Campanha de H1N1 começa com falta de vacinas

A imunização nacional foi marcada por longas filas em várias cidades de São Paulo

Segundo o Ministério da Saúde, neste ano, já foram registrados ao menos 290 óbitos de infectados pela Influenza A no Brasil, e mais de 1500 casos, dos quais a Região Sudeste concentra a maior parte. Em razão desse surto, a cidade de São Paulo antecipou a vacinação, que aconteceu em 11 de abril, para conter o avanço da disseminação, a princípio utilizando os lotes remanescentes de 2015.

Oficialmente, a campanha nacional contra a gripe teve início no último dia 30. A ação engloba somente os grupos prioritários, que são mais propensos a desenvolver complicações graves, e se estenderá a 20 de maio. Apesar disso, municípios sofreram com o esgotamento do estoque na parte preliminar da execução, conforme foi verificado  em Piracicaba, Limeira, Americana, São Pedro, Lindoia, Mogi Guaçu, entre outros. O Ministério da Saúde informou ao Jornal do Campus que está previsto o envio aos estados de 100% das doses destinadas a atender o público-alvo até o dia 13 de maio.

Paulo Lee Ho é diretor da divisão responsável pelas vacinas no Instituto Butantan, que produz a maior parcela dos lotes no Brasil, como mostrou a edição 454 do JC.  Ele explica que a instituição havia entregue até a data da consulta (4 de maio) cerca de 47,8 milhões de frascos que protegem da Influenza A e que haverá uma quantia suficiente para aqueles incluídos no Programa Nacional de Imunização, 25% da população (49,8 milhões de pessoas), ou seja, as categorias de risco: maiores de 60 anos, crianças de seis meses a cinco anos, portadores de doenças crônicas não transmissíveis, servidores da saúde, povos indígenas, gestantes, indivíduos privados de liberdade e os funcionários do sistema prisional.

Sobre a produção tardia das doses, o Ministério da Saúde declara que é necessário avaliar quais as linhagens que mais circularam no mundo no ano anterior. Como a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulga a composição atualizada e autoriza a manufatura em setembro, é só aí que os laboratórios podem importar os reagentes e começar a trabalhar no medicamento. A finalização ocorre dentro de seis meses.

“Após o anúncio, temos um espaço [de tempo] muito pequeno para um quantitativo muito grande. Este é o desafio que enfrentamos todo ano”, conclui Paulo.

A volta do H1N1, que foi observado pela primeira vez em 2009 no México advindo da combinação dos materiais genéticos dos vírus da gripe humana, suína e aviária, assim como sua aparição antes do inverno, abriu questionamentos acerca da eficiência do Estado em controlar epidemias, da importância da vacinação e dos fatores que possibilitaram a retomada da enfermidade.

O retorno

Os membros da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Leonardo Weissmann e Priscila Domingos afirmam que não se sabe exatamente porque a gripe reapareceu e de maneira tão acentuada. As hipóteses são: “É possível que infectados no hemisfério norte trouxeram a contaminação, que se alastrou. Ainda, o número de vacinações pode ter sido insuficiente, resultando em mais pessoas suscetíveis.” O infectologista do Hospital das Clínicas da USP, Olavo Munhoz, compartilha da mesma visão, e conta inclusive que pode ser que haja uma relação com fenômenos climáticos.

Contudo, a posição do Ministério da Saúde é que a Influenza A transita anualmente desde 2009, em menor ou maior intensidade; também pode haver, em relação ao período de inverno, antecipação ou atraso na circulação do vírus. O monitoramento da enfermidade já previa este adiantamento.

Um risco?

Seguindo uma tendência crescente no Brasil e muito praticada nos Estados Unidos e na Europa, o profissional da área da saúde, Fernando Travi é adepto do movimento antivacina. Ele acredita que são negligenciadas as doenças ocasionadas por medicamentos, sendo que cada um geraria mais problemas que benefícios, as vacinas, como um deles teriam potencial para adoecer, provocando alterações na saúde. Isso seria decorrente dos componentes nocivos, por exemplo: mercúrio, alumínio, formaldeído, DNA animal, estabilizantes químicos e antibióticos. Ao que Munhoz rebate: “As substâncias adjuvantes são fundamentais para aumentar a resposta a vacina e possibilitar a produção de anticorpos específicos; podem desencadear reações, mas, em geral, ocorrem a um pequeno contingente e são passageiras.”

O clínico adere ao raciocínio da Biogenia, que considera que a única forma de prevenir as mazelas é ter um modo de vida que não agride a natureza humana, através do bem-estar, da simplicidade, da boa alimentação, do ar e água puros, da movimentação e da manutenção de valores positivos; estes fatores garantiriam uma defesa superior a qualquer método.

Os vírus e as bactérias seriam consequência de desequilíbrios então, deveriam estar em quantidade mínima no corpo, assim, existiriam na qualidade de “guardiões da saúde” e não fariam mal.

Como argumento, Travi cita algumas proposições médicas que discorrem acerca dos malefícios da proteção artificial, dentre eles o livro, inédito no País, DPT: Um tiro no escuro, em tradução livre, que relaciona o desencadeamento do diabetes à vacinação da difteria, coqueluche, e tétano. E a exposição de Harris Coulter na Subcomissão de Trabalho e Saúde do Congresso americano, em 1997, em que se aponta o crescimento de mais de 1.000% nos casos de diabetes no país em 47 anos, cuja curva ascendente, por coincidência ou não, avançou junto com as campanhas e descoberta de novas doses.

Ele também critica a medicalização da saúde: “Há um desperdício de recursos, receita-se um excesso de fármacos para tratar debilidades quando o foco deveria ser seu impedimento e a evolução real da vitalidade.”

O biogenista indicou que o governo norte-americano, desde 1968, tem um seguro contra  adoecimento e morte causados eventualmente pela vacinação, logo, o Estado reconheceria o perigo e estaria preparado para indenizar os cidadãos.

Efeitos colaterais

O pesquisador Paulo Lee Ho conta que ultimamente não houve relatos sérios de adversidade registrados pelo sistema de vigilância em saúde. No entanto, as sequelas virão se o receptor tiver alergia a ovos e derivados, pois a medicação é produzida em ovos embrionados. Outra possibilidade de aversão é se já foi observada alguma sensibilidade em doses anteriores.

Quem acredita que pode desenvolver complicações deve procurar um especialista para se comprovar ou não a suspeita. Os efeitos mais comuns são dor, vermelhidão e endurecimento no local da aplicação, que cessam normalmente em 48 horas, mas pode ocorrer um mal-estar leve, como se fosse o princípio de um resfriado, dor de cabeça, febre, náuseas, tosse e irritação nos olhos.

Marcos Boulos, da Secretaria da Saúde de São Paulo, anuncia que a vacina é uma forma de medicamento, e por isso pode apresentar reações que, na maioria das vezes, estão associadas a particularidades do organismo.

Eficiência

Os doutores da SBI declararam que a eficácia das vacinas é de 50 a 85%, visto que a geração de anticorpos depende de aspectos tal como a idade, o número de agentes patogênicos e alterações no processo imunológico.

O organismo leva dias para ativar as proteínas contra as enfermidades, o que difere para cada um. Em média, de acordo com o Ministério da Saúde, a detecção sucede entre 2 a 3 semanas após a aplicação e a defesa é conferida por até um ano, quando a pessoa está, então, desprotegida da Influenza. Por garantia, a imunidade deve ser adquirida um mês antes da maior incidência da infecção. Ou seja, se o corpo entrar em contato com o vírus no dia subsequente à injeção, ele ainda poderá adoecer.

Melhoramento da imunização

A professora do departamento de Imunologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Valquiria Bueno, constatou que a composição das doses deve ser distinta para os indivíduos. Em uma pesquisa iniciada em 2014, em parceria com a Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e com a Universidade de São Paulo, a cientista investigou a imunidade dos paulistas acima de 60 anos, em comparação com os de 20 a 30 anos, através da cultura de células. Notou-se que a resposta a imunização varia nos grupos e inclusive entre os sexos.

A estatística no Brasil, que é similar a de outros países, é a seguinte: aproximadamente 20% de todas as pessoas com 60 a 70 anos são hospitalizadas por complicações, como pneumonia, mesmo acompanhadas da injeção. Quando a amostragem é de idosos com mais de 80 anos, 50% têm um organismo que não responde ao estímulo. Isso acontece porque há uma modificação na reação imune, o número de células responsáveis por desencadear esse procedimento é menor, além de um sistema imunológico mais fragilizado. A partir daí, é possível pensar em um meio potencializado que se direciona ao grupo que não está completamente protegido das infecções.

Entretanto, para se produzir formulações diferentes, que atualmente é mesma na população inteira, ou distribuir doses espaçadas, para estimular o organismo mais vezes, seria necessário analisar sua viabilidade financeira e estudar a segurança de cada composição.

Compromisso

O artigo 196 da Constituição Federal estabelece a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Apesar do risco de contaminação oferecido por aqueles que não se vacinam, a escolha da imunização é pessoal e não é da competência do governo forçar esta adoção. Desse modo, a única atitude tomada pelo Ministério da Saúde é a campanha de conscientização sobre a prevenção das doenças.

No tocante a essa estratégia, Leonardo e Priscila creem que “os comunicados são eficientes, mas sua duração costuma ser limitada aos períodos de epidemia”. Enquanto a docente da Unifesp opina que a insistência acerca dos malefícios da debilidade deveria ser maior, principalmente pela mídia. Os anúncios precisariam estar em mais lugares para sensibilizar. Caberia também aos próprios indivíduos alertarem e convencerem seu círculo social.

Já o contratado do Instituto Butantan alega que o problema mais relevante continua sendo o pequeno contingente ao qual é ofertado gratuitamente a precaução: “Deixamos de proteger 75% da nação. Porém, é complicado atender a todos anualmente com os recursos e a logística que temos.”

Redução de danos

A professora da Escola de Enfermagem da USP, Cássia Baldini enxerga o bem-estar pela perspectiva da Saúde Coletiva. Ela é crítica no sentido de que o aparecimento de moléstias não são manifestações essencialmente biológicas, crença dos projetos governamentais.

Parte considerável da responsabilidade de prosperar sua vitalidade estaria atribuída ao cidadão. As ações de natureza pública seriam acionadas em função do risco, ao passo que a Saúde Coletiva julga o processo de adoecimento como expressão do desgaste a que os grupos sociais se expõem, uma explicação social que envolve as mudanças inerentes à estrutura da sociedade e suas circunstâncias históricas.

As políticas estatais de saúde deveriam se basear na igualdade, na distribuição de recursos para a infraestrutura urbana, na luta pelo emprego e na proteção.

Do ponto de vista da Saúde Coletiva, as vacinas são tecnologias significativas, que conferem defesa, no entanto, seria preciso monitorar as condições de produção, os interesses em jogo e os efeitos adversos: “É imprescindível que a população tenha acesso à informação e que o método não se torne pouco compreendido e compulsoriamente introduzido.”

Cássia pensa o surto de Influenza como um reflexo do desenvolvimento da agricultura em larga escala. A seleção dos animais para favorecer seu crescimento resultaria na redução da diversidade genética e a acomodação, em aglomerados, implicaria em um potencial de transmissão superior e em maior suscetibilidade. O H1N1 teria eclodido da mistura de suínos da Europa, Ásia e América do Norte, com o comércio internacional de espécies, que segundo a docente, deveria ser moderado.

Prevenção

Houve consenso entre os entrevistados, com exceção do biogenista, de que não seria possível evitar o surgimento de novos vírus. O motivo se deve às mutações dos patógenos; eles sempre se adaptam, de preferência os da gripe, que se modificam mais facilmente. “Os micro-organismos infecciosos atuais são, em muitos casos, decorrentes de outros previamente registrados”, confirma a Sociedade Brasileira de Infectologia.

Alguns fatores contribuem para o aumento de epidemias: a globalização, pelo fluxo acentuado de pessoas, a expansão dos conjuntos urbanos, que auxiliam na disseminação dos agentes, as alterações climáticas, que implicam em consequências não muito compreendidas aos ciclos de reprodução dos micróbios, o avanço sobre os habitats selvagens e as mudanças no transporte de animais e alimentos pelo mundo.

O controle, para os médicos, seria especialmente por meio do investimento em saneamento básico, porque sua falta proporciona a dispersão do patógeno e a vulnerabilidade do corpo. O tratamento é fundamental para conter a aparição de moléstias infecciosas, assim como o ressurgimento das conhecidas.

A respeito desse assunto, Cássia propõe: “A evolução no padrão saúde–doença é muito mais ampla e vigorosa pela implementação de saneamento que através do acesso à assistência médica.”

Além disso, são importantes os cuidados de higiene com as mãos e a manutenção do bem-estar. Valquiria Bueno afirma: “Mesmo usando a melhor vacina, ela não tem eficácia se o receptor não está saudável e adequado para que o método exerça sua função.”

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(arte: Chriss Cass)

Atualização:

Na semana do Dia Nacional da Imunização, celebrado em 9 de junho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) fez um alerta para que a população siga o calendário de vacinação e mantenha sua carteirinha em dia. Para a entidade, a influência dos movimentos antivacinas é preocupante e causa um retrocesso em termos de saúde pública no mundo todo.

A coordenadora do Comitê Científico de Imunizações da SBI, a infectologista Lessandra Michelin, lembra que grandes avanços, como o fim da varíola, só foram possíveis graças à vacinação em massa. Ela ressalta que a influência das correntes antivacinas já se reflete no comportamento da população que deixa de vacinar os filhos e colabora para ressurgimento de doenças que estavam controladas como o sarampo nos EUA e países da Europa, e a caxumba no Brasil.

Por Isabella Galante