Atléticas combatem machismo nos inters

Tradicionalmente, no feriado de Corpus Christi são realizados diversos Jogos Universitários, competição em que faculdades se enfrentam esportivamente ao longo de três ou quatro dias, tanto nas modalidades femininas quanto nas masculinas. Além das questões estruturais que um campeonato desse porte traz, as atléticas vêm, cada vez mais, se preocupando com opressões durante esse tipo de evento, chamado de inter pelos participantes.

Recentemente, a Associação Atlética Acadêmica Visconde Cairu (AAAVC), da FEA-USP, organizou o InterUSP das Minas, uma roda de conversa entre as alunas das faculdades que participam do InterUSP para discutir os abusos e opressões que ocorrem durante os Jogos. Ao todo, são oito atléticas organizadoras do campeonato esportivo: Faculdade de Economia e Administração (FEA), Escola Politécnica (POLI), Medicina Pinheiros, Medicina Ribeirão Preto, Faculdade de Odontologia, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), Faculdade de Farmárcia e Faculdade de Direito. Segundo Victoria Pizzoti, diretora de projetos da atlética da FEA e quem está por trás do evento, o intuito era iniciar a movimentação entre essas faculdades e tentar conscientizar alunos e torcidas sobre suas ações durante o inter, visando combater opressão contra mulher nesse ambiente. “Nós sentimos a necessidade de criar essa campanha porque, como atletas e meninas da gestão da Atlética, sabemos o quão recorrentes são casos de assédio e abusos nos inters, e também como as atléticas não costumavam fazer nada a respeito”, diz.

Para ela, o universo esportivo universitário é machista em diversos aspectos: a valorização do jogos femininos é menor, as atletas são desencorajadas a praticar esportes tidos como masculinos — futsal e rugby, por exemplo — e as comissões técnicas são majoritariamente compostas por homens. Nos inters, esse cenário fica pior. Há uma rivalidade histórica entre as faculdades, cujas torcidas cantam gritos de ódio, carregados de expressões machistas, direcionados principalmente às mulheres, que ressaltam características individuais das atletas como forma de atingir o adversário.

O fato de as faculdades serem próximas entre si foi um ponto positivo na articulação do InterUSP das Minas, pois deu o suporte que uma ação conjunta requer. Como resultado, conseguiram exigir da Liga Organizadora que fosse obrigatória a presença de um representante nas tendas existentes na cidade — espaço em que os alunos se reúnem para interagir –, funcionando como uma alternativa aos seguranças em caso de abuso. Além disso, confeccionaram cartazes para serem distribuídos pelo alojamento — local em que os alunos dormem durante os quatro dias de competição — e faixas e bandeirões para os jogos.

Time de vôlei da ECA segura faixa contra machismo no JUCA 2015 (foto: Ecatlética)
Time de vôlei da ECA segura faixa contra machismo no JUCA 2015 (foto: Ecatlética)

A resposta ao Interusp das minas, segundo a organização, foi bem positiva. “A iniciativa é muito boa e também muito necessária. Nos jogos universitários, em geral, acontece muita opressão, vindo tanto da arquibancada, com gritos machistas e LGBTfóbicos, como em casos de abusos nas festas. Os relatos são inúmeros”, afirma Raissa Martins, uma das idealizadoras da ideia de reunir as mulheres para conversar sobre o assunto. Mesmo para aquelas que nunca sofreram nenhum tipo de assédio durante a competição, a existência deste espaço de discussão é vista como importante: “acredito que eventos como o InterUSP são ótimos para mostrar que esses assuntos devem ser discutidos até em eventos divertidos, sem foco acadêmico”, diz Bárbara Pozzan, aluna de engenharia ambiental na POLI.

“Sou mulher e jogo muito”: cartaz foi confeccionado durante o evento InterUSP das Minas (Foto: Rafaela Milfo)
“Sou mulher e jogo muito”: cartaz foi confeccionado durante o evento InterUSP das Minas (Foto: Rafaela Milfo)

Apesar de o posicionamento aberto contra opressões e machismo ser uma conduta recente por parte de atléticas, a iniciativa da AAAVC não foi pioneira: nos Jogos de Comunicações e Artes (JUCA) de 2015, o Coletivo Feminista da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP fez faixas e bandeirões para serem utilizado na torcida, dando visibilidade ao assunto em outro inter que acontece no mesmo feriado. “Entrar na final do futsal feminino, que é uma das modalidades mais populares, com uma faixa escrito ‘ECA contra o machismo’ é um grande avanço”, opina Isabela Guasco, aluna de Relações Públicas. É difícil para as entidades controlarem as torcidas e os gritos proferidos durante a torcida, mas a conscientização pré-inter é algo que contribui para a diminuição de casos de abuso e assédio, de acordo com as mulheres que vão às competições.

Alunas pintam faixa que será levada ao próximo InterUSP (Foto: Rafaela Milfo)
Alunas pintam faixa que será levada ao próximo InterUSP (Foto: Rafaela Milfo)