Interrupção nas carreiras da USP?

Atualização no Plano de Classificação de Funções agrupa mais de 100 funções e extingue outras

Alexandre Amaral

Furtuoso Gomes trabalha na USP há 27 anos como eletricista. Há alguns meses, centenas de funcionários como ele receberam um e-mail informando que, com a atualização do Plano de Classificação de Funções (PCF), suas  ocupações  seriam extintas ou agrupadas em outras. No caso de Furtuoso, a função de eletricista, assim como as  de vidraceiro, operador de caldeira e mais outras 14, seriam incorporadas na função ativa de auxiliar de manutenção/obras. Furtuoso se recusou a assinar o termo de mudança, pois considerava uma regressão na própria carreira, mas muitos outros funcionários aceitaram. No total, são cerca de 100 funções dos grupos básico, técnico e superior que serão agrupadas.

O agrupamento da função de eletricista, assim como tantas outras, foi deliberado na última reunião da Comissão Central de Recursos Humanos (CCRH), realizada em 26 de outubro de 2015, como continuação de um longo processo de reformulação do PCF, criado em 1995. O ofício dessa reunião justifica que a mudança ocorreu para atender à legislação específica de atividades e para proporcionar maior mobilidade funcional aos servidores, mas a Diretora do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) e representante dos funcionários na comissão central de Recursos Humanos, Aneli Wada, discorda.

Segundo Aneli, a Universidade teria contratado pessoas para exercer funções sem existirem as vagas de emprego público. “A Universidade tem autonomia, mas não tanta,” afirma. “A Assembleia Legislativa deveria aprovar os cargos e empregos públicos.” Segundo a diretora, a USP está fazendo agrupamento de funções e enxugando o quadro de funcionários paralelamente à lei em vigor 1074/2010 que define as funções do grupo básico, técnico e superior.

Aneli defende que não existem regras claras para a mobilidade funcional, pois se houvesse , seriam necessárias entrevistas que levassem em conta os interesses e aptidões dos trabalhadores pela comissão responsável por sua avaliação, o que não ocorre. “O PCF é uma tentativa de ajustar o modelo da universidade naquele com que a reitoria sonha, na qual existe o docente, o estudante e pouquíssimos funcionários que vão tendo suas funções extintas ou agrupadas a cada dia”, afirma. “Há uma política nesse agrupamento, que é extinguir as funções, não contratar mais, terceirizar os serviços e enxugar o quadro.”

A mudança pode também afetar a identificação, na carteira de trabalho. Mauricio José da Silva trabalha na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) há seis anos. Ele era técnico de recursos humanos, mas com a mudança, assinou o termo e se tornou técnico administrativo. Mauricio não concorda totalmente com a alteração, porque embora as funções agrupadas com a dele estejam no mesmo ambiente de trabalho, cada uma exige uma qualificação e um conhecimento adequados. “Nessas mudanças, quando uma pessoa muda de setor, tem que ter toda uma adequação e um treinamento para tal função, coisas que não acontecem.”

Segundo Aneli, a falta desse treinamento resulta em trabalhos de baixa qualidade, caso o profissional não procure por si só uma qualificação. Mauricio relata que vários de seus colegas não gostaram da alteração de suas funções. “Se você está enquadrado dentro de determinado leque de funções, não tem como negar ou argumentar que não vai fazer por isso ou aquilo, sendo que está escrito na sua função,” afirma o técnico.

Ele relata que ainda não teve dificuldade para realizar o que engloba a nova função, que consiste no gerenciamento de compras e da parte administrativa. Mauricio acredita que essa mudança foi para dar mais agilidade na mudança de setor, sem haver alteração de função, caso algum outro setor com falta de funcionários solicite que ele vá trabalhar com eles. “Por um lado achei que foi legal, mas por outro, numa carteira de trabalho, o registro técnico administrativo não fica focado na sua real função, que é sua classificação.”

O SINTUSP defende que o agrupamento de funções proporciona a destruição da carreira dos funcionários, além de conflitos trabalhistas e insatisfação dos trabalhadores.

Ao não assinar o termo de mudança de função, Furtuoso orgulha-se do seu registro na carteira da Secretaria do Trabalho, que reconhece oficialmente sua função como eletricista. Considerando as outras tantas funções que seriam agrupadas na categoria de auxiliar de manutenção/obras ele ainda afirma “a gente pode ajudar outra seção na hora de um socorro, dar uma mão numa emergência. Sem problemas, sempre fizemos isso. Agora, não podem dizer que não sou eletricista.

Furtuoso logo encerrará seus longos anos de trabalho, pois se inscreveu no segundo PIDV, mas não arreda o pé. “Eu pedi minha saída. E vou sair como eletricista.” Mas para os companheiros de profissão do grupo responsável pelo CEPEUSP e pela Raia Olímpica, que também se recusaram a assinar o termo, a fala que ecoa é a seguinte: “Se for mudar, só para melhor.”

Quando contatada pelo Jornal do Campus para prestar informações sobre a reestruturação do PCF, a seção de RH da Reitoria respondeu que sendo a matéria de competência da CCRH e que ainda não foi deliberado o modelo a ser adotado, ela não pode, por hora, prestar esclarecimentos sobre o tema. A discussão da reorganização do PCF, que seria realizada há duas semanas, no dia 17,  foi transferida para uma reunião extraordinária da CCRH  ainda sem data marcada.

Sobre o jornalismo

No anexo III do PCF, entre as funções reservadas para estudo, para definição quanto à sua manutenção, agrupamento ou extinção, aparece a de jornalista. O mesmo documento sugere que tanto os jornalistas quanto os analistas de comunicação agrupariam a função de editor.

O Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da USP publicou em seu site uma manifestação contrária à medida. A nota distingue as funções do editor em redações jornalísticas e do editor de livros, além de questionar a reclassificação desta função na de analista de comunicação. O Departamento aponta não ter um curso superior que a classifique, e muito menos uma trajetória histórica relacionada ao desenvolvimento da sociedade contemporânea, como as profissões especializadas de comunicação social.

Segundo a nota, o agrupamento deslegitimaria a própria graduação na USP. “Não é mero ato administrativo, pois carrega uma série de implicações sociais e simbólicas. Como a mesma instituição que forma profissionais de nível superior em jornalismo e editoração pode deixar de reconhecer a especificidade desses profissionais? Qual mensagem será dada à sociedade? A de que esses profissionais não são mais necessários e que, portanto, é melhor que esses cursos de graduação sejam extintos?”

O Secretário Geral do Sindicato dos Jornalistas, André Freire, se posicionou também contra o agrupamento. “O acúmulo de função é estressante para o trabalhador, desestabiliza a atuação do profissional e é contraproducente,” afirma. “Há uma mania de querer enxugar as redações de empresa jornalísticas. Estamos perdendo uma formação clássica que era ter toda uma equipe que funcionava em busca de uma boa reportagem.”

Foto: Alexandre Amaral
Foto: Alexandre Amaral

“É estranho que um órgão de Estado provoque uma possibilidade certeira de desqualificação do trabalho”, continua. “O Estado tem que dar exemplo. Uma universidade que forma profissionais está reduzindo as possibilidades desses profissionais atuarem. É uma contradição absurda.”