Vazamento de gravações gera debate jurídico

Ministros de Temer caíram com a divulgação de informações sigilosas; prática é permitida?
(Foto: Agência Brasil)

No dia 12 de maio, tomou posse o presidente em exercício Michel Temer. Isso significa que ele está no comando do Poder Executivo brasileiro há aproximadamente um mês. Apesar disso, a quantidade de acontecimentos que atropelaram Temer nessas quatro semanas de governo poderia fazer com que um desavisado acredite que ele é presidente há muitos anos. Foram tomadas e revogadas tantas decisões e trocados tantos ministros que fica difícil para qualquer pessoa memorizar quem são os titulares de cada pasta.

Mas os acontecimentos que mais causaram alvoroço nos principais veículos de comunicação foram as quedas dos ministros do Planejamento, Romero Jucá, e da Transparência, Fiscalização e Controle, Fabiano Silveira. O primeiro disse, em gravações realizadas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, que precisava estancar a sangria representada pela Lava-Jato; o segundo fez críticas à mesma operação, mesmo ocupando o cargo de principal chefe do Ministério que deve fiscalizar as ações do governo.

Esses dois episódios importantes da política brasileira só se desencadearam graças ao vazamento de informações sigilosas, e acabaram levantando as seguintes discussões: o vazamento de gravações é lícito?; e em que medida a imprensa, com as divulgações, influencia nas investigações e julgamentos da justiça.

Por ser objeto de uma investigação que tramita em sigilo, o material vazado poderia até mesmo ser invalidado como prova — o que dificilmente acontecerá nesse caso, dada a gravidade das denúncias. Na opinião de Floriano Peixoto de Azevedo, professor da Faculdade de Direito da USP, o vazamento de provas de investigações é negativo porque pode ser usado para dar sinais ou negociar silêncios. Alamiro Velludo Netto, docente da mesma faculdade, acredita também que essas divulgações induzem a pré-julgamentos ou invasões desnecessárias à privacidade. “Mas o dever de resguardar sigilo de documentos não se dirige ao profissional de imprensa, mas sim aos agentes públicos”, argumenta.

A cobertura da grande imprensa amplificou consideravelmente a Operação Lava-Jato. Se por um lado a mídia tem a obrigação de reportar os fatos mais importantes, por outro, a “narrativa jornalística costuma caminhar para uma dimensão romanesca, caricaturando os personagens e perdendo a complexidade do mundo real”, explica Velludo Netto. O professor Floriano Peixoto vai além na discussão sobre a influência da grande imprensa nos processos de investigação, e coloca a discussão: como garantir punição a quem pratica ilícitos sem cair na justiça do espetáculo?

Tão importante quanto saber o conteúdo do material divulgado, é saber como a imprensa conseguiu aquela informação. Essa é a opinião de Floriano Peixoto. Para ele, os interesses da fonte tiram a legitimidade da denúncia, e “quem quer fazer uma denúncia legítima, faz isso às claras, vai à imprensa e dá entrevista”. Velludo Netto disse que o que existe é uma relação de ganha-ganha, porque o jornalista que obtém a informação sigilosa ganha prestígio com a denúncia, e a autoridade que vaza o segredo dá publicidade ao seu trabalho.

A presidente afastada Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula tiveram conversas telefônicas gravadas pela Justiça. Esses diálogos foram divulgados pelo próprio juiz responsável pela Lava-Jato. O áudio que mais chamou a atenção entre muitos que vazaram foi o que Dilma dizia que estava enviando a Lula o documento que atestaria que ele era ministro do governo dela. Os que criticam o PT entenderam que o petista deveria usar o papel como um subterfúgio diante da possibilidade da Polícia Federal prendê-lo.

Tão polêmico quanto o conteúdo da gravação foi a decisão do juiz Sérgio Moro, que conduz as investigações pelo caso, de divulgar, sem nenhuma cerimônia, áudios que envolvem duas pessoas tão importantes que estavam em um momento íntimo, informal. Os dois professores ouvidos pelo JC concordam que a conduta de Moro foi juridicamente insustentável. Velludo Netto alegou que houve invasão da intimidade dos cidadãos envolvidos no grampo, e mais: “no caso de Lula e Dilma há ainda outro detalhe: a conversa teria sido captada após a determinação de encerramento da interceptação”. Por isso, o docente da Faculdade de Direito da USP alegou que o episódio marcou “um dia triste para o sistema jurídico nacional”. Já Floriano Peixoto acredita que Moro agiu para evitar um possível retrocesso nas investigações caso Lula conseguisse a nomeação como ministro da Casa Civil.

Prática foi responsável por quatro escândalos recentes

As semanas e meses que antecederam o afastamento da presidente Dilma Rousseff reservaram muitas surpresas para os brasileiros. A cada nova fase da Operação Lava-Jato, um novo susto, uma nova surpresa que poderia fazer Brasília virar de cabeça para baixo. O mais recente escândalo a tomar conta da capital federal foi o vazamento de gravações feitas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro — subsidiária da Petrobras. Afilhado de figuras poderosas do PMDB como Renan Calheiros, ele acaba de fechar acordo de delação premiada no âmbito da Lava-Jato, e derrubou o ex-ministro do Planejamento, Romero Jucá, e o ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Fabiano Silveira.

A queda de dois ministros importantes do governo de Michel Temer só foi possível graças à divulgação de gravações feitas por um sujeito interessado em fechar acordo de delação premiada. Apesar da tentativa de se explicarem, de tentar dar sentido diferente ao que estava claro nos áudios, os dois não conseguiram se sustentar nos cargos. Esse não é o primeiro escândalo causado pelo vazamento de informações sigilosas pela grande imprensa.

Em abril, veio à tona o escândalo dos Panama Papers. 370 jornalistas de mais de 70 países se debruçaram sobre 11 milhões de documentos que vazaram do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, uma das maiores criadoras de offshore do mundo. Aos poucos, os jornalistas estão divulgando nomes de pessoas públicas que possuíam contas no exterior (como o presidente da Argentina, Mauricio Macri, e o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Ter uma empresa offshore não é ilegal, desde que ela seja declarada aos órgãos competentes do país do dono dos recursos.

Pouco antes de Dilma deixar a cadeira de presidente da República, ela foi surpreendida pela revelação de gravações que estavam em poder do juiz responsável pela Lava-Jato, Sergio Moro. O vazamento mostrava Dilma e Lula conversando sobre o documento que comprovaria que o ex-presidente estava sendo empossado como ministro da Casa Civil. No novo cargo, Lula passaria a ter foro privilegiado, e as investigações que diziam respeito a ele passariam a ser julgadas não mais por Moro, e sim pelo Supremo Tribunal Federal.

Em junho de 2013, a relação entre o Brasil e os Estados Unidos sofreu um forte abalo: Gleen Greenwald, que atuava como correspondente do The Guardian, revelou, junto a outros jornalistas de publicações prestigiadas mundialmente com The New York Times e The Washington Post espionagens realizadas pela agência de segurança norte-americana, a NSA. Esses vazamentos só foram possíveis porque Edward Snowden, que trabalhava na agência e discordava das ações de espionagem dos Estados, mostrou esses arquivos para importantes jornalistas que vazaram esses dados.

Por Rafael Ihara