Retratos do oprimido e do opressor: o cotidiano vira peça

Grupo de Teatro do Oprimido da USP reúne alunos com foco na transformação social

Helena Mega

Com base na abordagem teatral criada por Augusto Boal, a doutoranda do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP) Dodi Leal trouxe, pela primeira vez dentro de uma disciplina curricular, o Teatro do Oprimido para as salas de aula da Universidade de São Paulo. Foi então que, inspirados por essa experiência, alunos montaram o Grupo de Teatro do Oprimido da USP (GTO).

Formada em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Dodi já trabalhava com o Teatro do Oprimido na Universidade a partir do grupo Metaxis, fundado em 2008. A oportunidade de ministrar a técnica como professora convidada surgiu no segundo semestre de 2015, a convite do professor Luís Galeão, do IPUSP.

O estudante de história na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Gustavo Salmão acompanhou como ouvinte as aulas ministradas por Dodi no ano passado. “Por um acaso, eu tinha acabado de ler um livro sobre o tema. Então fui atrás”, conta.

Hoje, Gustavo é um dos “curingas” que ajudam a organizar os encontros do GTO. Para a formação do grupo, foi realizada uma convocação no início do ano, nos quais os requisitos eram ter as noites de quarta-feira livres, ter interesse por movimentos sociais e vontade de atuar.

O resultado foi a formação de um grupo heterogêneo, com participação de pessoas de dentro e de fora da Universidade. A ideia era montar uma peça para o fim do ano. Com o passar dos meses, no entanto, a turma se desfez e, atualmente, cinco estudantes estão envolvidos com o projeto. Isso não impede, entretanto, que os integrantes planejem intervenções em outros espaços.

Foto: Andressa Crossetti
Foto: Andressa Crossetti

Dodi continua vinculada como supervisora do trabalho deles, realizando conversas quinzenais com os “curingas”. “Eles que conduzem. É uma novidade para mim”, diz a professora. Nos encontros, trabalham as histórias de opressões das pessoas.

Assim, mais do que expor os problemas, busca-se a reflexão do grupo para lidar com eles e enfrentar a realidade quando ela trouxer algo parecido. Não apenas as opressões sofridas por alguém, mas também aquelas praticadas. “É como o Boal fala: nós encenamos a vida. Quando encenamos, não deixamos de viver”, lembra Gustavo.

 

Origem

O Teatro do Oprimido foi criado nos anos 1970 pelo dramaturgo brasileiro Augusto Boal, após ter sido preso e exilado pelo regime militar. Em 2008, Boal foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz e condecorado, pouco antes de sua morte em 2009, Embaixador Mundial do Teatro pela Unesco.

Em sua dinâmica, são aplicados jogos e exercícios que buscam a “desmecanização” do corpo e a problematização da vida. O intuito é colocar em cena, de uma forma clara, processos de transformação social, de modo que se tenha uma ferramenta de empoderamento contra opressões — desde aquelas mais subjetivas, interiores, até sociais e políticas.

Assim, busca criar uma reflexão transformadora, olhando para um tipo de opressão e pensando em maneiras de transformá-la. “Uma leitura muito superficial é a de superar a opressão, mas às vezes não é disso que se trata. A transformação pode ser um processo muito mais potente”, coloca Dodi.

A modalidade parte do princípio de que todos podem atuar, tendo experiência profissional ou não. Outro ponto importante é que ela não usa textos prontos, mas uma dramaturgia construída pelas experiências de opressão vivenciadas por cada um.

“Um dos grandes legados do Augusto Boal é a democratização do meio de produção teatral”, explica Dodi, que, durante quatro anos, fez visitas regulares ao Rio de Janeiro para ter formação com o dramaturgo. Ainda assim, por mais que as experiências de cada um devam guiar os encontros, a técnica não deve ser deixada de lado.

Nesse semestre, a disciplina não está sendo oferecida no IP, pois Dodi precisou parar para se focar no doutorado. Mas a vontade de retomar o trabalho não é pouca. Ela lamenta, contudo, que a técnica, praticada em mais de 70 países, não seja oficialmente ensinada na Universidade.