Paço das Artes se despede da Cidade Universitária

Importante polo de manifestação cultural na Universidade, local será devolvido ao Instituto Butantan

Neste mês, o Paço das Artes se despede da sede atual, na Cidade Universitária, onde está instalado há mais de 20 anos. Depois de mostras nacionais e internacionais — entre elas, muitas de alunos, ex-alunos e professores da USP — a galeria pública deixa o endereço para dar lugar a um novo complexo do Instituto Butantan, proprietário do imóvel.

De acordo com Priscila Arantes, diretora artística do Paço, a devolução da sede é um assunto presente desde que assumiu o cargo, em 2007, e o pedido oficial veio no fim do ano passado. O Instituto Butantan disse, em nota, que precisa remanejar sua estrutura para acomodar a fábrica brasileira da vacina da dengue. Procurado pelo JC, o orgão não revelou detalhes da negociação e da reforma, apenas esclareceu que o espaço será ocupado por laboratórios de um novo centro de biotecnologia.

A programação de 2016 do Paço das Artes será transferida para o Museu da Imagem e do Som e para a Oficina Cultural Oswald de Andrade. Priscila, no entanto, reforça que o desenvolvimento dos projetos deste ano em parceria com outras instituições é uma medida provisória: “É crucial e vital que o Paço das Artes tenha uma sede própria e definitiva para dar continuidade com qualidade e autonomia a suas atividades.”

A saga nômade marca a história da instituição, que se firmou como um espaço importante na difusão da arte contemporânea. Fundado na década de 1970 sob a tutela da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o museu já teve sede em um imóvel na Avenida Paulista, na Pinacoteca do Estado de São Paulo e também anexa ao MIS-SP, antes de finalmente chegar à USP, em 1994.

O Paço das Artes inaugurou as atividades no campus com a retrospectiva do artista visual Nelson Leirner, sob a curadoria de Agnaldo Farias. De lá até aqui, a galeria já recebeu outros grandes nomes das artes no país, como Tomie Ohtake e Cildo Meireles. Mostras internacionais também fazem parte de sua trajetória, como a do britânico Francis Bacon, da suíça Pipilotti Rist e do alemão Harun Farocki.

Além de trazer à USP artistas de carreira consolidada, o Paço se firmou como espaço de experimentação e formação de artistas, críticos e curadores. A instituição lançou, por meio da Temporada de Projetos, criada em 1996, nomes de destaque na cena contemporânea, como André Komatsu, Nino Cais e Lia Chaia.

Parte da estrutura do Paço das Artes em situação de abandono (foto: Laura Capulhuchnik)
Parte da estrutura do Paço das Artes em situação de abandono (foto: Laura Capelhuchnik)

Espaço ameaçado

Instalado em uma área de cerca de dois mil metros quadrados, o Paço das Artes ocupa apenas uma parcela da construção modernista projetada pelo arquiteto italiano Jorge Wilheim nos anos 70. O espaço foi idealizado como um grande complexo destinado às artes, onde seriam interligadas salas de espetáculo e exposições, sede para conferências e até mesmo uma construção para hospedar artistas convidados. A obra, no entanto, nunca foi finalizada. Abandonadas em fase de construção, as demais instalações compõem o que hoje se conhece por “Esqueleto da USP”.

A parte ocupada pelo museu é a única fração do terreno que não está inacabada e coberta por vegetação. O abandono dos prédios e a falta de infraestrutura acarretaram na morte de uma estudante em 2013, quando caiu no que seria um fosso de elevador dentro do terreno. O Instituto Butantan defendeu-se alegando que o local abandonado sempre esteve fechado ao público. De fato, hoje as portas principais estão trancadas e há uma placa de acesso proibido. Apesar disso, a construção ainda pode ser acessada e, de acordo com alunos, esteve aberta até o acidente.

Diversas iniciativas já foram pensadas para reviver a extensa área ociosa na Universidade. Nenhuma delas por parte dos proprietários do terreno, que se limitaram a reforçar as grades violadas do local como medida preventiva.

Há pelo menos cinco anos, alunos da USP frequentam o lugar e organizam festas e saraus a fim de reviver o espaço abandonado. A área é ocupada por muitas intervenções, como as grandes galerias de grafite. “Eu acho importante passar a ideia de que lá é um espaço maravilhoso, lindo, mágico, construído para ser um espaço cultural e que, de uma certa maneira, o foi mesmo abandonado”, diz o ex-aluno Marco Bonazzoli, que frequentou o local durante os últimos anos. A construção cumpre um papel dentro do cenário cultural da USP, ainda que não oficialmente.

E não foram apenas as ações ditas clandestinas as responsáveis por borrar as fronteiras entre a efervescência cultural do Paço das Artes e o espaço abandonado. Alguns eventos oficiais também ocuparam o lugar, o que só reforça a ideia de que a construção poderia ser incorporada à rotina da Universidade. Em 2011, uma competição de freerunning foi sediada nos prédios anexos ao Paço, e um experimento cênico realizado pela companhia Pau D’arco ocupou a área isolada em 2013, entre outros acontecimentos.

(Arte: Giovanna Lukesic)
(Arte: Giovanna Lukesic)

O Paço e a Universidade

O espaço como um todo é um local de expressiva movimentação do cenário cultural da USP, que será completamente comprometida com a devolução do terreno, assim como a preservação do legado de Wilheim, morto em 2014. Até o fechamento desta edição, a assessoria do Butantan não esclareceu se vai manter aspectos da arquitetura original na reforma.

O subsolo do Paço também passou a ser ocupado por eventos de naturezas diversas — palestras, festas e shows, tanto organizados pelo museu quanto pela USP — reforçando a importância do espaço na vida universitária. Entre os projetos de parceria do Paço com alunos e ex-alunos, um dos mais conhecidos é o Som no Subsolo, idealizado pelo músico Thales Othón. Desde 2012, já passaram pelo subsolo artistas como Maurício Pereira, a banda Isca de Polícia e jovens músicos que despontaram no cenário independente de São Paulo.

“Em cada evento chegaram a entrar de 300 a 1000 pessoas, sempre era uma festa muito agradável, muito elogiada por quem ia”, conta Thales. Sobre a importância da geografia de onde o projeto é desenvolvido, Thales comenta: “O evento tem no próprio nome a questão de ser em um subsolo, era isso que dava a graça”. E finaliza: “O futuro [do projeto] depende do futuro do Paço das Artes. Até vi de fazer em outros locais, mas acabou não acontecendo.”

Para encerrar suas atividades na USP, o Paço apresenta, no dia 19, o bloco Ilú Obá De Min e as esculturas de gelo da artista Néle Azevedo. As mostras em cartaz podem ser visitadas na Cidade Universitária até o dia 27 de março.

Por Laura Capelhuchnik