USPreta discute produção de artistas negras

Semana das Artes Pretas da Escola de Comunicações e Artes

De 16 a  20 de maio, aconteceu na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), a 3ª edição da USPreta. O evento, também chamado de Semana das Artes Pretas, é organizado pelo coletivo Opá Negra, coletivo negro da ECA, e tem como objetivo trazer para o ambiente universitário rodas de conversa e oficinas com artistas negros, suas produções e suas experiências. O tema escolhido para a edição deste ano foi “A Produção das Mulheres Negras”.

Em meio ao contexto político-social em que a representatividade foi questionada pela opinião pública quando apenas ministros homens compõem o governo interino e que o Ministério da Cultura chegou até mesmo a ser extinto (para depois ser recriado), o Opá Negra trouxe para a universidade 22 mulheres negras para compor mesas e oficinas sobre movimentos sociais, feminismo negro, teatro, artes visuais, entre outros assuntos.

E não é só nos altos cargos do governo que falta representatividade. Os currículos dos cursos de graduação da USP, elogiados por uns e odiados por outros, conhecidos pelo seu conteúdo bastante conservador e desatualizado que contemplam de maneira superficial questões etnico-raciais e brasileiras também foram questionados.  “A vontade de produzir a Semana surge devido à defasagem dos nossos próprios cursos para temáticas que envolvem o mundo negro”, conta Aryani Marciano, estudante de Artes Plásticas e integrante do Opá Negra.

Além de ensinar passos de dança, a o cina de Twerk teve como objetivo promover uma re exão sobre corpo e espaços ocupados pela mulher negra (Foto: Nairim Bernardo)
Além de ensinar passos de dança, a o cina de Twerk teve como objetivo promover uma re exão sobre corpo e espaços ocupados pela mulher negra (Foto: Nairim Bernardo)

A primeira edição, realizada em 2014, teve como foco estudar e compreender o que é arte negra, o que o artista negro brasileiro produz, onde se inserem e em quais campos atuam. A segunda foi focada na apropriação cultural e na representatividade. Já a atual edição se focou na produção de mulheres negras nas artes. O que representa bastante o próprio coletivo, que possui dez membros sendo apenas um deles do sexo masculino.

Uma das atividades do evento foi uma oficina de Twerk, estilo de dança popular, sensual e provocativo com movimentos dos quadris. Original de New Orleans, EUA e com influências de danças de tribos da África Subsaariana, a dança é bastante presente em movimentos e festas negras periféricas de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Segundo a oficineira Ane Sarinara, dançarina e professora de História, “Uma coisa que a dança traz é a segurança corporal e também a autoestima, que é algo muito frágil para mulheres  negras devido ao racismo estrutural”. Ane também é uma das criadoras do Twerk das Mina, grupo que organizou algumas oficinas na USP nos últimos dois meses. “A USP é um local elitizado e levar minas da periferia para este local é também um ato político para mostrar que esse espaço também lhe pertence.“.

Luiza Alves foi modelo de Da Mata em o cina de maquiagem (Foto: Nairim Bernardo)
Luiza Alves foi modelo de Da Mata em o cina de maquiagem (Foto: Nairim Bernardo)

Outra atividade que fez bastante sucesso foi a oficina de maquiagem com a especialista em pele negra, Daniele Da Mata. Como o mercado de produtos estéticos tem quase sempre foco nas mulheres brancas, a maquiadora deu dicas de cuidado e maquiagem para peles negras. A aula que aconteceu na USP faz parte do projeto Negras do Brasil, por meio do qual Daniele viaja por todo o território nacional ajudando mulheres negras a se empoderar por meio da maquiagem. “Além de ensinar a maquiagem o meu foco principal é na autoestima, para que elas se sintam bonitas. Eu recebo convites de coletivos do Brasil e é sempre bom levar esse conversas para ambientes acadêmicos”, conta a maquiadora.

Segundo Ana Julia Travia, aluna do curso de Audiovisual, o apoio vem em forma de capital. “Esse ano, pela primeira vez pedimos e recebemos apoio financeiro da ECA e pela segunda vez do nosso centro acadêmico, o CALC. A gente também realiza pequenas vendas pra arrecadar dinheiro e estamos passando uma caixinha pra pedir colaboração das pessoas. As convidadas precisam de ajuda pra transporte e alimentação no mínimo”.

Da USP pra fora e de fora pra dentro

Duas das atividades da USPreta estavam programadas para acontecer na Escola Estadual Professor Emygdio de Barros, que estava ocupada por estudantes secundaristas. Entretanto, no domingo (15 de maio) os alunos decidiram sair do local e as atividades tiveram que acontecer na ECA., “O principal objetivo do nosso coletivo é cotas na USP e não vamos conseguir lutar por isso aqui dentro, sozinhos e isolados. Temos que levar esse debate pros estudantes que são o futuro dessa universidade. Eles estão lutando por educação, a gente também”, explicou Ana Julia.

Apesar de as cotas raciais e a igualdade de gênero serem uma das maiores pautas do movimento estudantil universitário, a semana que trouxe para dentro do campus mulheres negras artistas teve poucos participantes, principalmente brancos. “Um assunto que é da humanidade não é um assunto que o estudante branco pode estudar? Ele não se sente confortável aqui para discutir um assunto que faz parte da sociedade brasileira? É uma questão para se pensar. Nunca, em nenhum evento a gente restringiu a entrada de uma pessoa. E sempre colocamos que qualquer tipo de opressão não é bem-vinda no nosso espaço”, comenta Ana Júlia. A colega Aryani completa, “Para as pessoas que se sentem desconfortáveis ou acham que o evento não é local para elas, eu peço para se botar no lugar de um estudante negro nessa universidade todos os dias e ver se isso é legal”.