Movimentos Estudantis se unem pelo Fora Temer, mas ainda não conversam entre si

Assim como nas ruas, o pedido pela saída do vice não elimina as opiniões divergentes sobre o impeachment
Foto: Liz Dórea
Foto: Liz Dórea

Vinte dias após o impeachment de Dilma Rousseff, alguns movimentos estudantis (MEs) da USP já se mobilizam pelo Fora Temer através da promoção de debates e da presença nos atos que ocuparam as ruas da capital paulistana nos últimos dias, como o que aconteceu no último dia 18. No entanto, aquele que seria um cenário de aglutinamento por uma pauta comum traz à tona dissidências anteriores ao afastamento, as quais têm questionado, mais uma vez, o poder de unidade dos estudantes diante do momento político.

Misturas heterogêneas

Para entender os rumos da repercussão do impeachment, o JC procurou as três chapas mais votadas nas eleições para o Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre) da USP “Alexandre Van­nuc­chi Leme” deste ano: Primavera, a chapa eleita; USPinova, que ficou em segundo lugar; e Todas as Mãos, a terceira colocada.

Para aqueles que integravam a Todas as Mãos, a queda da presidenta representa um golpe parlamentar, jurídico e midiático. “Não há outra palavra pra descrever a retirada de uma presidenta democraticamente eleita sem que ela tenha cometido crime de responsabilidade”, afirmam. Composta por estudantes independentes e do Balaio — Núcleo de estudantes petistas da USP, a leitura da chapa é de que, com a consolidação de Michel Temer na presidência, “o projeto de governo que foi derrotado por quatro vezes nas urnas será aplicado sem qualquer diálogo com a sociedade”.

Citando perdas de direitos sociais e trabalhistas como a flexibilização da CLT e o congelamento dos gastos com saúde e educação, o Balaio acredita que o desenvolvimento e combate à desigualdade no país estão comprometidos — por isso defende o Fora Temer, embora não tenha um consenso caso ele venha a cair. “A descrença profunda da ação dos agentes políticos e o discurso de criminalização do PT serão, a curto, médio e longo prazo, uma perda para todo o Brasil e não só para um partido ou figura pública”, afirmam.

Já a USPinova faz uma análise divergente. “Não há dúvidas de que o processo seguiu seu trâmite legal e de que houve a conduta que materializou o crime”, defendem. Para eles, o uso do termo “golpe” qualifica o processo político ocorrido no Brasil em 1964, mas não os imbróglios atuais. “Não parece coerente o discurso de golpe quando as bases do governo PT e PMDB são as mesmas”.

Questionados sobre seu apoio ao movimento que pede pela saída de Michel Temer, os integrantes dizem apoiar a continuidade do processo de investigação e cassação da chapa, caso seja comprovado crime de corrupção.

Apesar de não declararem apoio a nenhum movimento político, a USPinova diz contar com membros de um amplo espectro ideológico, mas que no geral defendem políticas econômicas liberais e visões progressistas para a sociedade. Nesse sentido, eles, que foram favoráveis ao impeachment desde o princípio, acreditam que o afastamento e operações como a Lava Jato têm sua importância num processo para retomar os rumos de uma política de progresso nacional. “Com uma varredura política indistinta de partidos e medidas de reajuste orçamentário, respeitando direitos de base e que traga transparência de gestão, são pontos que, se concretizados, podem trazer um otimismo para um próximo governo”, reforçam em nota JC.

Mesmo caminhando em direções opostas em suas interpretações sobre a conjuntura política nacional, tanto o movimento liberal, quanto o petista, mostram-se insatisfeitos com a atuação dos MEs. “Preso a interesses de grupos parciais, o movimento estudantil da USP tem perdido a representatividade perante o conjunto dos estudantes, o que resulta numa baixa capacidade de mobilização estudantil”, afirma o Balaio. “Num cenário polarizado e grave como o atual, essa situação tem se revelado perversa. Atualmente, o movimento estudantil da USP não tem sido capaz de dar respostas com a energia que o momento exige”, completa.

A USPinova também acredita que pautas acadêmicas estejam sendo minimizadas em prol de interesses particulares, mas fazem um outro tipo de análise. “Vemos muitos movimentos estudantis brigando entre si para ver ‘quem é mais de esquerda’, puxando greves e paralisações contra o suposto golpe e se esquecendo de que existem alunos que precisam de representação”, apontam.

Até o fechamento desta edição, a chapa Primavera, que comanda o DCE, não encaminhou suas respostas para o Jornal do Campus, mas afirmou defender o Fora Temer e ter sido contra o impeachment desde o princípio.

Após realizar  seu primeiro evento em protesto ao governo atual no dia 8 de setembro, o DCE interrompe um hiato marcado pela ausência de debates sobre o impeachment, como pode ser visto em sua página do Facebook: a não ser por uma aula pública marcada para o dia 31 de maio — e que foi cancelada por motivos de agenda de um dos palestrantes — todos os outros eventos promovidos pelo Diretório, até então, foram dedicados às  questões internas, como o debate por cotas, permanência estudantil, Hospital Universitário e à greve, deflagrada entre maio e julho deste ano.

Primeiramente, Fora Collor

O movimento estudantil na USP é, historicamente, marcado pelo alinhamento ao desdobramento de pautas que afetam o Brasil como um todo. Durante aquele que é conhecido como o processo de redemocratização do país, o ME foi uma das principais vozes pelo fim do regime militar, assim como em movimentos pela Diretas Já! e pelo Fora Collor.

A gente viveu intensamente aqueles tempos, tinha uma forte militância na USP e no Brasil. Com a primeira eleição para presidente da República, os partidos comunistas saindo da ilegalidade e havia todo um crescente de manifestações de rua. O Fora Collor veio nessa esteira”, afirma a jornalista Lúcia Rodrigues, que entrou para o curso de Ciências Sociais da FFLCH em 1989.

Se hoje a participação dos estudantes perante o impeachment de Dilma Rousseff revela-se apática e dividida em comparação ao movimento de 1992, para ela esse é um reflexo da incapacidade dos movimentos de passarem por cima de suas diferenças em nome de uma questão maior.

“Em 92, já existiam divergências internas, até porque as pessoas têm ideias diferentes, o que é normal e saudável. Mas, em relação à questão do Fora Collor, não tinha nenhuma força de esquerda ou de direita dentro da USP que se colocasse contra a outra, muito pelo contrário”, relembra Lúcia, que também integrou o Centro Acadêmico e o DCE. “A gente tende a achar que na nossa época era melhor”, brinca, “mas talvez o sectarismo e a miopia política de alguns grupos dentro do movimento estudantil não os faça perceber a gravidade do que a gente está vivendo”, argumenta.

Sobre a passeata histórica do dia 11 de agosto, ela se recorda de ter passado em diversos institutos, como a Física e a FAU, realizando uma convocação para os atos. “Quando chegamos na Avenida Paulista, lembro que tomamos um susto: as duas faixas no sentido Paraíso e no sentido Consolação estavam absolutamente cheias de gente!”.

 

Ao relembrar da mobilização dos uspianos que foram às ruas com as caras-pintadas, Lúcia faz uma ressalva à mobilização mais recente dentro da Universidade. “Ainda bem que estão se unindo pelo Fora Temer, mas acredito que eles deveriam ter se unido antes. A Dilma ainda poderia estar lá e nós poderíamos ter feito pressão para que governasse mais à esquerda, já que ela se elegeu com um programa e no dia seguinte passou a governar com outro”.

Para Everaldo de Oliveira Andrade, professor do Departamento de História que também foi cara-pintada em 1992, as entidades estudantis, à sua época, possuíam autoridade política e capacidade de organização, o que permitia a existência da unidade evocada por Lúcia. “Era uma situação de pós-ditadura, de crescimento da articulação dos movimentos sociais, greves gerais, tinha uma mobilização muito intensa. Também havia um espaço comum de articulação e pensamento sobre como trabalhar as grandes questões em defesa da universidade”, diz.

Professor Everaldo de Oliveira Andrade no "Vão da História", FFLCH-USP (Foto: Bianka Vieira)
Professor Everaldo de Oliveira Andrade no Vão da História, FFLCH-USP (Foto: Bianka Vieira)

Ao relembrar das assembleias estudantis que contavam com a presença de centenas de estudantes, além da hegemonia existente entre DCE, Sintusp e Adusp em torno do Partido dos Trabalhadores (PT), Everaldo critica. “Eu me questiono até que ponto eles [os MEs] estão fazendo um trabalho complementar ao pouco de unidade que foi construída pelo movimento sindical e popular. É uma posição infeliz que não consegue perceber que existe uma ameaça muito séria ao conjunto dos movimentos estudantis e da democracia acontecendo”.

A despeito dos impasses políticos e de todas as divergências que estagnam os movimentos, Everaldo ainda acredita no poder de mobilização da juventude. “Ela pode incentivar um movimento mais amplo da sociedade a se mobilizar, a encontrar uma saída positiva para o país. Nas próximas semanas e meses, estará em jogo os últimos anos do país, e a juventude é protagonista para que a história do Brasil tenha um rumo positivo”, finaliza.