Que diabos foi a USPsicodélica?

Mal organizada, gerou atritos e aconteceu em data muito desfavorável
USPsicodélica lotou o gramado da FFLCH e ocupou as duas vias da Av.Prof. Luciano Gualberto (Foto: Tiago Aguiar)
USPsicodélica lotou o gramado da FFLCH e ocupou as duas vias da Av.Prof. Luciano Gualberto (Foto: Tiago Aguiar)
 

A USPsicodélica – festa que ocorreu entre o prédio da Letras e o do meio da FFLCH na última sexta-feira (17) – teve circulação de em torno de três mil pessoas e foi duramente criticada por alguns dos participantes e por estudantes, tanto ao vivo quanto nas redes sociais.

No dia seguinte (18) a atlética e o centro acadêmico da Química soltaram nota de repúdio à USPsicodélica –  com posterior assinatura da Atlética da FFLCH. Segundo as entidades “os resultados da festa comprometem a imagem do movimento estudantil e podem servir de falso argumento para a Diretoria da FFLCH-USP, para o Conselho Universitário e para a Reitoria reforçar o programa de repressão às festas dentro do campus, que atingiu níveis insustentáveis na própria quinta-feira”. A AD recolheu parte do lixo nos dias seguintes em acordo com funcionários da FFLCH.

Data e Local

Segundo relatos do CALC (Centro Acadêmico dos estudantes da ECA), entre dezembro do ano passado e abril deste ano, um dos membros da AD os procurou “insistentemente” para a realização na Prainha da ECA. Foi proposta então a incorporação em uma Quinta I Breja – tradicional “happy hour” que ocorre as quintas-feiras -, mas não foi pactuado pois o intuito da USPsicodélica era “ser numa sexta-feira, quando o público não é tão restringido”. Após diversas negativas do CALC – pessoalmente e virtualmente – foi planejada então a realização na FFLCH (com a divulgação só no dia, para quem tivesse doado 1kg de alimento não perecível ou uma peça de roupa).

Por mais que não fosse previsível, o dia escolhido foi um dos piores possíveis. A tensão no campus Butantã era muito alta devido aos episódios de repressão pela Policia Militar, com cinco detidos na noite anterior. Havia contingentes da força tática da PM circulando pelo campus que, inclusive, acompanharam de longe uma assembléia que ocorreu no CRUSP. Circularam boatos de arremesso de bombas durante a noite toda. Até a última hora cogitou-se o cancelamento.

Os mais ameaçados no entanto eram os integrantes da ocupação do prédio da Letras. Nenhum estudante que falou com a reportagem se identificou, mas todos afirmaram que não tinham sido notificados da realização da festa. Muitos permaneceram tensos durante a noite toda e medidas de precaução foram tomadas como apagamento de todas as luzes da frente e convocação a membros reforçarem o plantão. Ainda à reportagem contaram que fotografaram o momento de pixações para que não fossem associada ao movimento da ocupação.

A produtora, AD Produções – também desconhecida até então -, falou com o JC. Disse que procurou a ocupação “semanas antes pedindo inclusive colaboração na elaboração de crafts” o que, segundo ela, não justificaria o desconhecimento total.

Sobre o caso, a AD também se manifestou em nota (publicada no evento virtual) que “integrantes da ocupação vieram pedir para que a festa fosse cancelada/adiada por volta das 18h – pois temiam uma possível reintegração do prédio durante o evento -, mas já estava em cima da hora, com 3 horas apenas para inicio da festa. Até este momento possuíamos o apoio do CAF e do Ceupes, mas após esse pedido ambas as entidades retiraram seu apoio, muito embora não nos tenham impedido de realizar o evento.” O Ceupes – em resposta à nota para o JC – disse que nunca chegaram formalmente apoiar o evento, apenas nunca o vetaram.

festausp
A festa aconteceu com diversas fontes de som a partir de sistemas em porta-malas de carros (Foto: Tiago Aguiar)

A festa em si foi até às 4 da manhã essencialmente abastecida por vendedores de bebida em isopores e ao som de diversos carros estacionados tocando funk, o que gerou reclamações e evasões de quem esperava música eletrônica. Algumas poucas atividades mais lúdicas ocorreram como o “live painting”.

Foram notificados casos de assédio e depredação, o que a AD respondeu como “lamentável, mas infelizmente acontece devido a algumas poucas maçãs podres”. A produtora também afirma “que em nenhum dos episódios relatados há indícios que tenha relação com a festa, exceto as pixações, que não vamos nos posicionar”.

Quando questionada sobre a existência de uma comissão de segurança ou uma comissão contra assédios – praxe em festas na USP, como a FAUjunina que ocorria simultaneamente na FAU – a AD disse que “infelizmente não priorizou em meio à organização”.

Histórico

O evento no Facebook, única forma de divulgação oficial, estava desde janeiro deste ano no ar. No começo parecia uma brincadeira: todos os comentários a tratavam como um “evento falso”. Porém, na medida que o crescimento (orgânico, sem patrocínio nas postagens) do alcance se acelerava e a identidade visual ganhava tom profissional, a comunidade uspiana ficou sem entender do que se tratava. O resultado foi uma grande promessa que não se realizou e um evento que foi classificado pelo seu próprio produtor como “regular”.

A festa estava definida na sua descrição pública como “evento de amigos para amigos, em prol da psicodelia”. Na prática a divulgação atingiu ao menos cinquenta mil pessoas e cumpriu-se menos da metade das performances de artistas do line-up. O evento também era descrito como “colaborativo e beneficente”.

Questionada sobre os propósitos do evento, a AD explicou que “o caráter beneficente e colaborativo foi devido ao não envolvimento com a venda de bebidas alcoólicas e pelas doações arrecadadas para entidades como a COTIC (Centro Organizado de Tratamento Intensivo à Criança) e à Esquenta011”. Afirmou ainda que “foi idealizada para promover os princípios da psicodelia em uma celebração de aniversário, mas que tomou propoções não esperadas e que não pode transcorrer como planejado devido a muitos imprevistos que atrapalharam a organização”.

Nova edição

Uma nova edição, USPsicodélca Fênix, é planejada. Segundo a organização: “a ideia é ocupar a USP também pois é lugar público e autárquico. Mas é claro que se houver apoio das direções, das pró-reitorias e da reitoria, talvez a gente consiga fazer festas com mais abrangência, mais segurança e que possam ter mais benefícios revertidos para a comunidade uspiana e carentes que habitam o entorno e a cidade de São Paulo. Não descartamos essa possibilidade.”

Leia mais sobre a realização de festas no campus aqui.

Por Tiago Aguiar