Um pé dentro e outro fora

SISU é aplicado na USP, mas os resultados variam de acordo com os padrões de faculdade

Chegando do interior do estado Rondônia, a aluna Kleicy Alves Braga, de 18 anos, concretizou um grande sonho: ser uma das calouras da Faculdade de Direito (FD) da USP, já que neste vestibular a USP decidiu usar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como alternativa para selecionar os estudantes. No dia 23 de junho de 2015, o Conselho Universitário (CO) concordou em destinar 1.489 das vagas da Fuvest para o Sisu (13,5%). No entanto, essa primeira experiência da Universidade não foi totalmente inclusiva. Algumas unidades estipularam notas mínimas, entre 650 e 700 pontos, para que o candidato pudesse participar do processo seletivo.

(foto: Giovanna Lukesic)
(foto: Giovanna Lukesic)

A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP disponibilizou oito vagas para o curso de Gestão Ambiental e 40 para Engenharia Agronômica, mas nenhuma delas foram preenchidas. Já a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnologia (FMVZ) da USP ofereceu oito vagas, mas apenas uma foi preenchida. Para se candidatar às carreiras concedidas pela unidade, o estudante deveria ter 700 pontos em todas as áreas do conhecimento. Neste ano, a maior nota de corte do Sisu foi do curso de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os estudantes, para conseguir uma vaga na modalidade ampla concorrência, tiveram que fazer 824,74 pontos, pelo menos.

Segundo a presidente da Comissão de Graduação da FMVZ, Mayra Elena Ortiz, os critérios utilizados neste ano não trouxeram bons resultados e possivelmente serão repensados. A professora menciona que para estipular essas notas a unidade buscou referências em como as Universidades Federais selecionavam seus alunos. “Nós fizemos um apanhado de algumas Faculdades e chegamos aos nossos critérios, mas foi um resultado péssimo”, destaca Mayra.

Para o próximo vestibular, a FMVZ deve continuar ofertando oito vagas (10% das vagas da Fuvest), entretanto poderá reduzir as notas mínimas em algumas áreas do conhecimento. De acordo com a professora, alguns alunos, que prestaram Fuvest e Enem, relataram que tinham 800 pontos em uma área, mas 600 em outra, assim pelos critérios da Faculdade, eles não passariam pelo Sisu. “Acho que nós, ano a ano, vamos tentando chegar a uma forma que selecione os melhores alunos e também atenda ao perfil desses alunos, ninguém é bom em tudo”, ressalta a presidente. Na FMVZ, as vagas não preenchidas pelo Sisu foram destinadas à FUVEST

Quanto à destinação de vagas para a categoria PPI (candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas que, independentemente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas) a Instituição, por enquanto, não abrirá essa possibilidade. Assim, continuará ofertando oito vagas para candidatos que, independente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Porém, de acordo com a professora, essa questão poderá voltar à discussão. A quantidade de vagas e em que categorias elas serão oferecidas são critérios decididos por cada unidade da universidade.

A Pró-Reitoria de Graduação da USP está finalizando o processo de matrícula e realizando o balanço da entrada dos alunos pelo Sisu, por isso ainda não possui um panorama da experiência com o Enem este ano.

Dentro da USP

“Não, eu não estudei para isso”, assim pensava kleicy, quando viu as vagas das Faculdades que entrariam no Sisu. A estudante nunca tinha prestado Fuvest e pensava que as portas da Universidade só se abriam para aqueles que ficavam anos no cursinho. “A USP não chegou a ser um objetivo, mas era um sonho. Hoje, é um sonho que se realizou”, ela acentua. A FD destinou, ao todo, 92 vagas para o Sisu.

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Ela diz que não se sentiu discriminada pelos veteranos, que achavam bom o aumento da diversidade na universidade. Um professor de Introdução ao Estudo do Direito fez uma pesquisa na sala e a maioria dos alunos que entraram pelo Sisu são de fora de São Paulo. No entanto, alguns calouros ainda fazem perguntas como “Nossa você nem deve ter estudado né?”. Kleicy ressalta que por mais que a prova do Enem seja bem diferente da Fuvest, isso não o qualifica como mais fácil.

O aluno Gabriel Lins Alves, 18 anos, prestou Relações Internacionais pelo Sisu. Segundo ele, o Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, que ofertou 12 vagas, não estipulou notas mínimas muito altas, elas ficaram em torno de 500 pontos. Para ele, a unidade deve ter optado por esse caminho por acreditar que a procura pela carreira acabaria elevando a nota de corte. Em seu curso, ela foi de 774 pontos. Em relação às unidades que cobraram 700 pontos como critério mínimo, o estudante menciona que faltou conhecimento dos diretores sobre o formato da prova do Enem, pois é muito difícil atingir essa pontuação em algumas áreas. “Eu tirei 783 na média geral e não tirei mais de 700 em Ciências da Natureza”, explica o estudante.

Após a segunda tentativa de ingressar na USP, o paulista Alexandre Blois de 20 anos finalmente conseguiu realizar seu sonho. Selecionado pelo Enem, ele acredita que o Sisu é um importante passo para deselitizar a faculdade. Para o estudante, no entanto, esse processo de seleção ainda é um choque para as pessoas. Blois menciona que se sente muito mais confortável e acolhido pelas pessoas que entraram junto com ele do que pelos outros alunos.

A falta de divulgação

As inscrições para o Enem 2015 encerraram-se no dia 5 de junho de 2016, no entanto a USP só adotou o Sisu no dia 23 de junho. Para a professora Mayra, um dos grandes desafios para melhorar a inclusão social dentro da universidade é ampliar a divulgação. Segundo ela, é preciso que a própria instituição desempenhe um trabalho de marketing mostrando à sociedade as possibilidades de estudar na USP pelo SISU ou mesmo pelo vestibular tradicional.

Os alunos precisam se aproximar da universidade e reconhecê-la como um caminho possível para a sua graduação. Poucas pessoas sabem das visitas monitoradas, atividades em que os estudantes podem conhecer os cursos e professores das unidades. Dessa forma, é necessário usar diferentes recursos como forma de alcançar estudantes, que muitas vezes não enxergam a USP como um sonho possível. Seja dialogando com os diretores das escolas públicas ou divulgando pelos diferentes canais de comunicação. Nos últimos anos, o que a professora vem notando é que a procura pela USP tem diminuído até mesmo pelo vestibular tradicional.

 

Por Amanda Oliveira e Gabriela Sarmento