viajar para a Itália após sua aposentadoria: “Quero levar meus filhos, para fazerem estágio de gastronomia”. Quando não está respondendo a ligações de trabalho, gosta de provar as experiências gastronômicas dos dois filhos cozinheiros.

Cai número de ocorrências dentro da USP

Nos dois primeiros meses após o início do plano Koban, o número de ocorrências dentro da Cidade Universitária caiu em 31,9%. De acordo com dados da Polícia Militar, no período entre 9 de setembro e 9 de novembro de 2015, 175 ocorrências foram registradas pela instituição, contra 257 registradas no mesmo período em 2014.

Por Jessica Bernardo e Vinícius Andrade