Estudo pode ajudar na apuração de homicídios

Doutoranda da FMUSP investiga atuação de insetos necrófagos na decomposição de corpos
Insetos atraídos por carcaças auxiliarão em casos de remoção de corpos (Foto: Luiza Queiroz)
Insetos atraídos por carcaças auxiliarão em casos de remoção de corpos (Foto: Luiza Queiroz)

Um estudo de doutorado em curso no Instituto Oscar Freire da Faculdade de Medicina da USP vem gerando polêmicas desde sua instalação, em julho desse ano, devido ao mau cheiro causado e devido ao uso de animais. O experimento está sendo realizado em parceria com o Instituto Adolfo Lutz, e consiste em observar os insetos que participam da decomposição cadavérica, utilizando as carcaças de três porcos mortos. Segundo a pesquisadora responsável, Maria Luiza Cavallari, o estudo tem aspectos inéditos no Brasil e contribuirá para as investigações policiais de homicídios, sobretudo em casos de envenenamento ou overdose da vítima. Por conta da repercussão, as carcaças foram movidas alguns metros para que fiquem menos visíveis aos pedestres.

Como os animais ficam expostos para atrair os insetos, o experimento (que inicialmente ficava localizado próximo à calçada) começou a gerar reclamações devido ao mau cheiro, repercutindo nas redes sociais e atraindo a atenção da mídia. Os primeiro veículo a noticiar o caso foi o SPTV, e, posteriormente, a Rede Globo e a Folha de São Paulo também veicularam matérias sobre o experimento. Por conta dessa repercussão, o projeto foi realocado, para que fique mais longe da calçada. Entretanto, a pesquisadora afirma que isso não afetará o experimento, pois o estudo já estava em fase avançada e a mudança foi de apenas alguns metros.  Daniel Munõz, co-orientaodor de Cavallari e professor, explica que a posição do experimento é estratégica, pois fica próximo ao IML (Instituto Médico Legal) e ao instituto de Biologia. “É um local que normalmente vai atrair insetos necrófagos”. A escolha do porco para o experimento também foi fruto de avaliação: “Utiliza-se o modelo de porco porque a constituição torso e membros é muito similar aos humanos, e a pele também. E o porco também não tem grandes objeções para ser adquirido, porque é usado para consumo humano”, afirma Cavallari.

Insetos atraídos por carcaças auxiliarão em casos de remoção de corpos (Foto: Luiza Queiroz)
Insetos atraídos por carcaças auxiliarão em casos de remoção de corpos (Foto: Luiza Queiroz)

O projeto também foi alvo de críticas por sacrificar os animais. Como o objetivo é estudar os insetos que atuam na decomposição de cadáveres submetidos a drogas (assemelhando-se a casos de overdose e de envenenamento), substâncias foram injetadas em dois animais (restando um deles para comparação), e posteriormente todos sofreram eutanásia. “Não existe justificativa científica, muito menos ética para a realização desse experimento, especialmente em público” declara a jornalista Silvana Andrade, presidente e fundadora da ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais). “A ciência avança cada dia mais no uso de métodos substitutos aos testes com animais”. Segundo Andrade, a ANDA acredita que a ciência deveria buscar, através da tecnologia, métodos alternativos à experimentação animal. “Há 4 anos, os maiores neurocientistas, inclusive com Stephen Hawkins, anunciaram oficialmente a senciência dos animais, a capacidade de sentir”, destaca a jornalista. “Se a ciência reconhece os animais como nossos semelhantes, deveria reconhecer também seus direitos. E, se não os reconhece como semelhantes, não deveriam ser usados para experimentos”.

O orientador de Cavallari, José Tolezano, entomologista do Instituto Adolfo Lutz, ressalta que o projeto obteve a devida autorização da Comissão de Ética e Uso de Animais (assim como autorização judicial para obtenção das drogas), e que o experimento seguiu os padrões éticos estabelecidos internacionalmente: “Todo o protocolo que foi construído – e por isso que tem o parecer da Comissão de Ética e Uso dos Animais – segue as regras internacionais, no sentido de não ter sofrimento, não ter maus tratos”, declara. “Em todas as situações em que existe alternativa ao uso de animais, isso deve ser buscado. Em segundo lugar, se não houver alternativa, que ele [o animal] não sofra maus tratos”. A Comissão de Ética e Uso dos Animais do Instituto Adolfo Lutz (CEUA-IAL) confirmou que o experimento foi “rigorosamente avaliado por 3 relatores da CEUA-IAL, sendo um deles de Instituição Não Governamental (ONG), um médico veterinário e um biólogo conforme recomendado pela legislação do CONCEA/MCTI. Desta forma, o mesmo recebeu a autorização para ser realizado dentro dos preceitos éticos na experimentação animal.” Tolezano acrescenta também que as comissões de ética e uso de animais são diretamente relacionadas a uma comissão federal, mediante a apresentação de relatórios periódicos a esse comitê nacional.

Projetos similares já haviam sido feitos por Cavallari em zonas litorâneas e rurais, e a ideia é montar um “banco de dados” para saber quais são os tipos de insetos decompositores mais comuns em cada área, e assim saber se um corpo foi movido de lugar, por exemplo. “Dependendo do tipo de verme que está no cadáver, ele pode te dar até a indicação de um provável homicídio”, afirma Daniel Muñoz. O experimento também ajudará a melhorar as estimativas quanto ao intervalo pós-morte (IPM) e poderá indicar, a longo prazo, uma ocasional mudança na fauna na região.