As lutas e os desafios nas festas na USP

Celebrações na cidade universitária encontram entraves urbanísticos e políticos, mas resistem
festascampus
Coro de Cárcaras, grupo muito popular entre os estudantes, se apresenta durante FAUJunina na última sexta-feira, 17 (Foto: Tiago Aguiar)

A última sexta-feira (17) foi uma noite atípica na Cidade Universitária: pela primeira vez em algum tempo uma festa independente – e um tanto quanto secreta – prometia agitar as alamedas escuras do campus Butantã.

Quase nada saiu como planejado (leia mais aqui), mas a USPsicodélica recolocou em discussão a proibição de festas na universidade. Desde a morte do estudante Victor Hugo Santos e a probição da venda de bebidas alcoólicas no campus, entidades estudantis das faculdades têm levado suas festas para fora da cidade universitária e encontros tradicionais como as Quintas I Brejas, na Escola de Comunicações e Artes (ECA), lutam para sobreviver.

Hoje o principal documento referência para a produção de festas é a Resolução 7088, de 26 Agosto de 2015, da Reitoria.

João Meireles, presidente da Liga Atlética Acadêmica da Universidade de São Paulo (LAAUSP) durante o ano 2015, diz que “foi elaborado um projeto de nova portaria em que ficava bem claro as obrigações que cada entidade tinha que cumprir se que quisesse realizar uma festa, como um corpo técnico que iria avaliar as condições de segurança e limpeza do espaço proposto pelos estudantes, por exemplo. Mas esse plano não prosperou. Não sei porquê”.

No entanto, há sempre um “jeitinho”. “A própria lei estadual que descreve o que considera bebida alcoólica, coloca em 5% o teor máximo aceitável, o que permite que algumas cervejas se insiram nesse ambiente”, diz Meireles.

A clandestinidade já levou membros de entidade estudantis da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) a sindicâncias segundo apuração do JC.

Estudantes, contudo,  permanecem organizando festas como a FAUJunina, que ocorreu na sexta-feira (17) simultaneamente à USPsicodélica.

Clandestinidade desde sempre

Não é de hoje que a programação festiva dos alunos do campus Butantã vive à margem da regularização. Sérgio Gomes, que estudou jornalismo na USP na primeira metade da década de 1970, diz que a ECA teve papel fundamental no começo da vida cultural universitária.

“Decidimos que a ditadura não existia. Fazíamos festas, reuniões e outras atividades. A ECA foi a primeira escola que fez programação cultural de sábados, totalmente tocada pelos alunos”.

“Depois de um momento pós 1968, que foi uma espécie de atmosfera de luto, o imobilismo foi superado por momentos de encontro, reanimação, criação e troca de ideias”, diz a cartunista Laerte, contemporânea de Sergio.

A USP e a cidade

Clandestinas ou não, atividades festivas e culturais que acontecem na Cidade Universitária atraem pouco pessoas de fora da comunidade uspiana. Para a gestora de políticas públicas de cultura, Jonaya de Castro, a USP é isolada e pouco convidativa.

“Eu acho que não existe uma cultura de frequentar a USP como poderia existir. Atividades culturais são um convite legal para frequentar um espaço público incrível como a Cidade Universitária. Já pensou um edital de ocupação cultural na USP? Para grupos e coletivos ia ser super bacana”, afirma ela.

Para a professora da FAU, Ana Castro, o projeto arquitetônico do campus Butantã, apesar de mais “afastado da cidade” reúne todas as condições urbanísticas para ser um grande parque, onde diversos eventos culturais poderiam acontecer. “O melhor exemplo disso foi o programa Bem Brasil, da TV Cultura, que durante anos programou shows de MPB na concha acústica na Rua do Lago, reunindo centenas de pessoas”, diz.

“Entretanto, a uma certa altura, decidiu-se fechar a USP para a cidade. Do meu ponto de vista isso é uma pena, pois afasta a vida universitária da cidade e vice e versa, apartando a população do que acontece aqui dentro”, explica Castro, que cita ainda o fato da estação de metrô Butantã ter sido construída fora do campus como um fator que contribui para esse isolamento.

Para a organizadora da USPsicodélica é preciso abrir a Universidade. A produtora acredita que sua festa trouxe pela primeira vez em algum tempo um grande número de pessoas ao campus (fato constatado pela reportagem) e que pôde abrir portas para o entendimento do que a USP significa “se 1% desses jovens se interessar em retornar após a nossa festa, já nos damos por satisfeitos”.

Revitalização na cidade  

Desde 2005, com a primeira Virada Cultural, São Paulo vive um movimento de aumento de festas e shows com caráter público e aberto.

Laura Diaz, produtora e ex-estudante da ECA, viveu esse processo dentro e fora do campus: “de 2007 até 2014 fizemos muitos eventos num mesmo contexto em que foram aparecendo a Voodoohop, Gente que Transa, Baile Parangolé, Mamba Negra, Venga Venga e vários outros soundsystems e coletivos. Esses e outros que se envolveram nas atividades culturais da USP representavam não só uma conexão com a efervescência da cena de São Paulo, mas também um contato do eletrônico com o orgânico”, diz ela, que atualmente toca o Mamba Negra e é cantora de eletrônico.

Para Jonaya, outro exemplo importante quando se fala em mobilização cultural na capital paulista são os saraus. Nesse sentido, grupo recém-criado por estudantes das artes cênicas, o Sarau da Resistência, – e que pretende realizar um evento nesta sexta (24) – é um diálogo imediato com essa cena da cidade.

Há ainda iniciativas como o VAI [de autoria de um professor da USP, o vereador Nabil Bonduki], que é um edital de valorização de iniciativas culturais e artísticas. “O VAI é importante para caramba porque ele garante uma sustentabilidade mínima, sofrida, mas garante uma sustentabilidade e uma distribuição de verba para a cena independente e distribuída de São Paulo”, afirma Jonaya, que acredita que a política deveria ser elevada à “décima potência”.

Resistência no campus

Nos últimos anos, entre as iniciativas promovidas com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, a maior foi a “Tenda Ortega y Gasset”, com intensa programação ao longo de 4 meses em 2014, na Praça do Relógio.
As principais iniciativas de resistência às proibições foram os Festivais do Cão, antes e após a demolição do Canil e as calouradas – promovidas tradicionalmente pelo DCE -, além de centenas de festas de menor porte que ocorrem quase semanalmente no campus.

Hoje, o “grupo de agitação cultural” Coro de Carcarás é um dos principais responsáveis pela ponte entre as festas dentro e fora do campus. Com estética e mensagens de resistência às proibições, o Coro é onipresente nas festas no Campus e cada vez com mais frequência é visto em outros espaços da cidade.

Na sua página na web, o grupo define a sua luta: “Buscamos produzir um anti-urbanismo, um projeto de desconstrução da ordem, urbanismo vivo, revolucionário que se desenvolve por meios não-convencionais: teatro, cinema, música. Como dizia Oswald chegou a hora de iniciar a construção brazyleira no movimento de reconstrução geral!”

Leia a cobertura sobre a festa USPicodélica aqui.

Por Isabel Seta e Tiago Aguiar