Alunos tornam greve espaço de criação

Oficinas, aulas públicas e cine-debates fazem parte do calendário elaborado pelos estudantes

Durante períodos de greve, são propostas diversas atividades políticas e culturais nos espaços da Universidade. No prédio de Letras, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e na Escola de Comunicação e Artes (ECA), ambos ocupados por alunos, foram pensados calendários semanais de encontros, discussões, exibições de filmes e oficinas dos mais variados temas com o intuito de discutir temas que são deixados de lado durante as aulas.

“A gente vem de uma série de greves que ficaram bastante esvaziadas por não existir espaço para os estudantes debaterem. Então a gente pensou a ocupação, em primeiro lugar, exatamente para poder ressignificar o espaço da Universidade”, afirma Flávia Toledo, estudante de Letras e integrante do comando de greve.

Instalação no departamento da Letras, na FFLCH, mostra linha do tempo de todas as reivindicações e resultados de greves desde 2000 (Foto: Giovanna Lukesic)

Estão presentes nos calendários de greve oficinas – tanto de habilidades requeridas nos cursos (edição de vídeos, construção em bambu) como extracurriculares, de dança, autoconfiança em público, defesa pessoal e kung fu, por exemplo. Temas como acessibilidade, aquecimento global, a tragédia em Mariana e a conjuntura internacional também estão sendo debatidos.

Os eventos propostos pelas ocupações estão atraindo as pessoas para o campus nos institutos em que as aulas estão suspensas. Segundo um aluno que não quis se identificar, a greve desse ano está mais forte e mobilizada do que a de 2014, com participação de muitos calouros e veteranos, o que possibilita uma interação maior entre a comunidade e o espaço.  “As atividades são muito importantes porque possibilitam uma real interação entre pessoas que convivem lado a lado, mas nunca encontram tempo para dialogar ou trocar experiências”, opina.

Foi assim que Gustavo Drullis, ingressante de 2016 do curso de Jornalismo, tomou conhecimento dos problemas do departamento onde estuda: “Acredito que as pessoas estão debatendo e aprendendo nesse período de greve. Só fiquei sabendo de alguns problemas da USP por causa de atividades de greve, assembleias e discussões com amigos e outras pessoas. Descobri, por exemplo, que no meu próprio departamento, o CJE [Jornalismo e Editoração], há falta de professores”.

A contratação de docentes e funcionários é uma demanda de diversos institutos, não só da ECA – também sofrem com isso a FFLCH e o Instituto de Matemática e Estatística (IME), cujos professores dão aula para a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (ICF), Instituto de Biociências (ICB), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Faculdade de Economia e Adminstração (FEA), Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), Instituto de Oceanografia (IO), Instituto de Química (IQ) e Escola Politécnica (POLI), o que sobrecarrega o departamento. De acordo com o Comando de Greve do IME-USP, isso já foi levado para a Reitoria no começo de 2015, e a resposta, dada muito depois, foi apenas a contratação de docentes temporários.

Estudantes comparecem, na ECA, a aula pública com Maurice Politi sobre sua experiência durante ditadura militar (Foto: Giovanna Lukesic)

Estão sendo debatidos cortes de verbas nos departamentos, cotas, o porquê de entrar em greve, a legalidade disso e a perseguição aos alunos que estão nas ocupações por parte dos professores e da Reitoria – questões que são internas, estruturais e organizacionais da Universidade. Mas as atividades planejadas pelos estudantes também se relacionam com o que está acontecendo no país de modo geral. Após uma menina de 16 anos ter sido estuprada coletivamente no Rio de Janeiro, diversos institutos, desde a FFLCH até a Biologia, vêm promovendo eventos que abordam a cultura do estupro e temas correlacionados, como a violência de gênero.

Na Letras, houve uma mesa de discussão sobre o assunto em que foram convidadas funcionárias da universidade. Uma delas foi Vilma Maria da Silva, trabalhadora do bandejão da Física e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas. “Foi enriquecedor. As mulheres deveriam se juntar mais”, comenta. De acordo com Toledo, que estava na organização do debate, foi possível ir além da questão individual e dar um panorama mais geral do que é a opressão contra a mulher. Ainda na linha de opressões, as ocupações História e Geografia, Letras e ECA estão promovendo atividades com recorte de raça.

Outro assunto em voga no Brasil inserido no calendário de greve foi democracia. Vários institutos têm abordado bastante a ditadura de 1964, promovendo cine-debates, mesas de discussão e aulas públicas sobre como era estar na USP nesse período para, assim, tentar traçar um paralelo com a atual conjuntura de repressão. “O momento de greve está contribuindo bastante para que as pessoas adquiram mais conhecimento sobre o momento pelo qual passa a Universidade”, afirma Drullis.

Por Giovanna Lukesic