Rivais no jogo, aliadas contra ofensas

Torcidas universitárias contam casos de violência e de solidariedade em competições

Não é só de passes, cruzamentos e gols que vive o imaginário futebolístico: vários torcedores protagonizam cenas violentas dentro e fora de arenas. Durante briga entre palmeirenses e corintianos, por exemplo, no primeiro domingo de abril, trens foram depredados na Estação Brás e um senhor foi morto, vítima de bala perdida. Componentes agressivos não são, porém, exclusividade do futebol: em competições universitárias, há quem perca a postura ao torcer por sua equipe. Tamanha competitividade resulta em episódios hostis que vão de gritos preconceituosos a ataques físicos. Contudo, do mesmo modo que no esporte profissional, campeonatos entre instituições de ensino  também contam com pontos positivos, como histórias de solidariedade e luta contra o machismo. O Jornal do Campus foi atrás dos diferentes lados da rivalidade esportiva na esfera estudantil.

Pode isso, historiador?

Marco Aurélio Duque Lourenço estuda a história social do futebol e, em seu mestrado, debruçou-se sobre a rivalidade Corinthians versus Palestra Itália (nome original do Palmeiras). Segundo ele, as torcidas uniformizadas surgiram “na década de 1960, pelas mãos de estudantes, e tinham um objetivo político muito progressista para a época”. Em plena ditadura, “a natureza política das torcidas não era interessante ao establishment”, afirmou o historiador. Aliada ao período repressivo, a desigualdade social e econômica foi intensificada e a parcela mais desfavorecida desse quadro ocupou as arquibancadas.

Foto: Ecatlética
Foto: Ecatlética

No contexto discente, o termo exclusão encontra destaque: “A própria desigualdade no acesso ao Ensino Superior cria universitários muito competitivos, desde o vestibular, passando pelas disputas de ego entre as universidades de elite e chegando ao mercado de trabalho”, analisou o historiador. Em um ambiente no qual a disputa tem início antes mesmo de adentrá-lo, as brigas entre torcidas de estudantes são mais um reflexo de problemas tão brasileiros quanto as peladas de fim de semana.

Bola fora

As desavenças entre times de alunos são conhecidas: das provocações verbais às agressões físicas, os diversosjogos universitários contabilizam relatos nada agradáveis. Ritmista da bateria da Escola Politécnica, Maria Eduarda Leme lembrou que, no torneio Engenharíadas, em 2011, a torcida da Universidade Presbiteriana Mackenzie ficou do lado de fora do ginásio no momento em que a vitória uspiana seria anunciada. “Eles [os adversários] estavam pensando em briga”, explicou Maria Eduarda. Membro da torcida da Poli, Luciano Luisi contou que, no ano passado, no InterUSP, os calouros da unidade foram “encarar” os graduandos da Faculdade de Medicina. Após cinco minutos, os futuros engenheiros voltaram para os seus lugares, já que tinham apanhado dos rivais. Em 2012, segundo o politénico Ricardo Cruz de Toledo, ocorreu uma agressão em quadra na final de handebol masculino. As torcidas ficaram enfurecidas e foram uma para cima da outra. Entretanto, nesse caso, o ocorrido resultou em punição: “O aluno não jogou no ano seguinte”, salientou o estudante.

Foto: Arquivo / Interusp
Foto: Arquivo / Interusp

Presidente da Atlética da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP), Leonardo Oliveira recordou o confronto entre torcedores da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) na competição denominada Economíadas, em 2015. “Acho que a PUC roubou a bandeira da ESPM. O pessoal teve que separar [os briguentos]”, esclareceu Oliveira. “A rivalidade é importante dentro de quadra, mas não fora”, enfatizou o aluno.

Bola dentro

O esporte universitário, felizmente, não é formado apenas por manchas. Maria Eduarda Leme falou que, no InterUSP de 2014, uma amiga passou mal e contou com o apoio de pessoas de outra escola. “No ano passado, a bateria da FEA e a bateria da GV (Fundação Getúlio Vargas) tocaram juntas Foi bem legal”, afirmou Leonardo Oliveira.

Cartão vermelho

“Começaram a fazer gritos agressivos, frases homofóbicas e machistas”, disseram Bianca Gomes, Isabela Silva e Beatriz Sato, graduandas da EEFE (Escola de Educação Física e Esporte da USP), sobre a postura de torcedores do Complexo Educacional FMU em uma disputa. Um tópico que está em ebulição no âmbito universitário é levantado na fala delas: a luta contra o preconceito e a opressão. O Coletivo Eefeminista ressaltou que as músicas da bateria da EEFE degradam as mulheres e, por isso, há o desejo de que esses hinos acabem. Este posicionamento “está resultando  na formação de uma torcida alternativa, composta só por meninos que não aceitam essa crítica do nosso coletivo”, declarou a organização através de sua página.

Membro da torcida feana, João Francisco Vargas Meireles garantiu que músicas da unidade estão mudando em prol do desaparecimento de agressões machistas e LGTBfóbicas. Aline Naomi, aluna e participante da bateria da ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), apoia o coro contra as falas preconceituosas. De acordo com Aline, é difícil combater essa realidade, “porque as pessoas não percebem o preconceito ou acham que tudo bem reproduzir esse tipo de discurso em competições”.

Na página do JUCA 2016 (Jogos Universitários de Comunicações e Artes), garotas expuseram o incômodo contra a página do Facebook “JUCAts”, que realiza uma espécie de “eleição das meninas mais bonitas do torneio”. A hashtag #TrancaSuaBarracaNoJucaSeNãoEuInvadoHein reproduzida na página também foi denunciada pelas mulheres. Participante da bateria da Faculdade de Direito da USP, Luiza Rehder atestou que músicas ofensivas foram excluídas. “Estamos evoluindo nisso”, afirmou a estudante.

“Estamos tentando construir um mundo melhor e os jogos universitários fazem parte disso”, concluiu Meireles.  O desejo de muitos é que agressões verbais e brigas físicas não sejam toleradas dentro e fora do campo.

Por Heloísa Iaconis