USP carece de recursos para a garantir a permanência de estudantes com filhos

Falta de vagas na creche e no Crusp, de farmárcia, de atendimento médico 24h e de atividades culturais são algumas reivindicações das mães, que improvisaram uma creche para continuar os estudos
Foto: Liz Dórea e Majo Campo
Foto: Liz Dórea e Majo Campo

Por volta das dezessete horas, Frida já tinha tomado dois banhos, trocado de roupa quatro vezes e dado um susto na mãe ao engasgar com uma fruta. Faz parte da rotina de Stella Theodoro, estudante da licenciatura em Letras que quer seguir carreira no ensino público e tem convivido com vários obstáculos da maternidade no contexto uspiano.

Para Stella, a falta de vagas na creche e de apartamentos apropriados no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) são as principais barreiras para cursar o final de sua graduação tranquilamente.

Das 1.692 vagas abertas em 2015, apenas 12 apartamentos são adaptados para a realidade materna. Eles ficam localizadas no corredor térreo do Bloco A e possuem dois quartos, um banheiro e uma sala, enquanto que o restante dos apartamentos é dividido em três quartos, um banheiro e uma sala. Há também uma cozinha e uma lavanderia de uso coletivo das mães e um espaço de recreação para as crianças, que é protegido com cerca, material que falta no restante do Conjunto Residencial, que possui seis andares de escada com vãos sem proteção alguma.

Em agosto, Stella participou de um debate com o USP Mulheres sobre os avanços e os desafios da desigualdade de gênero e a aplicação da Lei Maria da Penha dentro da Universidade. “Nessa mesa eu pude dar um relato do tipo de situação que vinha acontecendo em relação às pautas das mães. Para participar do evento, por exemplo, eu tinha deixado a Frida na ‘minicreche’, onde já havia mais de sete crianças naquele momento”, conta.

“A primeira questão para as mães é a da creche, o direito ao ensino para as nossas crianças e para nós mesmas”.

Vagas restritas

Os critérios de seleção para os apartamentos reservados a pais e mães seguem os mesmos parâmetros dos demais moradores do Crusp. Além de comprovar a falta de renda, para conseguir uma das doze vagas apropriadas para mães no Crusp as assistentes sociais levam em consideração se a criança vive em situação de risco.

Andreia Rodrigues, estudante do último ano da licenciatura de Matemática no Instituto de Matemática e Estatística (IME), convivia com uma vizinha com doenças psiquiátricas no Crusp e, enquanto ainda estava grávida, chegou a ser fisicamente ameaçada pela mulher, fato que foi relevante para ser escolhida para ocupar um dos quartos reservados no térreo do Bloco A.

“Eu não tenho o que reclamar das assistentes sociais. Elas fazem tudo o que está no alcance delas. Se pudessem fazer mais, acho que fariam”, afirma Andreia, que também recebeu apoio das assistentes para conseguir uma vaga na creche da Universidade para seu filho. “A creche me ajuda em tudo e é uma referência nacional. É uma pena o que está acontecendo com ela. Lá, você pode deixar seu filho e saber que ele está seguro, você pode trabalhar e estudar sossegada”, relata a aluna, que estuda no período matutino, deixa o filho na creche pela manhã e só o busca no final da tarde. “Se não fosse a creche provavelmente eu teria abandonado o curso”, confessa.

Em contrapartida, Celma Reis, estudante do quinto ano da licenciatura em Geociências e Educação Ambiental do Instituto de Geociências (IGc), não conseguiu a vaga na creche e luta contra o prazo do término do curso. “A dificuldade agora é estar sem creche e com criança, além de toda a pressão para terminar o curso”, diz Celma, que tenta cumprir com o plano de estudos definido no início da sua graduação para assegurar sua vaga no Conjunto Residencial.

Mesmo se conseguisse a vaga na creche, Celma ainda passaria dificuldade para conciliar a criação de Caio com suas atividades na faculdade, pois a creche funciona em período diurno e a mãe estuda no período noturno. “Não tenho opção, sempre tenho que arrumar alguém para cuidar do meu filho”.

Roseleine Bonini, mestranda de estudos comparados e literatura moçambicana na FFLCH  é uma das mães que moram nos apartamentos do andar térreo e ajuda as colegas. “O mais interessante daqui é que as mães acabam formando uma rede de apoio, uma ajuda a outra na medida do possível. Isso é uma interação que não existe muito no Crusp. Dificilmente você vai encontrar um corredor inteiro que interage junto”.

Dois amparos essenciais para a resistência das mães na Universidade são a Roda Nove Luas, que surgiu com um grupo de grávidas para discutir maternidade e feminismo, e a creche improvisada ao fundo do corredor do Bloco A, onde Stella deixou Frida para participar do debate com o USP Mulheres. Segundo Celma — uma das principais responsáveis pelo espaço onde as mães se revezam para cuidar dos filhos umas das outras enquanto alguma precisa trabalhar ou estudar—, o corredor já tinha uma estrutura com cercado de madeira construída pelo antigo morador do apartamento.

Mesmo que o improviso seja de grande ajuda,  Celma lembra que o espaço não suprime a necessidade de um espaço regular para as crianças. “Não é bem uma creche, a gente só usa o espaço para se ajudar”.

Perspectivas

No último ano, foram cortadas 114 vagas da creche da Universidade com o objetivo de diminuir os gastos da instituição. No entanto, o custo delas em 2015 foi de R$1,8 milhão, o que equivale a 0,04% do orçamento da Universidade de São Paulo, um valor insignificante para ser poupado.

Para Vera Soares, assessora do escritório USP Mulheres, a questão das creches envolve professoras, alunas e funcionárias. “Sua existência foi fruto de grande mobilização da comunidade universitária no final dos anos 1970 e até hoje é um importante equipamento da política de permanência para as estudantes, que se tornou referência nacional para a formação de profissionais e para a construção de atendimento às crianças”, conta.

“Esse [fechamento de vagas] é um problema que a comunidade tem que trabalhar e reivindicar, devido à importância da creche na Universidade de São Paulo.”

Em relação ao Crusp, a assessoria da Reitoria diz que “não há previsão de que [o aumento de vaga] se efetive”. Uma das soluções sugeridas pelos estudantes seria ampliação do Crusp para os blocos K e L, que “desde a sua construção, são utilizados por setores da Administração Central da Universidade”.

Outras dificuldades

Além da falta de creches, há também falta de bolsas e de uma melhor estrutura de acesso à saúde na Universidade. Roseleine, como estudante de Pós-Graduação, não conta com auxílio alimentação, apenas tem direito a uma bolsa emergencial, que vale por apenas três meses.

Nos restaurantes universitários, suas crianças dividem o prato com ela, com exceção da mais velha, que conseguiu vaga na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação e, portanto, tem direito ao bandejão.

Outro aspecto é a ausência de farmácias dentro do Campus e o atendimento pediátrico do Hospital Universitário, que só funciona até as 19h.

Em relação às atividades culturais, a SAS organiza no Dia das Crianças e no Natal uma confraternização com as mães e seus filhos, mas algumas ainda sentem falta de ações mais frequentes.