Prova de habilidades específicas da FAU gera discussão

Excludente ou necessária? Estudantes e professores se dividem sobre importância do exame

O fim da prova de habilidades específicas para o ingresso em arquitetura e design é uma das bandeiras da greve dos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, deliberada em assembleia nos dias 17 e 18 de maio. A prova visa analisar o potencial dos candidatos e visualizar a proximidade dos candidatos com a linguagem visual e arquitetônica.

Diferentemente de outras provas específicas para carreiras artísticas, como música e artes visuais, a prova da FAU acontece em dois dias depois da fase de conhecimentos gerais do vestibular da Fuvest. A prova é feita por uma comissão de professores da FAU e é dividida em geometria, desenho bidimensional I, II e desenho tridimensional. Ao todo são 190 estudantes que ingressam anualmente (150 em arquitetura e 40 em design) e as notas de corte são altas em relação aos outros cursos da universidade: são necessários 57 pontos para passar para a segunda fase em arquitetura e 55 em design, segundo dados da Fuvest de 2016.

Os alunos contrários ao exame o criticam por ter um caráter “antidemocrático” e “elitista”, já que aborda conteúdos específicos que não são ensinados no Ensino Médio, dificultando o ingresso de alunos que não têm possibilidades financeiras de pagar por um cursinho em linguagens arquitetônicas (LA). “A arquitetura sofre com essa cobrança de técnicas que eles teriam que aprender na faculdade, mas na realidade estão sendo cobrados antes de mesmo de chegar na universidade”, afirma o estudante Felipe Guimarães Lima, calouro de arquitetura.

Perfil socioeconômico dos candidatos inscritos para a FAU no vestibular da Fuvest de 2016 (Arte: Jeferson Gonçalves)

O questionamento sobre a prova de habilidades específicas não acontece apenas entre os estudantes. O professor Renato Cymbalista, do departamento de História da Arquitetura, é favorável ao fim da prova pelo próprio Plano Político Pedagógico da FAU: “Nós formamos um “arquiteto humanista”, que pode atuar em diversos campos das disciplinas da Arquitetura e do Urbanismo: na crítica, na teoria, na curadoria, no ativismo e também nas políticas públicas”, ele explica. “Com a prova estamos selecionando com base no desenho, mas o profissional que formamos vai muito além disso”. Ele afirma também que nunca presenciou um debate sobre os conteúdos da prova específica e sua relação com o curso da FAU. “Isso mostra que a prova de habilidades específicas está em um lugar bizarro no nosso curso: ainda que ela defina em grande medida quem entra e quem não entra na FAU, ela não está integrada ao nosso cotidiano como docentes”.

Há também professores que justificam a importância da prova, como o docente Rafael Antônio Cunha Perrone, do departamento de Projeto. Para ele, a realização do exame é essencial para selecionar os candidatos que sejam vocacionados à arquitetura e se interessem pela área visual. “Acho que então os alunos deviam questionar as provas de física e português, por exemplo, que também discriminam, porque um arquiteto não precisa saber tanto dessas coisas quanto uma pessoa que vai entrar em engenharia”, Perrone explica. Para Perrone, um modo de contornar essa desigualdade no ingresso seria o sistema de cotas e a prova específica poderia ser colocada antes do vestibular de conhecimentos gerais da Fuvest.

CursinhoLA

Como muitos desses elementos não são ensinados no ensino básico regular, a cada ano aumenta-se o mercado de cursinhos pagos que treinam o vestibulando para as provas específicas. Com o objetivo de oferecer um cursinho gratuito para pessoas de baixa renda, em 2011 surgiu o CursinhoLA: um cursinho livre e popular, iniciativa dos alunos da própria FAU. Os estudantes oferecem aulas semanais sobre linguagem arquitetônica para as provas de habilidades específicas, tanto da USP quanto de outras instituições. “O nosso enfoque é democratizar o ingresso à FAU e nosso trabalho é tanto o cursinho em si mas também a discussão dentro da universidade sobre a prova de habilidades especificas”, explica Níkolas Rodrigues Silva, que está no 5º ano de arquitetura e é um dos monitores do cursinho.

Nas aulas, os alunos do CursinhoLA compartilhas técnicas de desenho e de linguagens artísticas (Foto: Arquivo/CursinhoLA)

As aulas acontecem aos sábados e têm início no segundo semestre de cada ano. Há aulas de tema aberto, em que os monitores e alunos visitam outros lugares, como o Sesc Pompeia e o Centro Cultural de São Paulo, e aulas normais, que tem a primeira parte teórica e depois exercícios práticos. Anualmente ingressam cerca de 150 alunos.

“O primeiro ano que fiz o cursinho foi realmente impactante com relação às pessoas e à forma como as aulas são dadas, não existe relação de poder”, afirma Kaique Xavier da Silva, que entrou esse ano em arquitetura e hoje é um dos monitores. Ele conta que fez 3 anos de CursinhoLA e por isso sabe o quanto a prova específica seleciona as pessoas de modo desigual. “O CursinhoLA fez entrevista com mais de 200 alunos da FAU e só dois não fizeram um cursinho de linguagens arquitetônicas”.

Pra quem é a FAU?

Além do caráter antidemocrático, os alunos questionam também a forma como essas provas são corrigidas, porque os desenhos podem ser subjetivos e não há um modelo de provas com respostas boas e ruins disponíveis para eles se basearem, como há no site da UNICAMP para a prova específica de arquitetura. “Não sou totalmente a favor do fim da prova de habilidades específicas. Só acho que a prova deveria ser mais justa e especificar os parâmetros avaliativos”, afirma o estudante Felipe Guimarães Lima. “A gente recebe uma média das 4 provas e não tem nem o direito de saber como fomos em cada uma individualmente”. Para ele o fim das provas de habilidades especificas pode aumentar a cobrança de outras disciplinas, aumentar a nota de corte e acabar dificultando ainda mais o acesso dos alunos de escola pública à universidade.

Outra questão é que os institutos que têm provas específicas não abrem vagas para o Enem, perpetuando um perfil socioeconômico mais alto entre os estudantes. “A gente tem toda uma discussão de que a FAU não é um lugar pra pessoas que não têm dinheiro”, Níkolas afirma. “Tem problemas para os alunos do design, que têm que imprimir muita coisa e às vezes não têm condições. Já na primeira aula de modelos vivos, temos que comprar muita caneta, nanquim, papel… É difícil”. O professor Cymbalista reitera: “Quem são essas pessoas que terão essa formação de elite: que cor elas têm? De que extrato social são? Estudaram em escola pública ou privada? Se não nos fizermos todas essas perguntas, e se não tivermos boas respostas para elas, nós vamos continuar dando ainda mais privilégios para a mesma elite que estamos formando desde a década de 1940 na FAU”.

Por Isadora Vitti