Estudantes da ECA são convocados a depor

Reitoria quer investigar, por meio da abertura de sindicâncias, realização de festas no Campus

Sete alunos vinculados à diretoria do Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC) em 2015 e 2016 receberam, entre o final do ano passado e a primeira quinzena de abril deste ano, interpelações judiciais e sindicâncias instauradas pelo gabinete do Reitor.

Os documentos foram emitidos com o objetivo de notificar e intensificar a investigação acerca da realização de festas no campus – atividade considerada irregular desde agosto de 2015, quando entrou em vigor a resolução 7088, que proíbe compra, venda e fornecimento de bebidas alcoólicas no campus.

De acordo com a diretora da ECA, Margarida Kunsch, a sindicância administrativa é um procedimento apuratório, que tem como objetivo investigar “a autoria ou a existência de irregularidade praticada no serviço público”. A partir de sua instauração, a comissão ouve servidores, docentes e discentes a fim de elucidar os fatos.

Questionada sobre o procedimento da sindicância e a arbitrariedade na escolha dos alunos acionados, a diretora respondeu que seu papel é apenas o de fornecer informações e esclarecimentos, não de participar como um membro atuante da comissão, e que, portanto, não cabe à Direção da ECA opinar sobre o processo. O Jornal do Campus contatou a Comissão Sindicante a fim de esclarecer os critérios para a abertura do processo, mas foi informado de que isso só seria possível após a próxima reunião do grupo.

Manifestações culturais dentro do campus são, há muito tempo, olhadas com receio por parte dos órgãos administrativos da Universidade. A situação, contudo, se agravou após a morte do jovem estudante Victor Hugo Santos, em 2014, depois de ter participado de uma festa organizada pelo Grêmio Politécnico. No final de 2015, mais um caso fatal ocorreu no principal campus da capital paulista: o médico Benício Leão Filho, ex-aluno da USP, foi agredido na região próxima aos prédios da ECA e não resistiu aos ferimentos.

Apesar da agressão ter ocorrido em uma quinta-feira, dia da semana em que acontecem as Quintas I Brejas (QiB), não há relação direta com as entidades estudantis da Escola e as atividades que organizam no espaço. A Vivência estava fechada e não havia nenhum tipo de evento no dia – as próprias QiBs não aconteciam regularmente nesse período. Desde então, há cada vez mais tentativas de repressão às festas e atividades estudantis. Agentes da Universidade foram às aulas entregar os documentos aos estudantes, convocando-os a comparecer e prestar esclarecimentos.

O estudante de jornalismo Fernando Magarian, que é membro da gestão atual do CALC, comenta que “historicamente, a sindicância é um instrumento de repressão dentro da Universidade”. Perguntado pelo motivo de as notificações recaírem apenas sobre alunos da ECA, ele justifica: “aqui a gente está resistindo abertamente à proibição de festas. Desde que a gente assumiu a gestão, isso foi colocado abertamente. E é pra resistir mesmo, é um confronto aberto. Por isso que a repressão está chegando com mais força ”.

As sindicâncias não têm caráter acusatório. Contudo, a investigação instaurada representa o primeiro passo para – se apontada alguma irregularidade passível de punição – a abertura de um processo administrativo disciplinar que pode, por sua vez, culminar na expulsão de alunos. No cenário de proibição de festas e da redução de autonomia dos estudantes dentro do Universidade, os documentos oficiais consultados por Fernando – aos quais estão anexados relatórios detalhados das atividades discentes no espaço do campus – sinalizam a supervisão constante da movimentação dos universitários.

Para o estudante, o maior instrumento de defesa dos alunos sindicados não é a resposta por meio das vias formais, mas a resistência através da manutenção das festas no campus: “o que vai fazer essa sindicância cair ou não, o que vai culminar na nossa expulsão ou não, é a força política que a gente demonstra enquanto movimento, não a burocracia”, diz. “Estamos mantendo as festas, apostando no movimento político para barrar a sindicância. E [a resistência política] não é só por causa do documento, mas por tudo o que está acontecendo na Universidade. É claro que nós vamos nos respaldar juridicamente, mas não vamos colocar nossa energia na burocracia”, finaliza.

Uma das diretoras do CALC, que não quis se identificar, recebeu também uma interpelação judicial – notificação que, diferentemente da sindicância, extrapola os limites da Universidade e é enviada por um oficial do Tribunal de Justiça. “Os estudantes que estão no centro acadêmico é que sofrem todos esses ataques, mas eles são representantes dos alunos. Precisamos lembrar que esses ataques, então, são para todos, não pra mim ou para o Fernando especificamente”, argumenta. “Os ataques estão pesados e, de certa maneira, estamos desarticulados no momento. Então a gente precisa criar um movimento interno para conseguir resistir junto”.

O Centro Acadêmico Lupe Cotrim e as demais entidades da ECA pretendem estabelecer pontes com outras organizações estudantis na Universidade, que também têm sofrido as consequências das proibições, para barrar a continuidade das represálias por parte da reitoria.

 

Por Giovanna Lukesic e Laura Capelhuchnik