Entre todos os jornais da USP, por que o JC?

No domingo 28 de Fevereiro, a Folha de S.Paulo teve a maior edição impressa de sua história. Nela, um especial discutiu “para que serve um jornal?” com seus leitores, em meio a maior crise da história do jornalismo brasileiro e mundial. Dentro dessa discussão, um capítulo inteiro pode ser dado aos jornais laboratoriais ou universitários.

Dentro do próprio gênero há formatos que estão mais em crise. Em faculdades onde a politização das entidades estudantis é maior, já foi muito mais comum que cada grupo político tivesse a sua própria produção e que “disputassem consciências” através do seu material gráfico. Muitas vezes esses jornais, normalmente ligados a juventudes partidárias, possuíram distribuição em diversas faculdades,  e seu financiamento vinha diretamente dos diretórios. Alguns de tendências relevantes do Movimento Estudantil até hoje são vendidos ou distribuídos nas principais universidades brasileiras. Hoje esse embate acontece majoritariamente nas redes sociais.

Há também os boletins de associações de classe. Todo uspiano minimamente atento já se deparou com boletins do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), mas, entre as principais mídias, há o Informativo Adusp e o blog do DCE. O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) também possui comunicados e, em oposição, o Fórum das Seis (instância de lutas que reúne docentes e funcionários das três universidades paulistas, além dos trabalhadores do Centro Paulo Souza) também emite boletins a partir das suas próprias articulações. Esses “informativos” em geral se distinguem da produção mais jornalística dessas entidades, como são o caso da Revista Adusp e o Jornal da USP, vinculado à reitoria.

Em nível local essa produção também sempre ocorreu intensamente na USP. Na FEA do campus Butantã por exemplo, desde 2011 O Visconde foi retomado, com espaço aberto aos estudantes e conselho editorial composto por parte da gestão do CAVC. Há um periódico online chamado O Viscu de Caironde, que mesmo que por vezes tenha tom satírico, é uma publicação com postura mais independente. Ambas são necessárias, em uma faculdade onde há mais recursos que o de costume para comunicação institucional. No entanto, também percebe-se que cada vez mais, centros acadêmicos e associações atléticas emitem notas oficiais e comunicados pelas redes sociais e demais recursos do jornalismo online.

Houve também jornais de movimentos que surgiram em meio a históricas mobilizações e permaneceram sendo produzidos mesmo após essas se dissiparem. Invariavelmente esses jornais acabam sendo tocados por grupos com uma série de convergências políticas, mesmo que momentâneas. A greve estudantil de 2011 por exemplo deu surgimento ao Jornal da USP Livre! que continuou sendo produzido discutindo o movimento estudantil até pelo menos o ano passado. Essa tendência se repetiu (digitalmente) em junho de 2013, com diversos exemplos.

Entre a maioria dos jornais de produção estudantil, a continuidade e regularidade são os dois maiores problemas. Natural, dado que são projetos que dependem do comprometimento dos sucessores, devido ao curto tempo de permanência dos seus coordenadores. No entanto, todos os tipos de veículos citados são importantes para mediar interesses. Enquanto a produção institucional se dá com profissionais da comunicação devidamente remunerados, só a produção – mesmo que amadora – estudantil pode verdadeiramente representar-nos.

Além disso, toda a produção experimental universitária, compõe um riquíssimo mosaico de produção gráfica e jornalística de sua época. Cada estudante de cada unidade possui uma história sobre o jornal de seu tempo. E é preciso fazer a ressalva que não trato aqui de revistas e jornais acadêmicos ou de temas em geral, mas sim dos que possuíam a USP como seu objeto central.

Seja na época da ditadura com o Jornal da UEE, seja hoje com debates a partir de “textões” no Facebook, o jornalismo abastece-se com publicação de informações que incomodam alguém, e quando tratamos de autoridades subordinadas ao poder público, a responsabilidade da manutenção desses canais só aumenta.

(ilustração: @regomanso)
(ilustração: @regomanso)

O Jornal do Campus – e diversos jornais laboratoriais pelo Brasil – se diferenciam de todos esses por serem exercícios escolares de estudantes de jornalismo e portanto, pelo método. Todos que produzem o JC são alunos do curso e, desde 1993, possuímos um projeto editorial contínuo, sempre supervisionado por docentes do departamento de Jornalismo e Editoração da ECA.

Atualmente há no JC, além dos repórteres e editores de cada seção, editoria de fotografia, de arte, on-line e um cargo de secretaria de redação. Esse organograma dá mais comprometimento a cada etapa da produção jornalística e garante prazos e apuração. O on-line, como imagina-se, ganha cada vez mais destaque e sempre que possível publicamos conteúdo exclusivo em cada plataforma, como cobertura de eventos no Twitter e fotos de visões singulares dos campi no Instagram.

A USP felizmente pode dizer que tem um jornal referência. Seja pelos diversos profissionais bem sucedidos no mercado que fizeram parte do JC, seja pelo histórico de coberturas exclusivas, o jornal segue sendo uma ótima vitrine e destaque para os alunos. Em cada semestre, cada turma também convida um Ombudsman e tal interface nos ajuda a nos conectarmos com jornalistas fora dos muros da Universidade.

No entanto, apesar de se tratar de um laboratório, com alto grau de liberdade para inovação e autonomia dos estudantes, levamos o jornal como se fosse profissão. A maioria dos estudantes que compõe cada edição já tem alguma experiência profissional e o JC é o terceiro laboratório durante a graduação. Temos de fato mais “permissão para errar”, mas não se engane, na medida que somos exigentes com a imprensa em geral, somos exigentes com o nosso próprio trabalho. A orientação dos docentes, desde o primeiro laboratório, tem sido justamente esta: não levem esta experiência como algo “não” profissional.

E não é para menos. Ademais de todos os dados exaustivamente repetidos da importância da USP para a academia brasileira, do comprometimento do orçamento estadual público que ela acarreta e das dimensões de um bairro dentro de São Paulo, a mídia hegemônica dá notadamente destaque somente a algumas das questões que ocorrem aqui. Há uma grande responsabilidade em uma cobertura que não privilegie a versão da reitoria dos acontecimentos.

Não somos panfleto de funcionários ou estudantes. Privilegiamos, dentro das possibilidades, a visão mais imparcial possível. Claro que com um olhar de discente e contrapondo o que já se noticia. Nisso temos uma grande vantagem: há chances de conseguirmos um furo.

Em uma breve análise da cobertura da imprensa sobre o campus, o que se nota, pelo menos nos últimos 5 anos, é que a USP tem uma cobertura científica oportunista (como o apresentador de TV Ratinho e sua campanha pelo “remédio contra o câncer”), cobertura política distante, como a omissão (ou menosprezo) das demandas estudantis ao cobrir greves e ocupações e cobertura de segurança e de questões metropolitanas com pouco acompanhamento. Raramente furos sobre a USP chegam a nós pela grande imprensa. Uma  das notáveis exceções foi a divulgação dos salários de docentes e funcionários pela Folha de S.Paulo, no final de 2014.

Para conseguir tais furos, no entanto, é necessário que se desenvolva uma relação mais próxima do chamado “jornalismo comunitário” com algumas práticas bem sucedidas de jornais que ainda não conseguiram ser replicadas por nós. Não existem por exemplo, setoristas fixos de cada unidade, pelo simples fato de que cada turma de Jornalismo fica 8 edições do JC. Não há também nenhum vínculo institucional entre os Centros Acadêmicos, ou coletivos de denúncias e o JC. Se apenas esses canais existissem, acessaríamos muito mais facilmente questões cotidianas da USP.

Fiz parte da gestão de um Centro Acadêmico na USP em um ano em que diversos amigos eram parte do JC. Não só os ajudava com fontes, como, fatídico dia (em 2011) que a Policia Militar quis encaminhar 3 estudantes para lavrar um termo circunstanciado devido a porte de maconha e eu estava presente, a primeira atitude que tomei foi ligar para amigos do JC para cobrir. O que se deu foi uma versão dos acontecimentos melhor apurada, pois os repórteres acompanharam o desdobramento do confronto entre PMs e estudantes horas antes da chegada dos repórteres da mídia hegemônica.

O JC também é lido por funcionários, mas pouco temos de retorno deles. É indubitável que boa parte dos funcionários – sejam os vinculados diretamente à USP ou não – sabem muito mais sobre funcionamentos específicos e nuances de todos os níveis da administração da USP, mas seja por receio, seja por falta de canais, não há o hábito de que essas questões cheguem até nós. Vale inclusive repetir aqui o nosso canal institucional oficial jornaldocampus@gmail.com, mas o contato pode ser feito por qualquer uma das nossas redes sociais. A recíproca é verdadeira e há compromisso nosso de tentar chegar mais próximo do cotidiano dos servidores da USP.

Por fim, é fundamental que o principal veículo de comunicação da mais importante universidade brasileira resista. Não há como prever o que acontecerá com o jornalismo em geral. Pode ser que o Jornal do Campus edição 900 seja focado em alguma tecnologia que nem conhecemos. Mas o jornalismo, seja local ou laboratorial, continuará tendo propósito essencial para o bom funcionamento da universidade.

 

Por Tiago Aguiar