As creches da USP poderão fechar?

Falta de novas vagas dificulta a permanência das mães na Universidade e ameaça pesquisas
(Foto: Vinícius Almeida)

“A mensagem que as estudantes estão recebendo hoje é de que mulher com filho não tem direito à estudo.” É essa afirmação que Renata*, estudante de doutorado da Universidade de São Paulo, usa para resumir como se sente frente à situação das creches da USP. O processo seletivo para o ingresso de crianças, que acontece anualmente, não ocorreu até agora. Alunas, funcionárias e docentes mães temem o fechamento das creches, importantes não só para a permanência das uspianas, como também para a produção científica.

Pesquisas

De acordo com um dossiê publicado este ano pela APEF (Associação de Pais e Funcionários da Creche Central), no período entre 2009 e 2014, foram 30 pesquisas com base na Creche Central e 107 apresentações de trabalho, incluindo congressos, seminários, oficinas, etc. Em Ribeirão Preto, como afirma a estudante de doutorado Renata, “há um grupo de pesquisa cujo laboratório é a creche. São especialistas em infância, então há pediatria, neurociência, pedagogia, enfermagem.” O ingresso nas creches sempre ocorreu através de processo seletivo. As vagas são comumente divididas em 40% para filhos de alunas, 40% para funcionários e 20% para docentes. “Um dos pontos interessantes das creches é a diversidade, há crianças de inúmeras classes sociais, não é excludente”, diz Suzana*, funcionária da Universidade, no campus Butantã, na capital. Porém, o processo para o ingresso em 2015 foi cancelado, e nenhuma criança entrou por meio dele. Só após algumas manifestações por parte de estudantes, funcionárias e docentes que tinham filhos nas creches foi possível que crianças com irmãos já nas creches pudessem entrar. “Uma porcentagem pequena conseguiu. A justificativa foi a falta de dinheiro, que faltavam funcionários, mas eu vi que sobravam”, diz Suzana. Nenhum processo seletivo para este ano foi aberto, e a funcionária afirmou que “os que estão nas creches vão continuar, mas ninguém mais vai entrar. Quando os que estão lá não precisarem mais, os funcionários e professores vão ser remanejados, transferidos para outros locais”. Atualmente, são cinco creches vinculadas à SAS (Superintendência de Assistência Social). Três delas ficam em São Paulo, duas na Cidade Universitária e uma próxima à Faculdade de Saúde Pública. Há também uma em Ribeirão Preto e uma em São Carlos, no interior de São Paulo. Além disso, há dois centros de educação infantil, dos quais um em Piracicaba e o outro em Bauru, ambos ligados às prefeituras dos campi. No Hospital Universitário havia uma unidade com configuração de creche, que foi fechada no início do ano.

Funcionárias

A questão que entra em cheque nesse ponto afeta diretamente os trabalhadores das creches, como afirma Laura* funcionária de uma das creches. “A parte mais crítica para nós é quando se pensa na questão da manutenção do emprego, do que você escolheu como profissão, e o que fazer depois, o que foi investido de formação”, diz. “Eu tenho 15 anos aqui, por exemplo. A gente precisa que as pessoas entendam o que é que está sendo fechado. Não são apenas vagas para as crianças. Além disso, nós funcionárias não somos “peões” em um tabuleiro, não está tudo bem se eu sair da creche e for remanejada para a biblioteca.” Já de acordo com Renata, a situação é mais crítica na creche chamada Oeste, que fica na Cidade Universitária. Lá, há capacidade para 105 crianças, mas apenas 55 estão matriculadas. “No momento, são 45 funcionários para 55 crianças. No próximo ano, provavelmente, 15 delas irão sair, sobrando 30. Ou seja, vão ter mais funcionários do que crianças”, conta. Renata diz que existem funcionários que trabalham há anos e que sempre sofrem ameaças de que as creches onde trabalham serão fechadas. Por outro lado, a assessoria de imprensa da reitoria afirma que não há previsão para o encerramento das escolas, e que o atendimento às crianças já matriculadas continua ocorrendo normalmente. Ela também garante que docentes e funcionários com filhos que não estão matriculados recebem auxílio-creche normalmente.

Gastos

De acordo com o dossiê elaborado pela Comissão Creches Mobilizadas USP, formada por pais, professores e funcionários das creches, que utilizou o anuário estatístico da USP (2009- 2014) como base, a situação em que as creches se encontram, hoje em dia, trazem prejuízos econômicos à universidade. “Pegamos todos os dados do Portal de Transparência quanto às finanças e encontramos, por exemplo, que uma criança para a Universidade, no auxílio-creche, custa em torno de 7,5 mil, anualmente. Se ela estiver na creche, custa 5 mil. É mais barato deixar a creche funcionando”, diz Renata, uma das autoras do dossiê. “A creche, dentro do orçamento, está ao redor de 1.4%, apenas. Se fechar, não vai poupar nada”, contrariando as justificativas relacionadas à ausência de recursos para os possíveis fechamentos. A assessoria da reitoria afirma que atualmente, cerca de 400 crianças frequentam as creches, o que representa um custo de 28 milhões anuais para a universidade. Já os docentes e funcionários recebendo auxílio- -creche somam um custo total de 22 milhões anuais. O grupo autor do dossiê buscou soluções dentro do Conselho Universitário: “Tivemos resposta de alguns conselheiros. Falávamos especialmente das pesquisas, levamos artigos de acadêmicos estrangeiros sobre as creches, e isso aos poucos mudou a ideia de algumas pessoas. “A gente queria mostrar para eles do que se tratam as creches. Elas são grandes, têm muito valor”, afirma Suzana.

Violência

Muitas das alunas que têm filhos nas creches estão na pós-graduação. A estudante de doutorado, Renata, relata que episódios de discriminação têm ocorrido com muitas mães estudantes. “Tem unidades em que as meninas abertamente são orientadas a não ter filho, outras que são isoladas, professores não querem orientá-las”, diz. “Colocam em juízo se a aluna é competente ou não para acompanhar um doutorado ou mestrado. Essa violência é muito clara. Conheço meninas que estão tendo que trancar a faculdade porque não há creches e tem que levar o filho para a USP. Estão tendo que renunciar ao direito de estudo.”

SAS

O Jornal do Campus entrou em contato com Waldyr Jorge, atual superintendente de Assistência Social da USP, para esclarecer alguns dos pontos presentes nos dossiês, como a não abertura de vagas, gastos nas creches e valor no orçamento. Até o fechamento desta edição, não obtivemos respostas. *Nome fictício. Fontes não quiseram ser identificadas por medo de perseguições.

* Nomes fictícios. As identidades foram omitidas a pedido das fontes.

Por Vinícius Almeida