Ex-funcionário avalia a experiência com PIDV

“Com todas essas circunstâncias de crise, tive que ter coragem para pular fora da minha estabilidade”
(Foto: Cecilia Bastos)
(Foto: Cecilia Bastos)

Em seus onze anos e cinco meses de Jornal da USP, Paulo Hebmüller presenciou ocupações, a passagem de quatro reitores diferentes e chegou a ir à Amazônia para acompanhar uma viagem de estudos. Apesar de suas experiências, há um ano Hebmüller foi um dos 1.433 funcionários a aderir ao Plano de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), lançado pela reitoria em setembro de 2014. Com o retorno do plano e às vésperas de novas possíveis demissões, ele compartilha com o JC as motivações para sua decisão e afirma que o problema da folha de pagamento uspiana não está na quantidade de funcionários, mas em sua má distribuição.

 

Jornal do Campus — Quando chegou a notícia do PIDV, você se sentiu de alguma forma pressionado? Cada pessoa optou por suas razões individuais, eu não vi nenhuma pressão feita pela chefia ou nada disso. Para algumas pessoas, eu sei que pesou a ideia de estar chegando perto da idade limite de 70 anos e ser aposentado compulsoriamente. Professor sempre tem um jeito de ficar, mas para algumas pessoas eu acho que isso pesou. Juntando esse tipo de situação, o discurso da crise e o Plano de Incentivo à Demissão Voluntária, teve gente que pensou que se não saísse naquela época, teria que enfrentar algum subterfúgio jurídico para ser tirada mais pra frente.

 

E quais foram as suas motivações para sair, tendo em vista o cenário de crise econômica e da imprensa? Eu já estava há alguns anos descontente com a minha situação profissional aqui. O trabalho é uma dimensão muito importante da vida da gente e, para o bem ou para o mal, é onde você passa a maior parte do teu dia. Você precisa olhar ao seu redor e sentir que tem uma perspectiva de crescimento e realização que vão além do salário e de estabilidade, e eu não estava enxergando isso. Com todas essas circunstâncias de crise, isso tudo poderia me levar a decidir não sair, mas tive que ter uma dose grande de coragem para pular fora da minha estabilidade.

 

Em seus anos de USP, foi a primeira vez que ouviu falar do PIDV? Sim. Isso começou a aparecer em função do discurso de crise da gestão do [reitor Marco Antonio] Zago, quando o vocabulário de crise se tornou uma coisa recorrente. Na época, foi muito divulgado porque eles queriam que saísse o máximo possível de funcionários. Pelo que eu lembro, o plano não atingiu a meta desejada, talvez por isso agora tenha o segundo PIDV.

 

Um dos discursos é de que parte da crise se deve aos grandes reajustes salariais da gestão Rodas (2010-2014). Você acredita nisso? Acho difícil a gente ter acesso aos números reais do orçamento da USP, não sei se eles são suficientemente transparentes. Eu lembro que a gente ganhava muito mal. Na primeira chance que algumas pessoas de determinadas carreiras tinham, como informática, por exemplo, elas saíam. Então houve um ganho salarial importante na época do Rodas, só que foi para todos os setores: para o básico, para o técnico e para o superior. Claro que a folha subiu bastante, mas ele não fez isso sozinho. Era uma gestão inteira, essa folha foi aprovada pelo Conselho Universitário e o Zago era pró-reitor de pesquisa. Então quem não calculou? Quem aprovou essa conta?

 

Para você, na época, era um aumento justo? Esse é outro problema. A disparidade e as distorções salariais são muito grandes. Uma coisa que acontece muito aqui é você ganhar aumentos por tempo de casa. Só. Então se você ficar parado como uma pedra durante 5 anos, você ganha um aumento. Infelizmente, o funcionalismo tem muitos caminhos pelos quais você pode progredir na carreira com o mínimo de esforço. É um terreno fértil para distorções, e quem sabe enxergar isso sabe construir o seu caminho. O tempo de serviço é importante, claro, mas não pode ser critério único e suficiente para promoções.

 

E você acha que o PIDV atingiu essas pessoas? Não tenho dimensão geral para dizer isso. A USP oferece estabilidade e direitos trabalhistas que lá fora são cada vez mais raros, então é claro que para pessoas que pensam na estabilidade, que têm filhos e mais idade é muito arriscado aceitar o PIDV. Não podemos generalizar, já que não necessariamente a pessoa é uma “carreirista”, mas eu conheci algumas pessoas para quem a Universidade é um lugar de procurar ganhar cada vez mais trabalhando cada vez menos. Acho que você precisa ter respeito com o dinheiro e com o serviço público. Não adianta encher a boca pra falar da lava jato, da corrupção, e ser irresponsável na sua relação direta com a coisa pública que paga o teu salário.

 

Você tem contato com outros colegas que aceitaram o plano? Na verdade, eu estava fora do perfil que o plano buscava, que era quem estava mais próximo da aposentadoria e com mais anos de casa. Das pessoas que eu conheço que saíram, um já estava com quase 60 anos e quis ficar mais próximo da família que mora no interior. Pelas fotos que vejo no Facebook, acho que pra ele foi muito bom (risos). Para quem não fosse dramático ficar sem emprego e poderia ter outros recursos, era o tipo de perfil para o plano.

 

Você viu quatro reitores passarem por aqui. Na sua avaliação, o que mudou para o trabalhador? Eu não sei se eu posso fazer uma avaliação orçamentária, mas acho que a USP tem muitos problemas administrativos. Um deles não é exclusividade da Universidade, é uma característica do serviço público brasileiro, que é uma péssima distribuição dos funcionários. Então você tem alguns setores mais críticos com poucos funcionários e muita demanda, em outros setores você tem pouca demanda e muito funcionário, além da burocracia.

 

Em que sentido você vê a burocracia na USP como um problema? O excesso de trâmite administrativo é desnecessário e mostra que a Universidade não sabe distribuir os seus funcionários de acordo com a demanda de trabalho. A Comunicação, por exemplo, tinha mais de 150 funcionários, mas a minoria era para atividade-fim, que era produzir comunicação. Hoje mudou, reduziu bastante o pessoal administrativo, mas essas pessoas não saíram, só foram transferidas para outra unidade. Não adianta dizer que o custo reduziu, o custo só não está mais na folha da Comunicação, mas continua na folha da USP. Mas isso não é problema da USP, é do funcionalismo público.

 

Um dos discursos circulantes é de que o PIDV faz parte de um plano de desmonte da Universidade, pois abre brechas para terceirizações. Como você vê essa questão? Em alguns setores é clara a intenção de desmanche e o Hospital Universitário (HU) é um exemplo. Eu ouvi o vice-reitor Vahan Agopyan dizer que a prioridade da USP é educação, que saúde não é USP por ser uma prestação de serviço que estaria fora do serviço de ensino e pesquisa. Isso é uma falácia em vários níveis, porque o HU é um hospital-escola que forma médicos e enfermeiros. Fora isso, é uma irresponsabilidade porque o HU é um hospital referenciado para, no mínimo, 400 mil pessoas aqui da região. Esse é um caso clássico de perversão do plano. Não sei se por causa do PIDV ou se era uma intenção anterior da reitoria, mas ele está sendo abandonado à própria sorte, principalmente após as demissões. Sobre a terceirização, seja onde for, é um processo perverso para os trabalhadores, porque seus direitos são muito reduzidos.

 

A partir da sua experiência pessoal, qual seria o seu conselho para quem está pensando em aderir ao novo PIDV? Não cabe a mim dizer o que cada um tem que fazer da sua vida, mas o cenário do jornalismo é selvagem. Estou fazendo matérias por preços baixos e tenho que achar bom. Aqui há salário bom, estabilidade, fundo de garantia e décimo terceiro, você pode morrer aqui. Eu estava num momento que ainda tinha gás, tinha lenha para queimar. Se estivesse com 55 anos, não sei se faria isso, mas na época eu tinha a certeza desse marasmo contra a incerteza de uma coisa que eu não sabia o que seria, então eu me joguei na incerteza porque aquela certeza eu não queria. É bem difícil, tem uns meses que sai mais dinheiro do que entra, mas já fiz muita coisa que gostei, que achei importante, e acho que foi uma decisão corajosa. Só não posso dizer faça ou não faça, isso aí cada um decida pela sua consciência.