O espaço da política na USP e no Brasil

Felipe Saturnino
Arte: Natalie Majolo
Arte: Natalie Majolo

O empecilho à participação de alguns candidatos em debates eleitorais revisita uma vez mais o impasse que diz respeito à representação e à participação democráticas enquanto se aproxima o pleito municipal.

Para além da óbvia menção que se faz ao tema “envolvimento democrático” quando nos referimos à atual instauração de políticas do governo de Michel Temer que não foram oficialmente votadas e, portanto, não legitimadas em urnas — no que pese o caminho tortuoso e contraditório adotado por Dilma Rousseff logo após sua vitória em 2014 —, a questão neste particular tem a ver com decisões da reforma política promovida na Câmara dos Deputados no ano passado, ainda sob a tutela do peemedebista Eduardo Cunha.

Formalmente, o texto da Lei nº 13.165 permitia que emissoras de televisão façam convites facultativos, para seus debates, a candidatos cujas legendas não possuam no mínimo 9 deputados eleitos à Câmara baixa. No sentido de representações alternativas, fora do circuito televisivo, a USP mostrou que é lugar relevante de ocupação do espaço político, uma de suas vocações. Vide a realização, no 19 de agosto, na Rádio USP e em parceria com o projeto de extensão USP Debate, de discussão com os candidatos à Prefeitura, em que 7 concorrentes, entre eles Fernando Haddad, João Dória e Luiza Erundina, estiveram presentes.

Além da barreira da lei, “para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional”, dizia o parágrafo 5º do artigo 46. A proposta da reforma, concretizada em 29 de setembro último, repreende também de forma significativa a natureza fragmentada e pulverizada da parte mais proporcionalmente relevante, porque numericamente representativa, do Congresso Nacional.

As muitas legendas no Congresso são citadas, na maioria das vezes, com certo desdém e enquanto causa, e não sintoma, de uma política de conciliação que busca ampliar a coalizão e os acordos. Já houve época em que partidos orbitassem em torno de interesses mais sólidos e honráveis do que apenas o estar perto do poder, mas isto faz tempo. De qualquer forma, pode-se rebater o argumento com uma simples e pragmática observação de que o que mantém vivo um partido — e corresponde a seu objetivo último, por se tratar de sobrevivência — é apenas chegar ao poder.

O Brasil possui, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 35 partidos; desses, 28 têm representantes eleitos para a Câmara dos Deputados. As duas maiores legendas brasileiras somam 26% das cadeiras totais dessa Câmara, bem destoante de França (81%), Argentina (43%) e Estados Unidos (100%). Caso levemos a cabo a regra, doze partidos já saem da jogada, entre os quais se incluem o PSOL e o PV. No que toca a vindoura eleição que (de)bate à porta, o buraco é mais fundo porque nomes tais como Marcelo Freixo e Luiza Erundina, postulantes às prefeituras fluminense e paulistana respectivamente, foram ladeados nos primeiros debates televisivos nas capitais e possuem relativo peso em pesquisas de opinião (a última Datafolha dá 10% a ela, terceira colocada, e o Ibope, 12% a ele, no segundo posto).

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, contrariou o artigo da lei que estabelece o mínimo de parlamentares que deve ter um partido para ser convidado o seu candidato. Ainda assim, cabe agora inteiramente às televisões a escolha de convidar ou não os mesmos candidatos deixados de lado, contando agora que os concorrentes não podem vetar ou não se aqueles virão a debate.

A representatividade política ou a sua distorção é decidida pela mão da emissora, em última análise.

Contraponto O Centro Acadêmico Visconde Cairu (CAVC) publicou, no dia 24 deste mês, nota de repúdio em que acusava a diretoria da Faculdade de Economia e Administração (FEA) de parcialidade ao impedir realização de um evento proposto pelo CA. No caso, o CAVC não pôde promover debate com candidatos a vereador, a fim de encerrar o ciclo “Cidade em Pauta”. Segundo a nota, a diretoria justificou a proibição afirmando que a USP não empreende ocasiões políticas do tipo — seguindo interpretação do artigo 73 da Lei nº 9.504/97 —, ainda que a mesma diretoria tenha feito evento com João Doria, candidato à prefeitura paulistana pelo PSDB, em maio. Entendendo o debate como o jeito de a comunidade uspiana intervir na política, e também de a política “oficial” frequentar a USP, o texto termina ressaltando que o fenômeno ocorrerá inevitavelmente, prevendo luta com a decisão superior. A situação, caso corresponda à verdade, põe em xeque o juízo da diretoria e faz da Universidade ente apartado, alheia, separando-a da política institucional decerto. Daí enfatizá-la como o lugar em que o real pouco penetra, e onde a participação é diminuída. É este o mau contraponto quando se deve ter como exemplo o trazer as coisas de fora para dentro da USP.

Fim da linha Serão dois uspianos que comandarão o novo (velho) ciclo na história brasileira. Decadente a proposta de inclusão homeopática por programas dos governos Lula e Dilma, chegados a retração e o desemprego (problemas dos quais a presidenta não deve ser eximida), sobra ao são franciscano Michel Temer — e ao politécnico Henrique Meirelles — a necessidade de revitalizar as contas públicas sem atenção às mazelas sociais. Não que o ajuste fiscal seja descartável, posto que o Estado, se o queremos funcional e redistribuidor, há de ser são; mas é ingênuo crer que as ideias de Temer e governistas frequentem esta prateleira. Por ora, é o fim da linha de um certo fazer política.

Nova trama Com a PEC que fixa o crescimento de despesas públicas abaixo da taxa de inflação do ano anterior, a revista da Previdência e a possibilidade de flexibilização da CLT em pauta, o governo intenciona fazer reformas estanques nos precedentes dilmistas. A alguns que dão de ombros à ruptura, argumentando que Temer é só a continuidade da ex-mandatária, há equívoco. No impasse político-econômico a que havia sido conduzido o sistema influíam tanto os erros próprios, a radicalização de Cunha, Temer e do PMDB e a mobilização de parte da esquerda, PT e movimentos sociais para barrar o ajuste recessivo. Paralisada a situação política, após a crise da nomeação de Lula à Casa Civil e o andamento da Lava Jato, não havia mais defesa e o país entrou definitivamente na austeridade com Temer. Hoje, não há paralisia ou barreiras para as reformas, e a trama a que a população assiste implementa um programa no qual não votou.