Mudança na avaliação de docentes gera debate

Criação de Comissão que analisaria professores pode diminuir “liberdade acadêmica” na USP
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(Foto: acervo de imagens USP)

Não é novidade pra ninguém que a Universidade de São Paulo enfrenta hoje uma de suas piores crises. Basta andar pelos campi para perceber que o asfalto das ruas está ruim, os computadores de muitos departamentos estão ultrapassados e lentos, os prédios precisam de reformas, as salas de aula de muitos prédios são pequenas para a quantidade de alunos atendidos. Além disso, o orçamento da universidade está completamente comprometido com o pagamento dos salários de funcionários, segundo a reitoria. Na esteira desta crise, uma proposta de mudança da avaliação dos docentes é vista pela Associação de Docentes da USP como uma forma mais rápida de enxugar a folha de pagamento. Só que, para eles, essa alteração não é nem um pouco positiva.
Atualmente, de acordo com a Adusp, um professor recém-chegado à universidade tem que produzir três relatórios sobre o seu trabalho, um a cada dois anos. Esses documentos passam por algumas instâncias da unidade de ensino com a qual o professor está vinculado e, na sequência, chegam à CERT (Comissão Especial de Regimes de Trabalho). Esse grupo costuma dar parecer que segue a mesma linha da avaliação do departamento do professor novato. A novidade, proposta pela reitoria, seria a criação de uma outra equipe de avaliação docente, a Câmara de Avaliação Permanente, a CAP, que passaria a ser responsável por avaliar os relatórios produzidos pelos docentes. O time de avaliadores desse novo grupo seria composto por membros indicados pela reitoria. Além disso, os novos professores passariam a produzir apenas dois relatórios ao invés de três — um a cada três anos –, e os que já trabalham há mais tempo na universidade produziriam pareceres quinquenais.

A associação dos docentes alega que essa mudança na avaliação do trabalho dos professores fará com que a análise do que os docentes fizeram durante um determinado período ficará nas mãos da reitoria, já que os membros da comissão examinadora seriam indicados por ela. Os critérios utilizados por uma instância universitária que não está muito próxima do dia a dia da sala de aula poderão levar a uma análise equivocada da qualidade do trabalho de um docente. “A avaliação passa a ser centralizada, e acabam sendo desconsiderados os contextos de atuação dos docentes, reduzindo o complexo trabalho de produção e difusão do conhecimento a índices de produtividade”, explica Ivã Gurgel, um dos diretores da Adusp e professor doutor do Instituto de Física da USP.

Ele alega que para diminuir a quantidade de funcionários (e os docentes estão incluídos nesse grupo), a reitoria poderá punir quem não trabalha de acordo com os seus posicionamentos e desejos com medidas brandas, ou até com a demissão de professores. Com isso, seria desafogado o orçamento da Universidade de São Paulo, já que haveria um enxugamento de seu quadro de funcionários. Este é o principal argumento da Adusp para justificar seu posicionamento contrário às mudanças na avaliação docente.

A reitoria da USP, por outro lado, diz que a medida visa aprimorar a Universidade e suas estruturas internas. O trabalho de avaliação docente que hoje é realizado pela CERT passará a ser englobado pela Comissão Permanente de Avaliação. Este organismo, por sua vez, possuirá duas instâncias: a CAI (Câmara de Avaliação Institucional) e a CAD (Câmara de Avaliação Docente), e cada uma delas contará com nove membros indicados pela reitoria e homologados pelo Conselho Universitário (Co). O presidente e o vice-presidente da CAP também serão escolhidos pela reitoria. Os docentes serão avaliados também seguindo um dos três eixos propostos: pesquisa, ensino ou extensão.

A última reunião do Co, que ocorreu em junho, discutiria a mudança no regime de avaliação dos docentes. A Adusp se opôs às alterações, e depois de muito debate, foi anunciado pelos presentes no evento que o  reitor Marco Antonio Zago acabou optando pelo adiamento da análise das propostas do dia 28 de junho para o mês de agosto.  

A Adusp salientou que não se opõe à avaliação do corpo docente, mas defende que essas análises sejam realizadas de forma democrática, e baseadas no diálogo com todos os envolvidos. Ivã Gurgel disse que “o mantra da ‘boa gestão’ que se tornou comum nas falas cotidianas esconde por trás dele muitas coisas que ocorrem: corte de direitos sociais, precarização das condições de trabalho, abandono de princípios políticos (como o ideal de universidade pública); ou seja, a economia pode custar caro”, justifica.

Mudanças no RDIDP

A USP possui aproximadamente 5,7 mil docentes que trabalham no regime RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa). Ele permite que o professor dedique apenas 120 horas anuais a trabalhos realizados fora da universidade. Esse regime de trabalho faz com que os docentes se dediquem só à USP praticamente, o que, em teoria, enriquece as pesquisas desenvolvidas no âmbito acadêmico e faz crescer a qualidade dos cursos oferecidos nos mais variados departamentos dos campi.

Muitos professores que se contrapõem às medidas alegam que o afrouxamento da obrigatoriedade do professor permanecer a maior parte de seu tempo na universidade poderia prejudicar a produção de conhecimento na USP.

Procurada para comentar as mudanças no RDIDP, a reitoria disse que não há nenhuma mudança em discussão. Quando questionada sobre os mais de dois mil docentes que trabalham também fora da universidade mesmo tendo contrato de dedicação exclusiva, a assessoria de imprensa alegou que eles podem se dedicar a outras atividades, desde que autorizadas pela Comissão Especial de Regimes de Trabalho (a CERT, que hoje realiza a avaliação dos relatórios produzidos pelos professores novos, segundo a Adusp).

O que eles disseram

“Os pontos negativos são muitos, mas que podem ser resumidos por uma síntese que caracteriza o processo: uma avaliação centralizada, na qual são desconsiderados os contextos de atuação dos docentes e que busca reduzir o complexo trabalho de produção e difusão do conhecimento a índices de produtividade, que em geral são muito pobres como representantes do trabalho intelectual.”

“Esta avaliação não provocará a melhoria dos trabalhos feitos pelos docentes. Implicará somente em um mecanismo de controle e punição que servirá, em ultima instância, a ajustes de orçamento da universidade.”

Ivã Gurgel, membro da Adusp

“A Reitoria esclarece: não é verdade que o reitor tenha a intenção de extinguir o RDIDP ou fazer alterações nos regimes de trabalho dos docentes. Essa boataria não procede. Só interessa a quem quer envenenar o ambiente universitário com mentiras e maldades.”

“O reitor tem compromisso inabalável coma universidade pública e gratuita e, como professor de tempo integral, conhece bem o valor insubstituível desse regime de trabalho para o progresso da ciência e para o conhecimento.

Assessoria da Reitoria

Por Rafael Ihara