Falta professor na Escola de Aplicação

Apesar de pioneirismo em Ciência, USP compromete sua Escola de Aplicação com falta de docentes

Os problemas estruturais da Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de Educação da USP, voltada à formação de educadores e pesquisas de métodos educacionais, não são uma novidade. Desde a sua fundação, em 1958, a escola começou a enfrentar seus primeiros entraves, uma vez que foi instalada em antigas construções na Cidade Universitária à beira do córrego Pirajuçara.

Entretanto, a qualidade de ensino sempre superou as adversidades do espaço. Com excelentes professores, que se igualam em nível aos de escolas particulares da capital, a escola se tornou uma das melhores do estado, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. No entanto, desde 2014, com o corte de verbas da Universidade, a EA sofre com a precarização de sua estrutura de ensino e comprometimento do projeto pedagógico. Para entender a situação, o Jornal do Campus conversou com Nelson Barrelo Junior, 52 anos, professor de física na Escola de Aplicação desde 2004.

(foto: Júlia Moura)
(foto: Júlia Moura)

Jornal do Campus – Ao longo dos 13 anos de trabalho na EA, houve muitas mudanças?
Nelson Barreto Junior – A cada dois anos há uma mudança na gestão da direção da escola, com uma consulta à comunidade com indicação da direção da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), então há uma renovação constante. Em termos de condições de trabalho houve dois momentos de mudanças radicais: agora, com a falta de professores, e há sete anos, quando os salários foram corrigidos. No momento atual, com a crise, há uma escassez de recursos na Universidade que nos levou à escassez financeira e de recursos humanos, que eu nunca havia visto aqui em todos estes anos de trabalho.

Desde quando faltam professores?
O quadro vem reduzindo desde 2014 com a saída de um professor de geografia e a não reposição dele, a mesma coisa com um docente de matemática e assim por diante. Mas até 2015 havia soluções internas com a redistribuição das aulas com os professores restantes, entretanto, com o PIDV (Programa de incentivo à demissão voluntária) um professor de ciências aderiu e deixou a escola, mas os restantes não conseguiram assumir a carga. A escola atribuiu os conteúdos de Ciências para professores de física e química, que não estavam habilitados a dar aulas nesta disciplina. Isso gerou um desgaste muito grande na área, que culminou com a saída da professora de química no final do ano passado.
Caímos numa situação incontornável, pois diferentemente do que foi imposto na disciplina de Ciências em 2015, não temos mais professores habilitados em Química na Escola. Então, desde o início do primeiro semestre de 2016, não há aula de química para os alunos do 9ª ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio.

O professor de física Nelson Barreto Junior (foto: Júlia Moura)
O professor de física Nelson Barreto Junior (foto: Júlia Moura)

Os danos ao aprendizado dos alunos são reparáveis?
O dano está feito. Em termos de qualidade de aula, pessoalmente, como educador, eu acredito não ser reparável, poque não é uma somatória na quantidade de aulas, você elimina todo o processo, o tempo de maturação e a formação dos alunos.
Mas o dano pode ser minimizado o quanto antes se este professor for contratado. Se a contratação for feita nesse primeiro semestre, ainda se pode reverter, especialmente com os alunos do nono ano e primeiro ano do Ensino Médio, nos quais é possível diluir essa defasagem ao longo do EM. Mas com o terceiro ano, não tem mais muito o que se fazer, até porque no segundo semestre o foco dos alunos são os vestibulares, ENEM e concursos.

A falta de professores está atingindo todos os ciclos da escola?
Sim, faltam nove professores no total em todos os ciclos. O Ensino Fundamental I não conta mais com dois professores em sala e não há mais especialista em necessidades especiais. O mais gritante é no Ensino Médio, onde não há substituição na área de química e a ausência é mais sentida. Também saíram docentes de artes, geografia e educação física. Um dos carros chefes da escola são os estudos do meio, que já não acontecem porque nem sequer transporte temos mais. Com a falta de manutenção, cortes de projetos e precarização do trabalho, a EA corre o risco de se tornar uma escola pública comum, e o comum é de má qualidade, na qual o ensino tradicional não funciona.

O quanto a falta desses profissionais compromete a qualidade da escola ao todo?
Muito. Primeiro porque você muda as condições de trabalho de diversas áreas. Os professores da EA são contratados por 40h semanais, mas elas não são e não devem ser gastas apenas em sala de aula, e a FEUSP nem prega isso, pelo contrário, levanta como bandeira que o trabalho do professor também envolve a correção e a preparação de atividades, o atendimento a estagiários, etc. Mas infelizmente a única solução tem sido aumentar o tempo do docente em sala de aula e diminuir as demais atividades complementares, o que compromete diversos projetos da escola. Agora 75% da jornada de trabalho é na regência de aulas e antigamente eram 35%, o que compromete todos os trabalhos.

Tal situação é irregular segundo as normas de educação?
É uma contravenção penal, uma violação da regra. A lei determina a responsabilidade do Estado pela Educação Básica e a USP é responsável pela administração da Escola de Aplicação, com a gestão de seus recursos financeiros e contratação de pessoal. Os órgãos de fiscalização estão cientes deste problema, mas nada ainda foi feito.

(foto: Júlia Moura)
(foto: Júlia Moura)

Como os alunos se posicionam a respeito?
No primeiro momento, eles pensam a aula vaga como mais um horário de lazer, como qualquer adolescente, creio ser da natureza da fase.
Mas agora eles começam a perceber as consequências disso com a mobilização do grêmio estudantil e dos alunos do ensino médio com a promoção de um abaixo assinado.

Como está a mobilização da comunidade acerca do problema?
Muitos professores e alguns pais e alunos têm lutado pela resolução. Mas me preocupa a falta de mobilização das famílias, dos 180 alunos, apenas seis pais estão bem preocupados, movimentando abaixo assinados e levando às congregações. Se fossem meus filhos os prejudicados, eu estaria batendo mais panela e promovendo debates.
Mas você não percebe o envolvimento, que deveria ser, no minimo, de todas as famílias de alunos do ensino médio.

Quais as perspectivas para resolução deste quadro?
Em princípio, nenhuma. Apesar dos esforços da gestão da escola e da direção da faculdade, a Reitoria se mostra inflexível e intransigente, não contrata e ponto. E as demais soluções pensadas sempre esbarravam em questões legais e trabalhistas. Várias tentativas ocorreram, mas todas se mostraram infrutíferas pela legislação.

Qual a saída possível desse problema?
A saída de fato seria a contratação de um professor de química. Como escola básica, a grade horária prevê aulas dessa matéria e faz parte da legislação o cumprimento dessas atividades.

Não é possível rearranjar o orçamento para esta contratação?
A EA não faz a gestão financeira de pessoal, quem faz isso é o Departamento de Recursos Humanos da USP (DRH), ou seja, não temos autonomia

Qual o posicionamento da Diretoria da FEUSP?
Existe uma diferença entre a prática e o discurso. No discurso, o Reitor, o Vice Reitor, o DRH e diretoria da faculdade dizem estar preocupados com a situação da EA. Mas hoje, a diretoria está muito alinhada com a reitoria.
Eles dizem estar do nosso lado, mas não poderem contratar nenhum profissional. Seria esquisito a Faculdade de Educação não nos apoiar nesta situação, mas não há engajamento, questionamento, ou uma ação no Ministério Público.
Não há como esperar da direção uma afronta direta à Reitoria. Mas, por outro lado, uma vez que eu me proponho a ser gestor da unidade, eu tenho que saber lidar com estes extremos: o interesse da instituição e do local que eu dirijo.

 

Por Júlia Moura