Lava Jato confunde papel de instituições

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jc-em-pauta-lava-jato-infografico-02Especialistas em Direito desaprovam o protagonismo do Judiciário em operação federal

A Lava Jato, que hoje mobiliza sociedade civil e todas as instâncias do Poder Judiciário, chega à sua 26ª fase. Com o PMDB fora do governo, a crise política se agrava à medida que as investigações alcançam importantes membros do PT.

A operação teve início em 2014, para investigar um esquema de pagamento de propinas envolvendo doleiros. Pouco tempo depois, atingia o mais alto escalão do governo e da estatal Petrobras. O país viu, pela primeira vez em sua história, grandes empresários e políticos sendo condenados. A operação representa um marco histórico no combate à corrupção e, além de todos os resultados penais, vem suscitando importante debate acerca do papel do Poder Judiciário.

Inspirada na Operação Mãos Limpas, realizada na Itália na década de 1990, cujos desdobramentos levaram a uma “limpeza” na corrupção do país (inclusive com o desaparecimento de alguns partidos políticos), a Lava Jato mantém pelo menos duas fortes semelhanças com o caso italiano.

Uma delas é certa “espetacularização” do processo. Sérgio Moro, juiz federal à frente da operação, tenta fazer com que o decorrer do processo seja amplamente acompanhado pela mídia e respaldado pela opinião pública. A segunda é se utilizar de novos métodos de investigação, como a delação ou colaboração premiada. Esse procedimento, entretanto, tem levantado críticas.

“A colaboração premiada deveria, em tese, ser espontânea”, aponta Samuel Barbosa, professor da Faculdade de Direito (FD) da USP. “O problema é a Justiça está prendendo pessoas para as forçarem a delatar e isso configura abuso”. Ele também faz ressalvas às interceptações telefônicas que, segundo ele, estão sendo utilizadas com sérias distorções.

Alamiro Velludo, professor da USP especializado em direito penal, faz ressalvas também ao modo com que as instituições do Estado estão trabalhando o caso. Ele explica que o procedimento investigatório, a princípio, é dever da PF, com a participação do MP e a fiscalização do Judiciário. Em sua opinião, entretanto, as funções se embaralham.

“[Na Lava Jato] o que chama a atenção é que o Judiciário tem um protagonismo muito grande, quando deveria ser um mero fiscal das ações legais”, opina. “Há um excesso quando as figuras do juiz, do MP e da PF se confundem. Isso contamina a investigação”.

O Ministério Público Federal (MPF), por exemplo, não pertence a nenhum dos Três Poderes. É a esta instituição que cabe atuar em casos federais sempre que a questão envolver o interesse público, examinar as denúncias e selecionar os políticos que devem ser investigados na operação. Seu chefe é o Procurador-Geral da República, atualmente Rodrigo Janot.

A Polícia Federal (PF), por sua vez, é subordinada ao Ministério da Justiça, cujo atual representante é Eugênio Aragão. O atual ministro foi empossado após José Eduardo Cardozo ter deixado a pasta, motivado pela forte pressão interna do PT para que ele interferisse no trabalho da Polícia Federal e freasse as investigações sobre membros da sigla.

Por fim, a Justiça Federal é o conjunto de órgãos pertencente ao Poder Judiciário a que compete julgar casos, em primeira instância, nos quais a União esteja envolvida. Sérgio Moro, seu representante no estado do Paraná, é quem conduz muitos dos processos gerados pelas investigações.

A população sente que a operação pode deixar um legado positivo para o país, já que determinadas pessoas, que se pensava estarem à margem da lei, estão agora sendo condenadas. Contudo, o destaque que os julgamentos vêm assumindo no cenário político e a crise que recai, especialmente, sobre o PT, precisam ser encarados com cautela.

Barbosa e Velludo se preocupam que os fins (no caso, o combate à corrupção) estejam sobrepondo-se aos meios (por exemplo, algumas garantias constitucionais inegociáveis). “Precisamos olhar a Lava Jato com ressalvas”, opina Velludo, “não pelo que ela quer alcançar, mas a forma com que ela está disposta para tal. Pode ser que haja um custo muito alto”.

 

Por Guilherme Caetano