Precisa-se de professores na Escola de Aplicação

No primeiro semeste, os alunos ficaram 44 dias sem aulas de química. Biologia tem futuro incerto com falta de docentes
O vazio dos corredores não é simbólico: a falta de profissionais faz com que alunos de graduação e de pós se organizem para dar aulas, mas isso não supre o apoio necessário aos estudantes fora do horário de aula
O vazio dos corredores não é simbólico: a falta de profissionais faz com que alunos de graduação e de pós se organizem para dar aulas, mas isso não supre o apoio necessário aos estudantes fora do horário de aula (Foto: Majo Campo)

“A Escola não irá fechar”. Esse foi um dos recados mais importantes dados na reunião de pais da Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de Educação da USP, que aconteceu no último dia 8. Sem novas contratações desde 2014, a falta de professores é o principal problema que afeta a instituição, que abriga alunos do ensino fundamental e médio.

Uma das origens do boato foi o anúncio próximo da lista de aprovados no PIDV (Programa de Incentivo à Demissão Voluntária) da Reitoria. Contudo, apenas uma funcionária da Escola foi inicialmente contemplada: a psicóloga Ana Maria Mello. Há seis professores na lista de espera e, caso sejam aprovados, não há perspectivas de substitutos para eles no próximo ano.

A causa da apreensão, no entanto, é mais antiga. No primeiro semestre do ano, os alunos ficaram 44 dias sem aulas de química por falta de professores. Recentemente, dois funcionários da USP assumiram o cargo e se revezam nele.

Como não são professores contratados, no entanto, acumulam funções em outros institutos e não se integram inteiramente à comunidade escolar: não dão recuperação, não atendem famílias, não vão na reunião de pais e não estão presentes nos conselhos da escola, quando os professores discutem os problemas e os avanços na aprendizagem de cada estudante.

“Vêm aqui, dão a aula, e vão embora porque têm outros compromissos nos seus postos de trabalho. Não têm vínculo com a equipe de professores”, explica Adriana Oliveira, professora de artes da EA e integrante da Associação de Pais e Mestres (APM) da Escola. Também não se sabe se eles continuarão na Escola no próximo ano.

Mãe de um aluno do 9º ano e voluntária na APM, Sônia Reis percebe, através do filho, a precarização da disciplina. “Meu filho faz cursinho para entrar numa escola técnica. O que ele aprendeu de química lá não chega nem perto do que está aprendendo aqui”, conta.

“Como a vinda dos substitutos foi projetada de uma maneira muito corrida, nós pais questionamos o plano de ensino que a escola deveria ter apresentado lá atrás”, continua a mãe.

Já a reposição do conteúdo perdido no início do ano está ocorrendo à tarde, oferecida por alunos de graduação do IQ (Instituto de Química) e coordenadas pelo professor Marcelo Giordan, da Faculdade de Educação (FE).

Arranjos

Na terça-feira, dia 11 de outubro, foi a vez da professora de biologia despedir-se da Escola. Ela passou em um concurso e irá lecionar na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “As pessoas têm o direito de continuar suas vidas em outros locais, a nossa preocupação é falta de contratações”, explicou aos pais, a diretora da instituição, Andréia Botelho de Rezende.

Agora, o conteúdo será ministrado por alunos de pós-graduação em Biologia, sob coordenação das professoras Martha Marandino, da FE, e Suzana Ursi, do Instituto de Biociências (IB) da USP. Para os alunos do terceiro ano do ensino médio, a antiga professora deixou a matéria adiantada e praticamente finalizou o conteúdo do ano.

No entanto, do mesmo modo como a reposição de química, o conteúdo de biologia será dado na parte da tarde, quando nem todos alunos, por motivos diversos, podem comparecer — alguns, por exemplo, frequentam ensino técnico ou cursinho no período vespertino.

“Percebemos um esforço muito grande da direção da EA, mas esses arranjos são muito precários e é inegável que prejudicam a qualidade do ensino dos nossos alunos”, aponta a professora de artes.

Diante disso, os pais planejam recorrer ao Ministério Público (MP) com uma ação cautelar (procedimento judicial que busca prevenir, conservar, defender ou assegurar a eficácia de um direito) para forçar a Reitoria a abrir novas contratações. O anúncio foi feito pela mãe Lucineia durante a reunião de sábado.

Porém, até que a gestão Zago se encerre, não há previsão para que as contratações ocorram. “Eu sou pela resistência, só que a minha resistência também tem limite. Se chegar fevereiro e não tivermos alternativa para sete disciplinas, não tem como continuar nessa escola”, lamentou Lucineia ao microfone.

Assim, sobre 2017, os pais ainda estão sem respostas. “Nossa maior preocupação é terminar o ano”, avisou a diretora. Na sala da APM, há uma pasta cheia de documentos com registros de ações anteriores, uma delas no nome de Sônia, que contatou o Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação), órgão do MP, para denunciar a situação da Escola.

Cadê a merenda

Outro agravante da situação da Escola é o fechamento da cantina, que funcionou pela última vez no dia 17, já que a administração atual optou por não renovar o contrato. Como a Escola nunca ofereceu merenda, direito previsto pela lei nº 11.947 de 2009, os mais de cem alunos bolsistas, que costumavam ganhar lanche do local, ficarão sem alimentação garantida nos intervalos.

A concessão de bolsas a esses alunos foi resultado de outra luta da Escola, que conseguiu junto à SAS (Superintendência de Assistência Social) o pagamento do auxílio alimentação para alguns estudantes que também podem frequentar os bandejões. Agora os pais, junto à diretoria, buscam alternativas para que ninguém fique sem lanche até o fim do ano.

Sobrou espaço na reunião do dia 8, no entanto, para que algumas notícias boas fossem dadas aos pais que compareceram ao auditório recém pintado da Escola. Essa pequena reforma foi feita graças a uma verba doada pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) à EA, dinheiro que também possibilitou a reinauguração do parquinho fechado há seis anos e algumas manutenções nas quadras.

Também foi anunciado que a EA ficou em 1º lugar no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) 2015 na categoria Ensino Fundamental II entre as escolas públicas do município de São Paulo.