Professores contestam proposta da PEC 241

Especialistas em educação e economia avaliam a Emenda que pretende limitar despesas públicas
Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

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Em junho deste ano, o presidente Michel Temer apresentou sugestão de criação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241. A Emenda apresenta um conjunto de ações que busca estabelecer teto de gastos para o Brasil pelos próximos 20 anos e, assim, melhorar suas condições econômicas. Para ser colocada em prática, a proposta precisa passar por duas aprovações na Câmara dos Deputados e também duas no Senado Federal. Porém, especialistas da Universidade de São Paulo acreditam que a PEC representa um retrocesso para um país que necessita, ainda, de grandes investimentos em áreas fundamentais, como educação e saúde.

Para Carmen Sylvia Vidigal Moraes, professora da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), “a proposta de mudança deste governo ilegítimo volta-se contra o modelo de cidadania e as conquistas civilizatórias garantidas na Constituição de 1988”. O governo Temer pretende fazer ajustes econômicos através da redução de investimentos em direitos sociais e em serviços públicos prestados à sociedade. Para Carmen, a imposição dessas restrições irá prejudicar justamente os setores mais pobres da população: “é uma política anti-povo”.

Ainda segundo a professora, o Governo ignora outras medidas que poderiam resultar em maior justiça social, especialmente medidas no campo tributário, como a taxação das grandes fortunas ou das maiores heranças. “É preciso taxar os segmentos sociais e econômicos que sempre ganham muito, mesmo e especialmente com a crise atual, e que estão submetidos à menor carga tributária, a que incide sobre patrimônio e renda”. O Brasil, hoje, paga uma das maiores taxas de juros no mundo – em 2015, a despesa com juros superou a despesa relacionada a benefícios previdenciários, atingindo 436 bilhões, segundo dados do Banco Central. Mas, segundo Carmen, “ainda assim, o Governo elege como prioridade cortar direitos dos trabalhadores e manter intocados os ganhos dos rentistas”.

Nos últimos anos, o país conseguiu alguns avanços com relação aos investimentos na área da educação, como por exemplo mudanças realizadas no Artigo 212 da Constituição Federal, que estabelece um repasse mínimo da União, de 18%, e também dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, de 25%, a essa área. No ano de 2007 foi instituído o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), capital formado por arrecadações estaduais de recursos de naturezas diversas, como impostos e transferências, destinados à educação. Além disso, o Plano Nacional de Educação estabeleceu o compromisso de aplicação de 10% do PIB em educação, e também foi determinado que, a partir de dezembro de 2012, a área passaria a receber a aplicação de 75% dos recursos de royalties do petróleo nacional. Com a PEC 241, segundo a professora, todos esses avanços se estagnam e inverte-se a lógica constitucional: “onde há a obrigação de gastos mínimos, de acordo com a Constituição, passa a haver a determinação de um teto de gastos”.

De acordo com Carmen, tudo indica que a PEC 241 afetará as universidades públicas, como a USP, e demais instituições federais. Para ela, uma vez desaparecido o acordo de evolução dos investimentos públicos em educação, além de outras medidas recentes no campo da educação, como a última versão da Base Nacional Comum Curricular (que estabelece regras no ensino que devem ser cumpridas em todo o país), e também a proposta de reforma do Ensino Médio, surge o risco da política de privatização relacionada ao programa de ajuste fiscal na educação para redução de custos. “A eficiência econômica da educação, transformada em critério, vem substituir o direito à educação de qualidade”. Na opinião da professora, as próprias medidas assumidas pela atual gestão da Universidade de São Paulo, como busca por formas alternativas de financiamento, proibição de contratação de pessoal, de criação de novos cargos e de reajustes salariais, centralização e exclusão da participação coletiva na tomada das decisões e imposição de mudanças na carreira são exemplos desse risco. “As semelhanças entre as ações tomadas aqui dentro e as imposições da PEC 241 me levam até a pensar que somos um laboratório de sua aplicação”, afirma.

Medida não soluciona

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Em audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos, realizada dia 11 de outubro no Senado, a professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, Laura Carvalho, explicou que, na realidade, “a crise fiscal que o país vive atualmente não é fruto de uma gastança descontrolada”. Analisando dados dos últimos governos, vê-se que o total de despesas no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff cresceu 4,2%, valor inferior aos dos dois mandatos do presidente Lula (5,2% e 4,9%), e bem próximo do valor correspondente ao do segundo governo Fernando Henrique Cardoso (3,9%). Em contrapartida, a receita total do país veio diminuindo ao longo dos anos: cresceu 6,5% durante o segundo mandato de FHC, 4,8% e 3,6% nos primeiro e segundo governo Lula, respectivamente, e apenas 2,2% no primeiro mandato de Dilma. Ou seja, na opinião de Laura, atualmente o Brasil vive uma crise fiscal de receita, e não de despesa, e esta crise fiscal é muito mais o sintoma da crise econômica brasileira do que a causa dela. “A PEC 241 e suas reduções de gastos não só não soluciona os problemas que temos como pode prejudicar muito uma retomada, uma estabilidade política”, afirma.

De acordo com Eduardo Caldas, professor do Instituto de Estudos Avançados da USP, a possível aprovação da PEC 241 aparece como tentativa de solução fiscal do Brasil, por parte do Governo, mas não se mostra capaz de atingir a raiz dos problemas de maneira eficiente. Na opinião dele, o que se precisa é compatibilizar gastos eficientes com arrecadação adequada. Além disso, o professor lembra que políticas públicas de qualidade, em saúde e de educação, se faz com valorização das pessoas. “Nas duas áreas, o que se precisa é estruturar carreiras, valorizar os profissionais com salários compatíveis a suas atribuições e apostar em tecnologias apropriadas”, ele afirma. Por isso, o que se precisa é inverter a lógica de pensamento: aumentar o custeio para ampliação da cobertura do Sistema Único de Saúde e do oferecimento de educação de qualidade, algo que vai contra a proposta da PEC 241.

A Emenda estabelece limite de despesas do Governo a cada ano: o valor total a ser gasto no período seria o mesmo despendido no ano anterior, corrigido apenas pela inflação. Dessa forma, o Orçamento se mantém praticamente congelado, pois o seu poder de compra seria o mesmo do ano anterior. Essas regras valem para os próximos 20 anos, podendo ser revisadas após os 10 primeiros anos da medida. O conjunto de regras da Emenda, ainda segundo o Governo, se aplica aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Além disso, de acordo com a proposta atual, a medida já entra em vigor a partir de 2017, mas os limites ligados a gastos nas áreas de saúde e educação passam a valer apenas depois de 2018. A primeira votação na Câmara dos Deputados, em 10 de outubro, aprovou a proposta com 366 votos a favor e 111 contrários, além de duas abstenções. A previsão é de que o segundo turno na Câmara ocorra antes do dia 24 de outubro e que as duas votações pelos senadores aconteçam até a primeira quinzena de dezembro.