A USP preferiu não se pronunciar

A atuação das fontes oficiais e os entraves que limitam um veículo independente na Universidade
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Ilustração: Arthur Aleixo

Uma busca rápida pelo termo “USP” em qualquer portal de notícias sinaliza como é de interesse público o que acontece por aqui. Não seria para menos. O grande volume diário de pautas centradas em questões relacionadas à maior universidade do país evidencia isso. A postura crítica assumida pela imprensa costuma refletir um olhar externo, eventualmente distante da realidade universitária. Da escolha dos fatos à abordagem dos textos, vê-se por vezes emergir posicionamentos que contribuem para o reforço de estereótipos, que regem a forma como a USP e seus estudantes são encarados pela comunidade, por quem, a rigor, a financia.

O Jornal do Campus, laboratório do curso de Jornalismo, seria a oportunidade perfeita para que questões menos voltadas à burocracia e mais alinhadas à vida da USP fossem retratadas. E para que a própria visão da Universidade, construída de fora dela, seja revista. Um jornal feito por alunos e destinado à comunidade uspiana.

Conhecemos o dia a dia da Universidade, estamos inseridos nela, acompanhamos e somos afetados por seu dinamismo. Temos capacidade de abordar com propriedade questões concernentes à instituição em que estudamos. Mas, mesmo assim, somos constantemente “furados”. É recorrente a quantidade de temas que, tratados pelo JC em sua edição quinzenal, já foram esgotados nesse meio-tempo pelos veículos de comunicação das mais diversas formas. Como eles sabem de tudo isso antes de nós? Como saem na frente daqueles completamente inseridos no contexto da Universidade de São Paulo?

Não me presto a discutir aqui o quesito periodicidade. Publicamos uma edição de dezesseis páginas a cada quinze dias. É fisicamente impossível cobrir tudo o que acontece de relevante nos campi da USP – sim, existem os do interior, raramente lembrados. Falha nossa. Duas semanas: esse é o tempo que uma pauta demora para ser idealizada e publicada. Para que chegue até um leitor dos campi do interior ou de alguma Unidade fora do campus Butantã – será que o jornal realmente é entregue a eles? – ponha aí mais uns três dias, no mínimo. Até lá o evento já foi, o G1 nos furou e o jornal é avaliado como sério candidato para forrar as lixeiras do departamento.

Foco minha frustração no fato de que costumamos ser pautados pela mídia em vez de pautá-la. Por ficarmos sabendo de algo que aconteceu aqui, em nosso quintal, ao mesmo tempo a internet inteira já sabe. Por vezes nos utilizamos desses materiais previamente publicados como motivação para iniciar nossa própria investigação. Mesmo que fugindo do noticioso com novas abordagens, buscando ao máximo evitar o óbvio e imprimir a personalidade de estudantes de Jornalismo a nossos textos, acabamos reféns disso tudo. Chegamos ainda mais tarde aos fatos. E há alguns motivos que podem explicar isso.

Jornal? Que jornal?

“Aceita o Jornal do Campus? É produzido pelos alunos de Jornalismo da ECA!”. Uma das maiores dificuldades, que ainda limita a atuação e reduz o impacto do que é publicado, é que as pessoas pura e simplesmente não conhecem o Jornal do Campus. Não se sabe que existe, nem quem o produz. Se bobear, isso é realidade até na própria ECA.

Nós nos vemos em um cenário um tanto quanto contraditório, que ainda apresenta dificuldades em ser contornado. Para sermos conhecidos, precisamos ser lidos. Para sermos lidos, precisamos atingir mais pessoas e que elas nos encarem como fonte confiável e relevante quanto a assuntos relacionados à USP. A tiragem de 8.000 exemplares não é suficiente para que efetivamente se conquiste essa representatividade. O JC precisa ser reconhecido como espaço para envio de denúncias, fotos de problemas estruturais, de mobilizações no campus, de momentos que fazem parte da vida universitária, etc. Ainda não o é, apesar de estar repleto de potencial.

Essa falta de notoriedade contribui para perpetuar preconceitos com o Jornal do Campus. Nós já ouvimos de fontes, em tentativas de reportar assuntos mais polêmicos, que versões oficiais da história só seriam dadas a veículos “mais relevantes”. Então, nos resta o questionamento: até que ponto ser “do Estado” ou “da Folha” ou, quem sabe ainda, “do Jornal da USP”, abre portas aqui na Universidade?

Somos ensinados a sempre buscar ouvir os dois lados. Tal procedimento é uma forma de construir credibilidade, buscada desde a seleção temática, apuração e redação. Está intimamente ligado à forma como queremos ser vistos. Essa preocupação reside em uma das característica principais do texto jornalístico, que é a capacidade de confirmação e checagem dos fatos. Ao colocar o nome das fontes, circunstâncias em que foram abordadas e o que exatamente foi questionado, quem escreve confere à história veracidade que pode ser aferida. Com esse cuidado, se evitam reducionismos, simplificações ou a publicação de inverdades.

Você sabe com quem está falando?

Nesse processo, simbolizado em e-mails, telefonemas e visitas presenciais, por vezes impera o sentimento de que se está sendo enrolado. Transferências de ramal, ausência de informações, necessidade de autorização para qualquer pronunciamento acabam nos redirecionando a fontes superiores. Eles são os responsáveis, afinal. Se não falarem, quem falaria? O funcionário que evita tocar no assunto? Ou ainda aquele que teme ser demitido com uma declaração incisiva?

Melhor não. Você ligou ou veio até aqui? Mande as perguntas por e-mail que retornaremos, sim, dentro do prazo. Mas com respostas “bem-pensadas e cheirando a plástico”, como pontuou muito bem uma repórter do JC ao descrever suas tentativas de falar com a Faculdade de Medicina sobre as denúncias de casos de abuso sexual. “Silêncio na Medicina” não poderia ter sido uma capa melhor para a edição 449.

O repórter que vos fala teve de passar por quatro intermediários até chegar a alguém disposto a se posicionar sobre a postura da Guarda Universitária em relação às festas no campus. Ainda que pouco esclarecedora, a resposta veio em tempo hábil, por e-mail. E dada pelo único autorizado a tais esclarecimentos, responsável pela Guarda, Sr. José Antônio Visintin, entrevistado nesta edição que está em suas mãos.

O que mais incomoda, no entanto, é a sensação de que as portas são fechadas quando se diz que é repórter. Ainda mais quando se deixa escapar, por descuido, que se é aluno- repórter.

Em tais casos, fica ainda mais clara a visão sobre o jornalista. Ou melhor, sobre o jornalismo. A informação é vista como uma prestação de favor. Passar um dado, confirmar um número ou desmentir um boato criado – que nem se quer foi por nós, apenas despertou nosso interesse – é um serviço ao veículo, e não como deveria ser: um ato de legítimo interesse público.

Há coisas que simplesmente não podem ser ditas? Até que ponto o direito à preservação das fontes, a existência de temas que demandam sigilo ou dados que não podem ser compartilhados devem ser um entrave para que os assuntos da USP sejam discutidos? Não deveriam ser informações públicas? O fato das fontes simplesmente ignorarem nossas requisições é suficiente para que se deixe de abordar o que deveria ser abordado? Tem sido. Não deveria ser. Perde o jornalismo, perde a USP, perde a sociedade.

Por Guilherme Eler