Alternância de governos leva América Latina para ciclo conservador

No final do mês passado, o presidente Evo Morales teve que enfrentar sua primeira derrota desde que assumiu o poder na Bolívia no ano de 2006. A população do país disse “não” à reforma constitucional que permitiria que ele concorresse a um quarto mandato, que começaria em 2020 e se estenderia até o ano de 2025.

Na Argentina, o candidato de Cristina Kirchner, Daniel Scioli, foi derrotado no segundo turno das eleições de 2015 por uma margem muito pequena de votos. Quando assumiu o poder, Mauricio Macri e sua nova equipe encontraram uma infinidade de dados que haviam sido “maquiados” pra disfarçar a péssima situação da economia do país.

Um Congresso oposicionista foi eleito pela população da Venezuela. O presidente Nicolas Maduro quis barrar a eleição de alguns congressistas que tinham posicionamentos diferentes dos seus – mas não conseguiu. A economia do país está bem debilitada porque, entre outros motivos, o preço do barril de petróleo não para de cair.

No Brasil, a situação da economia também está complicada. Segundo o IBGE, o desemprego subiu de 5,3% para 7,6% de janeiro do ano passado até o mesmo mês deste ano, e o PIB, que fechou 2014 em alta de 0,1%, encerrou 2015 com baixa de 3,8%. Talvez pelo fato dos números não estarem tão ruins no 2º turno das eleições, Dilma Rousseff venceu Aécio Neves com uma margem percentual de votos muito pequena – apenas 3,28%, a menor da história do país.

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Bolívia, Argentina, Venezuela e Brasil viveram, nos últimos anos, sob o comando de governos de centro-esquerda, preocupados com o bem-estar social e que promoveram programas de transferência de renda. Os pobres ficaram menos pobres, passaram a viver de forma mais digna, e tem menos gente passando fome. Segundo relatório divulgado pela ONU no ano passado, só o Brasil reduziu em mais de 82% o número de pessoas subalimentadas entre 2002 e 2014. Nesse mesmo período, toda a América Latina apresentou queda de 43,1% nesta quantidade.

Os governos dessas quatro nações latino-americanas enfrentaram algumas derrotas nos últimos meses. Líderes mais voltados à esquerda estão perdendo poder à medida em que outros governantes, mais conservadores e identificados com a direita, ganham destaque. Esse movimento não é espontâneo – é resultado da vontade de eleitores que, insatisfeitos, pedem, com o voto, a alternância de poder.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e diretor do Conselho Empresarial da América Latina, Alberto Pfeifer, a ideia de que existe uma “onda conservadora” atingindo alguns países da América Latina não é real. Para ele, a região está passando por um processo de liberalização, e prova disso são a legalização da maconha no Uruguai, e a aceitação e respeito aos gêneros e direitos humanos. “O que acontece por aqui é super positivo, e vai contra o que está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos, regiões que se mostraram xenofóbicas com a chegada dos refugiados de países em guerra”, justifica.

Pfeifer acredita ainda que a parceria entre governos populistas e setores empresariais resultou em investimentos equivocados. Além disso, ao que tudo indica, o ciclo de valorização das commodities está se encerrando. A América Latina, por ter um modelo baseado no setor agrário exportador, depende muito delas. Se o preço desses produtos cai, países exportadores, como Brasil, Bolívia, Venezuela e Argentina passam a ganhar menos dinheiro.

O futuro é incerto, mas pelo o que os últimos acontecimentos mostram, o ciclo populista na América Latina passa por transformação. A influência dos meios de comunicação neste processo ainda carece de estudo.

 

Por Rafael Ihara