Trotes da USP têm muita tinta e integração

A criatividade dos veteranos manifestou-se em atividades sociais e de acolhimento

A 18ª edição da Semana de Recepção aos Calouros chegou ao fim acompanhada de um importante legado: um número expressivo de Unidades optaram por atos de cunho social. Entre os dias 15 a 19 de fevereiro, diversos campi da USP prepararam atividades pacíficas, com o objetivo de promover, assim, a real integração entre os alunos novos e antigos. Além disso, muitas ações foram realizadas pela primeira vez.

jc-universidade-trote-eca-glitterDia da matrícula na ECA teve glitter e confete (foto: Rafael Oliveira)

Uma cápsula do tempo foi enterrada por universitários de São Carlos; em Ribeirão Preto houve o plantio de 140 mudas de árvores; os estudantes da Politécnica, em São Paulo, organizados pela Poli Social, doaram seus cabelos para uma ONG, entre outras iniciativas que passam longe das tradicionais humilhações.

As mensagens que circularam em muitos institutos era clara: “vocês não são obrigados a fazer nada que não quiserem, não será permitido qualquer tipo de forma de opressão, denuncie”.

O serviço de Disque Trote, que recebe as denúncias da USP desde 2000, registrou uma queda nesse ano, foram apenas quatro queixas, contra 16 no ano passado, e 6 em 2014. O professor Oswaldo Crivello, que supervisiona o processo, diz que as acusações envolvem normalmente conjuntos de pessoas que não têm vínculo com a Recepção oficial.

O atendimento é feito por educandos da graduação e monitores das Salas Pró-Aluno. As queixas são encaminhadas à instituição envolvida, que deve tomar as medidas necessárias e informar sobre os encaminhamentos dados.

Premiação

Com a intenção de incentivar a formação de um ambiente acolhedor aos novos estudantes, a Pró-Reitoria de Graduação concede anualmente uma homenagem ao melhor programa de recepção. Para se inscrever no Prêmio Semana de Recepção de Calouros, as Unidades enviam relatórios de suas atividades, que são avaliados por um júri composto por integrantes do Grupo de Trabalho Pró-Calouro (GT-Pró-Calouro).

Há um estímulo extra para a competição: um prêmio no valor de R$ 4 mil, o troféu Recepção Legal, instituído em 2015, e uma escultura da artista plástica Carmela Gross, que permanece no Instituto até o anúncio do vencedor seguinte.

A escolha dos homenageados se dá pela preferência às ações que cultivam os princípios da esfera universitária (humanismo, solidariedade e absoluto respeito aos indivíduos). Assim como é relevante a harmonia entre os educandos, e que não haja envolvimento em denúncias de abusos.

O coordenador do GT-Pró-Calouro, Oswaldo Crivello, afirma que, para a faculdade, vencer o Prêmio é motivo de orgulho e incita a repetição do gesto no próximo ano. “Temos visto muitas mudanças: um comprometimento de toda a comunidade acadêmica, uma organização cuidadosa e uma preocupação enorme em evitar a violência”, lembra.

Dentre os campeões mais recentes, destaca-se o Instituto de Matemática e Estatística (IME), que ganhou por dois anos consecutivos, a Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP) e Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB).

Iniciativas

A Escola Politécnica recebeu os novatos com atividades promovidas tanto pelo Grêmio e pela Atlética, quanto pela Poli Social, de maneira independente. Esta última organizou a doação de cabelos para confecção de perucas, em parceria com a ONG Rapunzel Solidária, e o “Trote Solidário”, em que calouros e veteranos revitalizaram o refeitório da Escola Municipal Olavo Pezzotti, na Vila Madalena.

Aluno da Poli doa cabelo que será usado em peruca de pacientes com câncer (foto: Poli Social)
Aluno da Poli doa cabelo que será usado em peruca de pacientes com câncer (foto: Poli Social)

Rodrigo Narita, diretor de Relações Externas da Poli Social, relatou que a atitude foi bastante elogiada. “Tivemos muita procura pelo “Trote Solidário”, mas não pudemos receber a todos por conta da logística”, declara. Ao passo que o corte de cabelo, foi adotado por 30 pessoas, outras não puderam participar devido ao comprimento mínimo necessário. Narita acredita que é uma tendência que os trotes se tornem menos violentos: “Esse tipo de recepção faz uma diferença maior na vida da pessoa, faz você evoluir muito, não tem nada mais gratificante”. Ademais, ações de cunho social promoveriam maior integração, uma vez que estão todos lutando pela mesma causa.

Mariane Ayumi, que começou a estudar esse ano na Poli, esperava que a faculdade fosse machista e opressora, mas sua experiência foi o oposto: “Todas as pessoas com quem eu conversei foram super gentis e acolhedoras. O trote foi bem tranquilo, os veteranos me perguntavam se eu queria isso ou aquilo e repetiam ‘se não quiser alguma coisa, fala’”. Ela também ajudou a pintar a escola e doou parte de seus cabelos. “Eu nunca tinha ouvido falar em nenhum tipo de trote solidário, muito menos da Poli. Conheci esse evento por meio do Facebook e fiquei muito interessada em participar”, conta.

Enquanto isso, o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) de São Carlos propôs uma arrecadação de livros, que foram entregues no Centro Municipal de Educação Infantil Aracy Leite Pereira Lopes, acompanhados de apresentações com robôs para as crianças.

Outra iniciativa foi o plantio de uma árvore como cápsula do tempo. Os calouros escreveram cartas narrando suas expectativas em relação à graduação e colocaram em um recipiente, que será desenterrado ao final do curso, em 2021. A Comissão de Recepção aos Calouros menciona que eles quiseram aliar o cultivo de uma árvore, para a conscientização sobre um projeto socioambiental da faculdade, com um formato atrativo para o ingressante. “Armazenando as metas iniciais, os estudantes poderão avaliar o que foi construído durante o curso e o que tinham planejado no início”, conclui.

Uma turma de São Carlos enterrou uma cápsula do tempo (foto: Henrique Fontes)
Uma turma de São Carlos enterrou uma cápsula do tempo (foto: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação ICMC/USP)

Acerca das recepções abusivas, os alunos se posicionam: “Sempre houve a preocupação de não realizar atividades violentas aqui dentro. Porém, tem havido uma intensificação com o passar dos anos”. Os cuidados na elaboração da programação são muitos, há também uma orientação vigorosa por parte da equipe administrativa da Universidade, para reforçar os princípios que devem ser mantidos.

Já a integração na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) foi marcada pelo plantio inédito de mais de 140 mudas no campus. O Centro Acadêmico Flaviana expõe que a escolha desse ato logo na primeira semana tinha o propósito de ser um lembrete da importância de ações sustentáveis.

A arrecadação de donativos foi adotada por uma longa lista de Unidades. Algumas delas foram a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), que buscou angariar fundos para manter seu Cursinho Popular, a Faculdade de Odontologia de Bauru, que entregou a contribuição acumulada para a Instituição “Lar dos Desamparados”, e a FEA de São Paulo, que recolheu dinheiro para a ONG Cruz Vermelha, e teve a participação massiva de cerca de 200 ingressantes.

 

Por Isabella Galante