Pokémon Go e a captura do mundo

Febre de proporções globais, jogo explora nostalgia da geração dos 90
O aplicativo conta com a realidade aumentada através da câmera do próprio smartphone. Foto: Liz Dórea.
O aplicativo conta com a realidade aumentada através da câmera do próprio smartphone. Foto: Liz Dórea.

Quem de longe olha o pátio externo da Escola de Comunicações e Artes, estranha a pequena multidão de estudantes formada defronte ao prédio central. Nem sempre foi assim, afinal. O fluxo incomum de alunos para essa região da unidade é tão recente quanto a causa que o gerou: a caça virtual de Pokémons. A brincadeira de realidade aumentada, porém, está longe de ser exclusiva às calçadas da Universidade. Disponível para os sistemas operacionais Android e IOS, Pokémon Go é uma febre absoluta desde a sua chegada ao Brasil, em 3 de agosto desse ano, quase um mês após o lançamento oficial.

O desenvolvedor de jogos e jornalista de games, Gabriel Toschi, porém, lembra que a consolidação da franquia não é tão inédita assim. “Muito antes de parar no mercado mobile, a série Pokémon já tinha vendido mais de 280 milhões de jogos em 20 anos de história”, afirma. “ Isso para além do sucesso absoluto em outras mídias, como o desenho para a TV.

Mas, hoje, por que o game causa tanto furor?

“Observe a série Stranger Things, por exemplo, e o retorno de antigas produções como Arquivo X, Três é Demais, MacGyver e Digimon”, propõe o engenheiro e programador André Costa. “Pokémon Go apela para esse público específico, que cresceu na década de 90. “Seu sucesso demonstrou que há uma parcela dos consumidores desejando reviver as aventuras que sonhavam quando crianças, tanto que, nas primeiras semanas de lançamento, um dos rumores mais famosos foi a ideia de desenvolver um jogo similar para o mundo de Harry Potter.”

Para além do elemento nostálgico, o psicólogo comportamental e também jogador do game, Michel Indalécio, ressalta que o app explora um dos mais fortes estimulantes humanos: a novidade. “Por que o xadrez não gera o mesmo impacto que o Pokémon Go? Por que tem uma estimulação baixa. Não gera sonho nem objetivo. Se a variação de uma atividade lúdica não for tanta, o interesse tende a cessar. Mas se as possibilidades de busca continuam, a vontade se torna insaciável”, analisa.

Esse caráter inesgotável da nova versão da franquia é, de longe, devido à interface real-virtual do aplicativo.  “Pokémon Go é a uma aplicação em massa de realidade aumentada, e proporciona nova interação computacional com uma quantidade abundante de usuários”, explica. Além disso, por se tratar duma atividade que instiga seus jogadores a saírem de casa, interagirem socialmente e desbravarem o mundo real, o game é um ponto fora da curva do que se considerava ser um jogo digital. “A fundação sobre a qual todo o jogo se sustenta é justamente essa: a transmissão da experiência de procurar, localizar e capturar monstrinhos. Essa inovação permite incluir os pokémons em nossas atividades do dia-a-dia.”

Tamanha materialidade, incomum aos apps de entretenimento dos smartphones, já foi responsável por patrocinar inúmeras iniciativas colaterais. Desde a procura de voluntários para a doação de sangue até o passeio com cães de abrigo, Pokémon Go vem operados efeitos inimagináveis para um passatempo tecnológico. Tal fenômeno, como esclarece Indalécio, pode ser fruto do elemento narrativo. “Existe todo um enredo familiar por detrás de cada movimento do jogo. Essa afetividade, associada a memória, instiga comportamentos.”

O engenheiro André Costa percebe que esses efeitos sociais, alheios ao plano digital, tem fomentado debates sobre programação. “Essa inclinação em incentivar se tornou um ponto interessante de discussão para o desenvolvimento de jogos”, afirma. Toschi, por sua vez, que ainda é membro do fórum Fellowship of the Game, aposta na jogabilidade como o grande acerto de Pokémon GO.

“O núcleo já consagrado pela série foi resgatado, deixando as coisas mais complexas apenas na franquia original.” Entretanto, todas os comandos conhecidos estão disponíveis: capturar, treinar, evoluir, batalhar, chocar ovos e, claro, conseguir todas as espécies existentes. “Os controles são intuitivos e a divertida tarefa de se tornar um mestre Pokémon se descomplica”, opina.

Diante da conquista estrondosa, um questionamento deve ter galopado pela mente de quem tanto esperou para alvejar uma Pokébola: devemos aguardar outros lançamentos na mesma aposta de geo-localização do jogo? Toschi palpita que novos games devem surfar na mesma onda. Mas não necessariamente pelo sucesso obtido pelo Pokémon Go, em si, e sim pelo impacto do uso da realidade aumentada no mundo tecnológico. “É o primeiro “killer app” — um software que justifica a compra de um dispositivo — que usa realidade aumentada de forma robusta.”

A despeito disso, a última criação da Niantic não saiu ilesa de alguns enganos estruturais. Gabriel Toschi destaca alguns bugs oriundos do uso de tecnologias ainda pouco utilizadas, mas adianta que atualizações devem aprimorar o app. Diante dos ecos, André Costa não deixa de lembrar dalgumas consequências da realidade aumentada muito repercutidas na mídia. “Embora rara e não exclusiva aos jogos, a possibilidade de atropelamentos, invasão a propriedades particulares e pertubação sonora existe.”